Logo após o término da Segunda Guerra Mundial, com a rendição incondicional do Japão em 2 de setembro de 1945, houve nos Estados Unidos um enorme e contínuo progresso industrial em todas as áreas, com o desejo consumista da população se alastrando por todo país. Aliás, foram os Estados Unidos os grandes ganhadores da guerra, enquanto a Europa, quase que totalmente arrasada, foi à grande perdedora. Sem esquecer do Japão, duramente afetado pelas bombas atômicas lançadas pelos americanos em Hiroshima e Nagasaki.
No segmento automobilístico, enquanto nos Estados Unidos a gastança imperava, com os carros enormes, luxuosos, com cromados abundantes e supergastadores de gasolina, na Europa ocorria exatamente o contrário, surgiam veículos pequenos, simples, leves, práticos e econômicos. O extremo deste processo foi o segmento de míni e microcarros que prosperou rapidamente nos países europeus.
Um bom exemplo de minicarro foi o Fiat 600 Multipla, lançado na Itália no final de 1956. Com motor traseiro inclinado de quatro cilindros em linha, 633 cm³, 22 cv e câmbio de quatro marchas, fez enorme sucesso na época, custando praticamente o mesmo que uma motocicleta com side-car. Tinha três fileiras de bancos, dois lugares em cada um, podia transportar seis adultos apesar do pequeno entre-eixos de 2.000 mm e do comprimento total de apenas 3.531 mm.
Os microcarros para transportar no máximo três pessoas também inundaram o mercado, com vários exemplos de veículos com somente três rodas. Falando um pouco desta configuração, as duas rodas direcionais dianteiras levavam nítida vantagem de projeto. A geometria de direção era muito mais favorável em termos de estabilidade, inclusive com menor desgaste dos pneus por escorregamento em curvas.
Em 9 de abril de 1953 a empresa italiana Iso Automotoveicoli, fabricante de motocicletas e triciclos comerciais, apresentou no Salão de Turim um projeto iniciado em 1953 denominado Isetta, que consistia em um microcarro de baixo custo voltado para a realidade da economia italiana do pós-guerra. Projetado pelo engenheiro aeronáutico Ermenegildo Preti, possuía características peculiares, como porta frontal única para o acesso ao interior do veículo, com banco único de dois lugares e tração traseira em duas rodas juntas, quase um triciclo. Com apenas 2.250 mm de comprimento e entre-eixos de 1.500 mm, 1.340 mm de largura e 1.320 mm de altura, seu formato de gota chamou a atenção do público em geral. Sua carroceria ovoide e com teto solar de lona era montada em chassis tubular e a coluna de direção com o volante eram integrados à porta, articulando-se junto ao ser esta aberta. O carrinho pesava apenas 350 kg.
Com bitola traseira bem estreita de 500 mm, era quase um triciclo (bitola dianteira, 1.200 mm). O motor dois-tempos bicilíndrico de 236 cm³ entregava 9,5 cv. O câmbio manual tinha quatro marchas sequenciais e marcha à ré, com a alavanca de mudanças no lado esquerdo. Sua suspensão dianteira era do tipo Dubonnet (um tipo de braço arrastado), com amortecedores por discos de atrito e mola helicoidal embutida em um tubo estrutural com lubrificante. O eixo traseiro era monobloco sem diferencial, possível devido à bitola ínfima, com transmissão secundária por corrente dupla imersa em óleo, molas ¼ elípticas e amortecedores telescópicos inclinados para a frente do veículo.
A velocidade máxima era de 85 km/h e o tanque de gasolina de 13 litros propiciava ao carrinho uma autonomia de 250 km aproximadamente. O motor do Isetta tinha uma característica bem interessante, dois pistões montados em uma biela dupla articulada. Só um cilindro era ativo, o outro atuava com bomba de aspiração e transferia a mistura ar-combustível para o cilindro vizinho.
No Brasil, a indústria de máquinas operatrizes Romi, de Santa Bárbara d’Oeste, no interior do estado de São Paulo, selou um acordo com a Iso italiana para produzir o carrinho e em 5 de setembro de 1956 iniciava a produção do Romi-Isetta, que teve a primazia de ser o primeiro automóvel produzido no Brasil.
Foi fabricado até 1958 com transmissão e motor Iso importados da Itália e a partir de 1959 utilizou o motor BMW 300, mais potente, de 13 cv. Porém, sem contar com incentivos fiscais e créditos por parte do governo Juscelino Kubitschek, que administrava a implantação da indústria automobilística por meio do supraministerial Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), e por ter sido convencionado que só poderiam ser alvo de estímulo veículos com ao menos duas portas, o preço do Romi-Isetta acabou ficando alto demais, sem competitividade, o que levou a Romi, no final de 1960, a deixar de fabricá-lo, deixando vago o espaço dos microcarros.
Carinho especial
Eu, particularmente, tenho um carinho especial pelo Romi-Isetta: foi o meu primeiro carro, presente do meu pai. Me lembro de sempre subir e descer a rua Augusta com minha esposa Bete, nos anos dourados, quando esta era a rua mais chique de São Paulo.
No meu ponto de vista, os míni e microcarros teriam espaço no mundo atual como transporte barato e econômico, principalmente para as grandes cidades.
Os carros de hoje em dia são pouco eficientes carregando muito peso morto para o transporte de pessoas. É muito comum ver carrões circulando somente com o motorista, não havendo nenhum sentido prático. Com as tecnologias que conhecemos hoje, os míni e microcarros poderiam ser viabilizados facilmente pelas indústria automobilística como modelos inteligentes e compatíveis com as necessidades energéticas básicas de nossa sociedade como um todo.
É um bom desafio ao leitor imaginar como seria uma rede de transportes inteligente, integrando o público e o individual, para gerar uma malha urbana limpa e de qualidade para todos.
Como de costume, encero a matéria com uma homenagem.
Desta vez a homenageada é a Fiat, marca hoje integrada à FCA Fiat Chrysler Automobiles EV, que ao longo dos anos sempre primou em fabricar veículos pequenos, leves, baratos, econômicos e com grande espaço interno.
CM