A Chrysler terá sempre um lugar garantido em meu coração, pelo motivo de ter sido o meu primeiro emprego como engenheiro e do qual guardo boas recordações da fábrica em Santo André, onde eram produzidos os caminhões Dodge e os antológicos motores V-8 de 318 polegadas cúbicas, ou exatos 5.210 cm³.
Os automóveis da Chrysler foram parte do tripé dos carros mais vendidos nos Estados Unidos, junto com a Chevrolet e a Ford, estas duas se revezando continuamente entre os dois primeiros lugares em vendas. Minha visão é que a Chrysler sempre se destacou por seus modelos arrojados em estilo e também em inovações tecnológicas e paradoxalmente, ficando quase sempre em terceiro lugar entre as três maiores fabricantes americanas. Quem sabe faltasse a arte comercial que faz parte integrante do sucesso de qualquer empresa.
Falando um pouco da história, o primeiro automóvel da marca americana Chrysler foi apresentado em 5 de janeiro de 1924 no Salão de Nova York. Denominado Six, apresentava várias novidades para a época, como o motor de seis cilindros em linha com pistões em alumínio e virabrequim apoiado em sete mancais, freio hidráulico nas quatro rodas e filtros de ar e óleo substituíveis
Dois anos depois, em 1926, entrou no segmento dos carros de luxo com o modelo Chrysler Imperial E-80, que alcançava 128 km/h (80 mph), marca importante para a época.
Em 1928, a Chrysler, comprou a Dodge Brothers Company e neste mesmo ano começou a produzir os modelos DeSoto e Plymouth, além dos caminhões Dodge, agregando valor à marca. A Chrysler sempre se preocupou em tecnologia, fazendo seus veículos leves e funcionais. Um bom exemplo foi o desenvolvimento de eixo dianteiro tubular em substituição à viga forjada. Também se dedicou a estudos de aerodinâmica, quase esquecidos na época pelas empresas concorrentes. Um bom exemplo deste ímpeto tecnológico foi o Chrysler Imperial CX 1934, desenvolvido em túnel de vento e com linhas futuristas para a época em que foi concebido.
E mesmo em 1935, com Walter Percy Chrysler, fundador e presidente da empresa, se afastando por razões de caráter pessoal, a Chrysler já era uma das principais marcas de automóveis nos Estados Unidos. Em 1940, no início e durante a Segunda Guerra Mundial, a Chrysler forneceu aos Aliados cerca de meio milhão de caminhões Dodge convertidos para uso militar, assim como tanques M4 Sherman fabricados dentro de suas próprias instalações. Como curiosidade, o tanque de guerra M4A4 tinha sua propulsão desenvolvida a partir da junção de cinco motores Chrysler de 4,2 litros.
Entre 1947 e 1951 a Chrysler investiu fortemente na expansão da empresa, com novas fábricas e continuando com inovações, desenvolveu sistema elétrico de acionamento dos vidros e também o lendário V-8 Hemi de 300 hp (304 cv), tido como o mais potente motor para carros na época. Este motor impulsionou um dos modelos mais carismáticos da marca, o Chrysler C300 entre 1955 e 1957 que inclusive se destacou em corridas na Nascar, vencendo metade das competições que participou. A série 300 continuou com as versões “D”, “E”, “F”… “L”, esta última até 1965.
A década de 1950 foi coroada pelo desenvolvimento do maravilhoso carro-conceito, o Chrysler Dart 1956 e o Dart Diablo em 1957. O Chrysler Dart Concept 1956 foi desenvolvido em túnel de vento e tido como um dos mais aerodinâmicos veículos da história. Projetado por Virgil Exner, designer-chefe da Chrysler Corporation e otimizado nos estúdios Ghia, tinha como base o Chrysler Imperial impulsionado por um motor Hemi 392 com 375 hp (380 cv).
O ano de 1958 ficou marcado por uma inovação mundial introduzida pela marca, ao disponibilizar nos seus modelos o controle automático de velocidade. No ano seguinte, em 1959, lançou um dos primeiros carros compactos nos Estados Unidos, o Plymouth Valiant. Em 1960, sempre inovando, a Chrysler desenvolveu a carroceria monobloco, conceito que seria aplicado a todos os carros da marca ao longo dos anos.
A marca Chrysler no Brasil
A Chrysler, durante a década de 1950, montava os veículos Dodge e Plymouth no Brasil em regime CKD, através do Grupo Brasmotor, sempre vislumbrando oportunidades para a expansão de seus negócios na América do Sul. Inclusive, é mérito da Chrysler a implantação do Volkswagen no Brasil, como conta o colunista do AE Alexander Gromow.
Demorou mas aconteceu quando em 15 de agosto de 1967 a Chrysler absorveu a francesa Simca e suas instalações em São Bernardo do Campo e, mais ainda, no final deste mesmo ano adquiriu a fábrica de caminhões International Harvester Máquinas S/A e suas instalações na cidade de Santo André.
Os veículos da Simca continuaram em produção porém com a forte ênfase de serem produzidos pela Chrysler. Na realidade, somente o Esplanada, último projeto da Simca, é que foi o início de tudo para a Chrysler do Brasil. Com grande investimento em qualidade visando identificar e corrigir os modos de falha do modelo, o Esplanada começou a cativar o público pouco a pouco, com forte ajuda da garantia de dois anos ou 36 mil quilômetros para o veículo. Com motor V-8 Emi-Sul de 2.414cm³ e 130 cv, o Esplanada tinha excelente aceleração, com velocidade máxima de 160 km/h.
