Termina o teste do Peugeot 208 Allure e não há motivo para não escancarar que foi um dos Testes de 30 Dias que mais prazer me deu. É certo que me diverti mais com a esportividade do Renault Sandero R.S. que o antecedeu, também é certo que o requinte do Volkswagen Jetta 2,0 TSI Highline deixou saudade e que em termos de conforto e espaço interno o Citroën C4 Picasso Intensive não teve rivais. Porém, usei o adjetivo “prazer” para o 208 e tenho de explicar de onde ele vem: do conjunto.
Do inegável talento da engenharia da marca francesa e seu empenho para oferecer um carro agradável de dirigir, competente no vai e vem urbano e eficaz se a missão for viajar; de funcionar bem carregado ao máximo e quando havia só o motorista; de ter mostrado pertencer a uma categoria especial, a dos carros que não têm preço exagerado mas oferece um nível de excelência — construtiva e dinâmica — que é um exemplo.
É perfeito? Não. Jamais direi, por princípio, que um veículo é perfeito, mas o 208 chegou perto. Melhorar os bancos dianteiros, dotar o encosto do banco traseiro de divisão 1/3-2/3, aumentar a potência dos faróis e, principalmente, revisar o trambulador do câmbio e seu curso exagerado, pontos nos quais é fácil fazer melhor e deixar o 208 próximo da perfeição. Há pontos adoráveis no hatch francês feito em Porto Real, RJ: o design externo é um ponto alto, inspirado e elegante. A luminosidade do interior oferecida pelo teto de vidro é deliciosa assim como a bem-estudada ergonomia no qual o destaque vai para o pequeno volante ovalado e o quadro de instrumentos que em vez de ser mirado através dele se vê por sobre o aro, algo inovador e que é funcional.
Porém, nada se compara ao motor, o 1.2 litro PureTech, um espetacular engenho de três cilindros, todo de alumínio, com 12 válvulas acionadas por dois comandos variáveis em admissão e escapamento, um portento em termos de elasticidade. Como citado logo no começo do teste, este motor exige um “reset” de hábitos, pois dá o melhor de si em baixas e médias rotações. A tocada deve ser passando as marchas o quanto antes, explorando o rombudo torque cujo pico ocorre a 2.750 rpm.
Impressiona mesmo essa sua pegada, que só evidencia sua relativamente pequena cilindrada — exatamente 1.197,3 cm³ — quando se leva o ponteiro do conta-giros às alturas, lá onde o fôlego não é igual ao dos médios regimes, mas que não frustra. Ninguém poderá chamar o 208 equipado com este 1,2 litro PureTech de carro chocho.
Não mesmo. Aliás, nesta semana final do teste resolvi passar da gasolina ao álcool em razão da marcante diferença de potência e torque divulgados na ficha técnica. São 84 cv com gasolina e 90 cv com álcool, sempre a 5.750 rpm. No torque, dos 12,2 m·kgf com gasolina a cifra passa a 13 m·kgf com o combustível vegetal às mesmas 2.750 rpm.
Senti a diferença? Sim. Especialmente em retomadas no uso rodoviário. Em velocidades ao redor dos 100 km/h afundar o pé em 5ª marcha com o carro abastecido com álcool resulta em uma resposta nitidamente melhor. Já no uso urbano, naquela toada de passar a marcha cedinho, pouca diferença se nota. Obviamente, o consumo se ressente: a melhor marca do 208 com gasolina, em rodovia, respeitando o limite dos 120 km/h, foi de 16,4 km/l. Já com álcool consegui 13,2 km/l, o que é notável ao se considerar a diferença de poder calorífico dos dois combustíveis (70% contra o álcool), o que em teoria corresponderia a 11,5 km/l.
Lembro que tais marcas foram obtidas para trechos de viagem de mais de 100 quilômetros de distância, ou seja, não é uma marca “de laboratório”, medida em trecho curtinho e plano, mas sim da vida como ela é. Na cidade a pior marca registrada com gasolina foi 8,4 km/l e com o álcool 6,6 km/l (teoricamente seria de 5,9 km/l), e nunca é demais frisar que o território do teste é acidentado, a zona oeste de São Paulo e não a plana Brasília onde certamente tais marcas seriam muito melhores, chuto pelo menos 20 a 25%.
