Defronte à entrada principal do Hotel Tauá, no tapete vermelho, um prateado Mercedes 380 K Cabriolet B, recheado de cromados, rebrilhava a ponto de nos ofuscar. A letra K em seu nome significa que seu motor é superalimentado por um compressor. Esse cabriolet foi fabricado em 1933, ano em que Adolf Hitler foi eleito chanceler da Alemanha. Pois é, algumas ditaduras se valem da democracia para galgar o poder.
Ao seu lado, compartilhando do mesmo tapete vermelho, outro cabriolet, só que na cor vermelho vinho, um Mercedes 300 D Adenauer, de 1952. Seu nome de batismo é uma homenagem ao estadista Konrad Adenauer, primeiro chanceler alemão eleito após a guerra. Democrata, perseguido e preso pelos nazistas, foi libertado pelos Aliados. Eleito chanceler em 1949, reergueu economicamente a Alemanha, democratizou-a e inseriu-a no mundo livre. Mereceu, portanto, todas as gratidões e homenagens, inclusive essa que a Mercedes-Benz lhe fez.
Este ano o evento foi patrocinado pela Mercedes-Benz, portanto, nada mais lógico que haver dois dos mais importantes clássicos da marca em destaque.
No tapete vermelho ao lado estava um Lincoln K Coupe Le Baron V-12, de 1933. Esse foi o ganhador do Prêmio Roberto Lee deste ano, prêmio esse dado ao automóvel mais significativo do evento. A Grande Depressão americana estourou em 1929, e esse enorme roadster, digno de um Grande Gatsby, pode parecer fora de sintonia com um país que passava por sua pior agrura econômica e social. Mas nem todos se lascam nessas situações e sempre haverá quem forneça aos sempre milionários os exagerados luxos de que necessitam.
Logo atrás do banco, junto ao estribo, há uma portinhola que abre o compartimento do saco de tacos de golfe. Seria imperdoável não ter como levá-lo condignamente. Enormes pneus faixa branca evidenciavam que na casa havia um chofer para limpá-los, escovando-os com espuma até que atingissem a alvura. Lavar faixas brancas de pneus é um serviço para serviçais. Se for para o proprietário limpá-las, o melhor é não tê-las, e isso serve para qualquer carro, ano ou modelo.
Cada carro conta seu momento histórico. Basta que nos interessemos mais a fundo, que eles nos revelam o momento histórico que os produziu. O que a sociedade deseja, a indústria produz. Olhar os carros antigos, tanto pode ser um simples ato de admiração, como pode ser algo mais profundo, uma reflexão sobre a história; não só a história da evolução da tecnologia, mas a história das sociedades que os desejaram e absorveram.
No mesmo tapete do 380 K e do Adenauer uma réplica do primeiro Benz, e primeiro automóvel, produzido. Em 1888, com o original, cuja carroceria era um pouco diferente da exposta, Bertha, a esposa de Karl Benz, e dois de seus filhos fizeram uma viagem de 100 km para visitar a mãe; e isso sem que o marido soubesse. Lá chegando, mandou um telegrama a Karl avisando que estava tudo bem e que voltaria dali três dias, o que realmente ocorreu. Essa foi a primeira propaganda de automóvel, pois a repercussão dessa aventura foi enorme, já que até então nunca ninguém se arriscara a viajar com uma máquina esquisita dessas. Karl era um técnico circunspecto e Bertha, além de mulher corajosa, era uma boa vendedora.
Em 2006 a Mercedes-Benz fabricou 175 réplicas do modelo e uma é esta exposta. E ela funciona. O neto do dono, que coleciona modelos da marca, é um rapazote de uns 12 anos e é ele quem melhor a dirige, o que parece ser um tanto complicado, já que é um tal de abrir e fechar registros sem parar. O motor rende coisa de 1 cv quando tudo vai bem. É um instável triciclo, porque na certa desconheciam os princípios de Ackermann, que já eram usados em algumas carruagens.
Sob condições ideais de bom piso roda à velocidade de um cavalo trotador comum, o que não devia entusiasmar os observadores de então, que, por ainda não estarem acostumados às máquinas e muito menos à velocidade com que evolui sua tecnologia, na certa achavam que o automóvel seria para sempre só aquilo. Seria interessante que um pó de pirilipimpim os trouxessem para hoje para darem uma voltinha no novo Mercedes GLE Coupé, como fiz em Araxá. Que carro moderno! Em breve teremos um no uso.
O elegante conversível 280 SE, ano 1971, do nosso amigo, colunista e editor Boris Feldman, estava ali, merecidamente, entre esses “MB” clássicos. Carro chique. Ideal para passear com uma princesinha pela Riviera Francesa. Os 200 cv do motor de 3,5 litros é potência suficiente para não só passear, mas também para emocionar a mocinha. Faz o 0 a 100 km/h em 9,0 segundos e atinge 196 km/h. Lembro-me de um amigo que, décadas atrás, indo à Europa alugou um bom e veloz esportivo. Saiu todo poderoso. Logo na primeira serra foi ultrapassado por um 280 SE como esse, motor 3,5-litros, só que cupê. Lhe pareceu ser moleza pegá-lo e foi atrás. E nada de alcançá-lo, nada…, até que se esborrachou num barranco. O Mercedes deu ré e dele saiu um piloto de Fórmula 1 se desculpando por tê-lo provocado. As desculpas, claro, foram aceitas. Quem o mandou ser trouxa?
E a coisa segue assim. Cada carro nos traz suas histórias. E como o evento contou com mais de 300 carros expostos, os 40 mil visitantes tiveram muito que olhar, e pensar.
Espero que o vídeo que segue leve o leitor para dar uma voltinha rápida pelo evento. Em breve mais dois vídeos, um em que demos uma boa volta no sanguíneo Fiat 124 Abarth Rallye do amigo Luíz César e outro da volta com o delicioso Alfa Romeo GT Veloce do nosso amigo e colunista Boris Feldman. Ambos os carros estavam expostos no Brazil Classics e depois de ver tantos carros bárbaros o caro leitor acha que eu iria aguentar sair dali sem dirigir umas belezuras dessas?
AK