Caras novas, dentro e fora dos cockpits, e um sistema de classificação que lembra a dança da cadeira geram expectativa para a abertura da temporada de F-1, domingo, na Austrália, o país do “down under”. Em um circuito montado nas ruas do Albert Park, em Melbourne, a dinâmica do fim de semana vai indicar as táticas mais eficientes para obter a melhor posição no grid e mostrar se este ano a emoção das voltas rápidas retorna com força total. Após um intervalo de quatro meses será interessante ver como o circo volta à ativa.
O GP da Austrália é o primeiro dos 21 que compõem a temporada de 2016 e, como sempre, terá momentos pitorescos e doses de surpresa. No primeiro caso, estão as estreias de Jolyon Palmer, Pascal Wehrlein, Rio Haryanto e da equipe Haas, cada um com características bem diferentes. Palmer faz parte da finada Lotus, agora rebatizada Renault e é a aposta britânica do momento; chega com cacife do título da GP2 de 2014, sobrenome de um ex-piloto e promotor de peso em seu país (o pai Jonathan, que é médico de formação) e uma certa mágoa em relação a Felipe Nasr. Quando o brasileiro conseguiu um lugar na Sauber o inglês desmereceu o trabalho do seu maior rival na disputa por aquele título. Palmer e o dinamarquês Kevin Magnussen — que substitui Pastor Maldonado —, competem este ano com o Renault Sport R.S.16. A marca francesa retorna à condição de construtora após uma longa negociação com o mesmo grupo que adquiriu suas instalações de Enstone na entressafra 2010/2011.
O alemão Pascal Wehrlein desembarca na F-1 graças à velocidade que demonstrou no DTM, onde em 2014, aos 20 anos, tornou-se o mais jovem vencedor e, no ano seguinte, mostrou-se praticamente imbatível. Em 2016 testou pelas equipes Mercedes e Force India e para esta temporada ganhou uma vaga na Manor Racing quando a equipe inglesa, ex-Marussia, garantiu um acordo para receber os motores alemães. Seu companheiro de equipe será o indonésio Rio Haryanto, que ao contrário dos dois colegas, chega com pouca experiência: apenas algumas poucas e problemáticas sessões de teste em Barcelona. Sua presença na categoria certamente vai ajudar a tornar a F-1 mais conhecida em um país com cerca de 260 milhões de habitantes espalhados por mais de 17 mil ilhas. Haryanto e Wehrleim alinharão a bordo dos Manor MRT05-Mercedes.
A equipe Haas chega com uma retaguarda tecnológica de peso: Gene Haas, seu proprietário, fundou a fábrica de máquinas industriais multifuncionais que leva seu nome em 1983 e hoje é um dos líderes de mercado, sucesso conquistado na filosofia da economia de escala. Certamente isso contou na hora de optar por comprar todo o trem de força da Ferrari para estrear na F-1… Além de tudo, é um autoentusiasta de carteirinha e é sócio da Stewart-Haas, uma das principais equipes da Nascar, onde compete com quatro carros, pilotados por Kevin Harvick, Danica Patrick, Tony Stewart e Kurt Busch. O franco-suíço Romain Grosjean e o mexicano Estebán Gutiérrez foram os nomes escolhidos para pilotar os novos Haas VF16-Ferrari.
O Sauber C-35-Ferrari pode parecer muito semelhante ao C-34 do ano passado, mas sua construção e desenvolvimento tem a marca de Mark Smith, engenheiro inglês que ontem (14) deixou a equipe, oficialmente por questões familiares. A notícia levanta questões sobre a saúde financeira do time de Hinwill, cidade localizada nos arredores de Zurique: Smith iniciou seu trabalho em julho passado e sua partida acontece após a confirmação de atraso no pagamento de salários dos funcionários. Uma repetição similar e pouco auspiciosa da crise que marcou a equipe em 2015, quando o holandês Giedo van der Garde processou a Sauber por quebra de contrato. O assunto foi resolvido por uma indenização que comprometeu toda a temporada da escuderia liderada por Monisha Kalterborn, indiana que adotou a cidadania austríaca quando sua família se mudou para a Europa.
Se servir de consolo, Kalterborn pode olhar para a McLaren e refletir que dinheiro não é tudo. Durante várias décadas referência técnica e financeira da categoria, a equipe comandado por Ron Dennis navega por mares revoltos há alguns anos. A recente re-união com a Honda ainda não celebrou nenhuma florada de cerejeiras; muito pelo contrário, a relação entre construtor e fornecedor de motor é mais semelhante a um jardim de cactos. Em meio a um deserto de resultados que lembrem o passado o de ambas, Fernando Alonso e Jenson Button e seus McLaren MP4/31-Honda em 2016 pódios são miragens e vitórias utopias dignas de quebrar banca de apostas.