Como de hábito nos nossos testes de longa duração a semana final prevê a visita à oficina de nosso colaborador Alberto Trivellato, a Suspentécnica. Ao observar o 208 externamente, a primeira manifestação dele é elogiosa, Alberto aponta detalhes cá e lá e determina que o pequeno Peugeot é caprichado, e elogiando a cor incomum e logo assume o volante. Ao ajustar as regulagens do banco estranhou o assento, que mesmo tendo controle de altura sempre resulta em um posicionamento afundado. No giro costumeiro elogiou bastante a reatividade da direção de assistência elétrica indexada à velocidade e principalmente as suspensões, hábeis em filtrar as irregularidades sem passar desconforto ao interior.
Palavras boas mereceram o empurrão oferecido pelo motor, mas quanto ao câmbio Alberto não economizou críticas, quase que indignado sobre o fato de o 208, um carro com tantas qualidades, ter uma lacuna neste importante item. Argumentei com ele, explicando que com o passar dos quilômetros o curso longo e meio bobão da alavanca acaba sendo digerido, mas ele não se convenceu. Tem razão: o Peugeot 208 é bom demais para ter um acionamento do câmbio aquém do restante do carro.
De volta à oficina, com o hatch francês no elevador, o nariz de Alberto e de seus colaboradores da oficina farejam uma construção atenta, que não foge ao padrão da marca mas que traz uma nítida evolução. Não houve revolução se considerados os Peugeot anteriores, mas sim evolução, o que é bom. Segundo Alberto, há cuidado na construção e também elementos modernos, como o conjunto elétrico da assistência de direção, de generosas dimensões.
Como em outro carro do Grupo PSA que passou pelo Teste de 30 Dias, o C4 Picasso, também o 208 não tem a proteção plástica completa sob o motor. Os encaixes para ela estão lá, mas segundo Alberto talvez a necessidade de oferecer ao compartimento do motor uma maior ventilação pesou mais do que a boa aerodinâmica inferior e a necessidade de manter a temperatura no cofre em níveis em que nosso país seria prejudicial. No entanto, apesar da falta da cobertura, o que se vê é uma parte inferior bem organizada, com as linhas de combustível e freio cobertas por capa plástica e o sistema de escapamento bem isolado por anteparos térmicos.
Na parte traseira, aponta-se para uma outra lacuna que julga ser exclusiva da versão nacional do 208, que é a falta de acabamento no para-choque traseiro que acaba funcionando como um paraquedas. A suposição é que o tal para-choque deva receber (em outras versões/mercados) uma alma interna de material absorvente tanto para ajudar a conter impactos como para não estragar a aerodinâmica inferior, sempre importante.
Ao final da sua análise, o Peugeot 208 ganha a aprovação, definido como bem-construído, bem projetado e sem invencionices. Soluções técnicas naturais da marca francesa estão ali, mas lapidadas. Nada de novo, mas tudo bem feito, ajustado, que é o que resultou no convívio prático destes 30 dias. Agradável no uso urbano, eficaz na estrada, confortável, moderno, bonito e soberbamente econômico — bateu o recorde do custo do quilômetro rodado que era do Toyota Etios, R$ 0,27 contra R$ 0,31! — o 208 merece ser considerado por quem procura um carro pequeno mas versátil, charmoso e com acabamento e materiais empregados que o fazem parecer pertencer à um patamar superior de preço.