Note-se que a Chrysler adotou um novo comando de válvulas que aumentou consideravelmente a potência em baixas rotações, melhorando a dirigibilidade e facilitando partidas em rampa. O conforto e a estabilidade eram pontos de destaque do Esplanada, com carroceria bem isolada acusticamente e passando qualidade percebida ao consumidor. No Salão do Automóvel de 1968 a Chrysler do Brasil apresentou o modelo 1969, incluindo sua versão esportivada, o GTX.
O GTX era dotado de câmbio de quatro marchas e alavanca no assoalho, conta-giros, volante esportivo Walrod, console central, bancos dianteiros individuais reclináveis, duas falsas entradas de ar no capô, teto de vinil, faixa preta pintada na parte inferior das portas acompanhando toda a lateral do carro, rodas mais largas com pneus radiais e faróis de longo alcance instalados no para-choque. Particularmente eu gosto muito do GTX e creio ser ele um dos ícones dentre os veículos já produzidos no Brasil.
Com forte trabalho e com grandes incentivos por parte do governo brasileiro, facilitando a importação das maquinas, equipamentos e componentes, em pouco tempo a fábrica de Santo André já estava produzindo a linha de caminhões Dodge, incluindo o seu motorzão V-8.
Já a fábrica de São Bernardo do Campo iniciava a produção-piloto do moderno Dodge Dart. Seu motor era o mesmo dos caminhões Dodge, o moderno e resistente V-8 318, 5,2 litros e 198 hp (potência bruta) que empurrava o veículo a mais de 180 km/h, fazendo o Dart o mais veloz carro brasileiro de produção em série até então.
E foi nesta época, em agosto de 1969, que comecei a trabalhar na Chrysler, mesmo ainda não sendo formado como engenheiro. Fui técnico de processos de produção na linha de montagem dos caminhões e também na linha de usinagem, montagem e teste de bancada do motor V-8. Após minha formatura fui promovido a engenheiro de Processos de Produção e fiquei até 1971, quando fui convidado a trabalhar na engenharia da Ford em seu Centro de Pesquisas em Rudge Ramos.
Preservando imagem de qualidade e durabilidade, a Chrysler do Brasil lançou outros vários modelos na plataforma do Dart, culminando no Charger que se tornou a imagem lendária da marca no Brasil por suas linhas e seu desempenho. Mesmo com a crise do petróleo em 1973 a Chrysler nunca abriu mão de seu supermotor V-8, cultuado em prosa e verso pela mídia e principalmente pelos consumidores, mantendo forte imagem de potência e durabilidade.
E veio o Dodge 1800, apresentado no VIII Salão do Automóvel em novembro de 1972, como modelo 1973. O “Dodginho” foi à versão brasileira do inglês Hillman Avenger com várias adaptações para o nosso mercado, principalmente no seu motor, que teve aumentada a cilindrada de 1500 para 1800 cm³ para compensar a baixa octanagem da gasolina brasileira de então. Oferecido somente na versão duas portas, teve seu desenho interior modificado em relação ao projeto original, revestimentos de porta, painel, volante de direção, manopla de câmbio, bancos, além das lanternas traseiras e da grade dianteira.
Com muitos problemas no lançamento, principalmente no trambulador do câmbio, o Dodge 1800 foi se firmando no mercado através melhorias contínuas de qualidade e mudou de nome no modelo 1976, passando para Dodge Polara, quando foi eleito o “Carro do Ano” pela revista Autoesporte. Até uma pequena perua quatro portas derivada do Dodginho foi idealizada pela engenharia da Chrysler, porém não viabilizada para produção. Em 1978 o Polara passou por facelift, com nova frente, faróis retangulares, novas lanternas traseiras e o brasão da marca na grade frontal. Em 1979 o Polara disponibilizou o câmbio automático de quatro marchas como opção ao manual, de quatro marchas também.
Em 1980 a Chrysler do Brasil lançou a última versão do Dodge Polara, a GLS, com vários itens de conforto e também tecnológicos, carburador de corpo duplo, sistema de ventilação com aquecedor, rádio/toca-fitas, antena elétrica e pneus radiais, entre outros. Nesta fase, a Chrysler do Brasil já pertencia à Volkswagen do Brasil e da Argentina, que a partir de 1981 encerrou a produção das linha Polara e Dart, deixando em produção somente os caminhões Dodge, que ficariam até 1983 com o início da produção dos novos caminhões Volkswagen.
Na Argentina, onde começou a ser produzido em 1973 pela Chrysler-Fevre na configuração original Hillman — quatro portas e motor 1.500-cm³ — mudou de nome para VW 1500 em 1982 e ficou em produção até 1991.
Desde 12 de outubro de 2014 a Chrysler é apenas uma marca da do Grupo FCA juntamente com a Fiat (Fiat Chrysler Automobiles), mas sua linha que compreende as marcas Jeep, Chrysler, Dodge e Ram Truck, continua forte e presente em mais de 120 países ao redor do mundo.
Com seus seis Centros Técnicos, suas 14 fábricas mundiais e uma rede com mais de 4.000 concessionárias, a Chrysler-marca continua sendo um paradoxo, fazendo veículos modernos e de qualidade, porém nunca saindo do seu terceiro lugar entre as Três Grandes nos Estados Unidos.
Encerro com uma homenagem à Chrysler, que se firmou com destaque nos seus projetos arrojados e em tecnologia ao longo dos anos.
CM