Certamente equipes como a Force India e a Toro Rosso serão referências para medir o progresso da McLaren. Tanto a equipe italiana, que herdou a estrutura da Minardi, quanto a anglo-indiana (que funciona nas instalações que um dia abrigaram a Jordan), trabalham com orçamentos relativamente modestos e dependem de motores versão cliente. A primeira monta trem de força Ferrari nos Toro Rosso STR11 que serão conduzidos pelos dois estreantes de 2015, o holandês Max Verstappen e o espanhol Carlos Sainz Jr. Ente ano amadurecidos, os dois deverão protagonizar boas disputas dentro e fora das pistas.
Os Force India VJM09-Mercedes demonstraram bom potencial nos testes de Barcelona nas mãos de Nico Hulkenberg e Sérgio Perez. Os problemas que o indiano Vijay Mallya enfrenta em consequência da derrocada do seu império (aviação, bebidas, investimentos em diversos esportes), no entanto, afetarão a temporada do alemão e do mexicano. O grupo Diageo, que chegou a anunciar o fim do patrocínio que ligava a marca de uísque Johnnie Walker à McLaren para investir na equipe e envolver a Aston Martin nesse projeto, voltou atrás e não apenas reviu o acordo com Ron Dennis como certamente descobriu que será muito difícil recuperar o crédito que tem com Mallya.
No espaço entre essas equipes e as duas grandes da atualidade, Red Bull e Williams terão que provar competência e evolução mais uma vez. A equipe do austríaco Dietrich Mateschitz tenta de dissociar da Renault, com quem conseguiu quatro títulos mundiais consecutivos (2010-2013) e rebatizou os motores franceses instalados nos RB12 do australiano Daniel Ricciardo e do russo Daniil Kvyat de TAG-Heuer, marca que assumiu boa parte da conta do aluguel das máquinas construídas em Viry-Chatillon. A diplomacia áspera e polêmica que Helmut Marko, o austríaco que é o braço direito de Mateschitz na categoria, porém, afastam da equipe o cálice que já transbordou de champagne muitas vezes e que hoje é preenchido apenas com energéticos, muitas vezes quentes e fora do prazo de validade.
Se a Sauber vê a McLaren como incentivo, esta última se espelha na Williams para renascer das cinzas que, cor que até pouco tempo atrás era predominante nos seus carros, atualmente quase pretos. Verdade que ainda hoje a pintura dos McLaren era metalizada e sofisticada, detalhes que passam longe das características da Williams, onde o fundador Frank insiste em investir em tecnologia a dourar suas pílulas de sucesso. Os FW38-Mercedes de Felipe Massa e Valteri Bottas são atualmente os melhores produtos de uma escola que se mantém fiel ao espírito garagista, mas que aprendeu a explorar o conhecimento adquirido nas pistas para finalidades diversas. Exemplo disso é a comercialização da tecnologia desenvolvida em recuperadores de energias cinética e térmica para uso em categorias como a F-E e geração de eletricidade para pequenas comunidades. Dito isso, para melhorar o terceiro lugar conquistado entre os construtores em 2014 e 2015 a Williams terá que cometer menos erros de estratégia e trabalho de box. É o que muitos brasileiros esperam…
Mercedes e Ferrari serão, sem dúvida, as equipes protagonistas de mais uma temporada. Os italianos mostram nos testes de Barcelona que o modelo SF16-H comprovaram ter desempenho e equilíbrio para o finlandês Kimi Räikkönen e o alemão Sebastian Vettel marcarem os melhores tempos. Muitos notaram que as melhores marcas foram obtidas com os pneus de compostos ultramacios, ao contrário do rival alemão, que só calçou borracha um grau mais duro. Uns poucos, no entanto, notaram que os tempos das máquinas de Maranello com esse mesmo composto também foram foram melhores.
Se a Ferrari fez modificações que caracterizam a evolução natural de um bom projeto, em particular um novo bico que ajuda a equilibrar o carro, a Mercedes focou o trabalho em resistência. Os AMG F1 W07 Hybrid do alemão Nico Rosberg e do inglês Lewis Hamilton completaram algo próximo a 6.200 km de testes em oito dias e o único contratempo foi uma transmissão quebrada (Hamilton, no último dia). Em outras palavras, comprovação de que o foco foi em resistência, algo que já deixou os flechas de prata no caminho nos raros momentos que Hamilton e Rosberg ficaram na beira do caminho…
Vale lembrar que a segunda equipe que mais rodou foi a Toro Rosso, também equipada com motor Ferrari, algo que sugere ter o segundo time dos energéticos ter desempenhado o trabalho de durabilidade para Maranello. Em questão de dias, o quadro aqui descrito será visto com mais nitidez. Até lá, esta coluna volta com edições extraordinárias sobre as mudanças no sistema de classificação e o calendário mais extenso nos 67 anos de história da F-1.
WG