RA
Teste de 30 dias – números finais
Dias: 30
Quilometragem total: 2.006 km
Distância na cidade: 922 km (46%)
Distância na estrada: 1.084 km (54%)
Consumo médio global: 11,7 km/l (70,8% gasolina/29,1% álcool)
Melhor média (gasolina): 16,4 km/l
Melhor média (álcool): 13,2 km/l
Pior média (gasolina): 8,4 km/l
Pior média (álcool): 6,6 km/l
Média horária: 33 km/h
Tempo ao volante: 60h47 minutos
Litros consumidos: 172,57
Custo: R$ 554,69
Custo do quilômetro rodado: R$ 0,28
Leia as semanas anteriores: 1ª semana, 2ª semana, 3ª semana
FICHA TÉCNICA PEUGEOT 208 ALLURE 1,2 | ||||
MOTOR | ||||
Denominação | PureTech 1,2 | |||
Tipo de motor, instalação | Otto, arrefecido a líquido, transversal, flex | |||
Material do bloco/cabeçote | Alumínio | |||
Nº de cilindros e disposição | Três, em linha | |||
Diâmetro x curso | 75 x 90,34 mm | |||
Cilindrada | 1.197,3 cm³ | |||
Comprimento da biela | 145,6 mm | |||
Relação r/l | 0,31 | |||
Taxa de compressão | 12,5:1 | |||
Nº de comandos/localização | Dois, cabeçote, variador de fase na admissão e escapamento | |||
Acionamento dos comandos | Correia dentada | |||
Válvulas por cilindro | Quatro | |||
Potência máxima | 84 cv (G) e 90 cv (A), a 5.750 rpm | |||
Torque máximo | 12,2 m·kgf (G) e 13 m·kgf (A), a 2.750 rpm | |||
Rotação limite | 6.500 rpm (corte “sujo”) | |||
Formação de mistura | Injeção no duto | |||
Combustível | Gasolina e/ou álcool | |||
SISTEMA ELÉTRICO | ||||
Tensão/bateria/alternador | 12 V / 60 A·h / 120 A | |||
TRANSMISSÃO | ||||
Rodas motrizes | Dianteiras | |||
Tipo | Transeixo manual de 5 marchas + ré | |||
Relações das marchas | 1ª 3,636:1; 2ª 1,950:1; 3ª 1,281:1; 4ª 0,975:1; 5ª 0,767:a; ré 3,330:1 | |||
Relação de diferencial | 4,692:1 | |||
Embreagem | Monodisco a seco, acionamento hidráulico | |||
SUSPENSÃO | ||||
Dianteira | Independente, McPherson, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora | |||
Traseira | Eixo de torção, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora integrada ao eixo | |||
DIREÇÃO | ||||
Tipo | Pinhão e cremalheira, assistência elétrica indexada à velocidade | |||
Relação de direção | n.d. | |||
Diâmetro do volante | 350 mm na horizontal e 330 mm na vertical | |||
Diâmetro mínimo de curva | 10,4 metros | |||
FREIOS | ||||
Dianteiros | Disco não ventilado Ø 266 mm | |||
Traseiros | Tambor Ø 203 mm | |||
Operação | Servoassistência a vácuo, ABS e EBD | |||
RODAS E PNEUS | ||||
Rodas | Alumínio, 6Jx15 | |||
Pneus | 195/60R15, de baixo atrito de rolamento | |||
CONSTRUÇÃO | ||||
Tipo | Monobloco em aço, hatchback 4-portas, 5 lugares; subchassi dianteiro | |||
AERODINÂMICA | ||||
Coeficiente de arrasto (Cx) | 0,33 | |||
Área frontal | 2,09 m² | |||
Área frontal corrigida | 0,69 m² | |||
DIMENSÕES EXTERNAS | ||||
Comprimento | 3.975 mm | |||
Largura | 1.702 mm | |||
Altura | 1.472 mm | |||
Distância entre eixos | 2.541 mm | |||
Bitola dianteira/traseira | 1.475/1.470 mm | |||
PESOS E CAPACIDADES | ||||
Peso em ordem de marcha | 1.073 kg | |||
Peso rebocável sem freio/com freio | 400 kg | |||
Capacidade do tanque | 55 litros | |||
Capacidade do porta-malas | 285 litros/com banco rebatido 1.076 litros | |||
DESEMPENHO | ||||
Aceleração 0-100 km/h | 14,3 s (G) e 12,8s (A) | |||
Velocidade máxima | 171 km/h (G) e 177 km/h (A) | |||
CONSUMO DE COMBUSTÍVEL (INMETRO/PBE) | ||||
Cidade | 15,1 km/l (G) e 10,9 km/l (A) | |||
Estrada | 16,9 km/l (G) e 11,7 km/l (A) | |||
CÁLCULOS DE CÂMBIO | ||||
V/1000 em 5ª | 31,3 km/h | |||
Rotação a 120 km/h em 5ª | 3.830 rpm | |||
Rotação à velocidade máxima em 5ª | 5.650 rpm | |||
Alcance nas marchas (6.500 rpm) | 1ª 42,9 km/h; 2ª 80 km/h; 3ª 121 km/h; 4ª 160 km/h |