Caros leitores, vocês já imaginaram como deve ser difícil ser jornalista na Islândia? Simplificando um pouco, fora a esparsa atividade do vulcão de nome impronunciável e talvez a abundância ou escassez de baleias, poucos assuntos tiram o sono dos islandeses e fazem a pauta dos meios de comunicação. Claro que teve a Eurocopa e a surpreendente classificação da seleção de futebol para as quartas de final, mas fora isso poucas coisas poderiam ser chamadas de “breaking news” por lá. Confesso que adoraria conhecer aquele país que parece extremamente interessante e bonito e ver como vivem calmamente, pois canso de tanta emoção abaixo dos trópicos. Toda hora temos alguma notícia bombástica — e por ‘toda hora’ sou literal. Devem ser umas 24 por dia mesmo.
E não me refiro à política, segmento no qual chegamos a ter três presidentes da República num mesmo dia, impeachment presidencial, cassação do presidente da Câmara dos Deputados, processos diversos contra as principais autoridades e ex-autoridades do país e por aí vai, em apenas alguns meses. Menciono especificamente questões de autoentusiasmo.
A mais recente novidade é uma medida que pretende proibir o uso de aplicativos de trânsito como o Waze — notem que jamais uso a expressão “a última”, pois tenho certeza de que sempre haverá mais. Quando vi essa notícia chequei várias vezes a data para ver se era algum tipo de pegadinha. E aqui vai um parêntese curioso/cultural: a imprensa britânica é pródiga em pregar peças nos leitores no dia 1º. de abril, o Dia da Mentira. Mas eles são realmente profissionais e de tão bem feitas sempre pegam alguns incautos. Lembro que em todos meus anos de jornal entrávamos em pânico perto dessa data, pois nunca sabíamos quando poderíamos ser vítimas de uma brincadeira de uma agência de notícias.
Aqui no Brasil é emblemático o caso do texto sobre o “Boi-mate” que a revista Veja veiculou muitos anos atrás. Eles mantinham um acordo de publicação com meios britânicos e traduziram e editaram um texto que falava num incrível desenvolvimento genético de células de boi com tomate, que permitiria a produção de um hambúrguer pronto, já com tomate. Dito assim parece óbvio que tinha alguma treta, mas o texto era um primor e havia sido divulgado por um meio de comunicação de primeira linha. Depois de saber da história, que passou a ser provavelmente a maior “barriga” (texto errado ou falso, no jargão jornalístico) da Veja, percebem-se as sutilezas. A pesquisa havia sido desenvolvida na Universidade de Hamburgo (hambúrguer?) pelo professor McDonald e outros detalhes extremamente finos, típico do brilhante humor inglês. Mas voltando à vaca fria — atomatada, não — a notícia brasileira realmente procede.
A Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados aprovou há umas duas semanas um projeto de autoria do deputado Major Fábio (PROS-PB) que pretende proibir o uso de aplicativos e redes sociais que alertem motoristas sobre a ocorrência de blitze no trânsito. O Projeto de Lei nº 5.596 de 2013 quer alterar o Código de Trânsito Brasileiro e classificar como infração o ato de conduzir veículo com dispositivo, aplicativo ou ou qualquer tipo de funcionalidade que identifique radares ou blitze no caminho. E ainda pretende exigir de redes sociais (o eufemismo para chamar o Facebook e o Twitter) que retirem do ar postagens de usuários com avisos sobre ações da polícia em todo o território nacional, mediante ordem judicial. E, claro, tem arrecadação prevista para isso, pois é a forma mais fácil de convencer os legisladores a aprovarem: R$ 50.000 de multa a serem pagos pelas empresas e pelos usuários que descumprirem as medidas.
O trâmite agora segue para a Comissão de Viação e Transporte e para a Comissão de Constituição e Justiça. Se eu acho que isso pode ser aprovado? Em princípio não, pois há vários pontos falhos no projeto que deixou de considerar dados apresentados em audiência pública e, por óbvio, causaria inúmeros prejuízos aos usuários, além de não resolver a questão das blitze. Mas quem aposta nisso? Eu não coloco nem uma nota do Banco Imobiliário nisso, pois tenho a convicção de que qualquer coisa pode acontecer. Até mesmo ser aprovada por descuido. Se vier a acontecer, um aplicativo para desviar do trânsito, como mostra a foto de abertura, pode virar infração.
Empresas como o Waze não se manifestaram oficialmente e fico pensando como funcionam nesses casos. Eu mesma trabalhei em diversas multinacionais de várias origens e lembro dos perrengues que passava para explicar coisas deste tipo para a matriz. Várias vezes fui questionada em mais de um idioma, pois meu interlocutor chegou a pensar que eu estava utilizando a palavra errada.
Lembro que logo depois do Plano Collor, viajando aos Estados Unidos com meu marido, ele a trabalho, eu de folga, jantamos com um americano com o qual minha cara-metade negociava um acordo comercial muito importante. E ele fazia muitas perguntas sobre o plano econômico. Eu, claro, desandei a dar minhas explicações jornalísticas de quem sempre trabalhou em Economia e Negócios. A cara de estupefação do Bill era tão inacreditável que eu parei e perguntei se ele estava entendendo meu inglês. Resposta: seu domínio do inglês é perfeito. Eu é que não entendo como um governo pode ter feito algo assim. Bom, caro Bill, nem nós… E cá, entre nós, usei sei lá quantas palavras para traduzir “confisco”.
Mas é claro que prudência nas declarações é uma boa saída para os aplicativos e as redes sociais nestas horas. Certamente estão se mexendo nos bastidores e também acredito que os usuários deverão reclamar, mas não raro ficamos sabendo desses trâmites depois que tudo foi aprovado.
Muitas vezes tenho a impressão de que parte dos legisladores não sabe como funciona o mundo real. Outras vezes tenho certeza absoluta. Será que quem propôs esse projeto não pensou que o Waze é muitíssimo mais utilizado para desviar do trânsito do que de blitze? Assim como as redes sociais? Ou como funcionam essas empresas, confidencialidade e coisas desse tipo? E, evidentemente, não imaginam como é para um simples mortal ganhar tempo no trânsito com um caminho mais rápido — afinal, o Brasil é um dos raríssimos lugares onde legisladores têm direito a carro oficial com motorista.
Mudando de assunto: : Voltando ao tema de que estatísticas sob tortura confessam qualquer coisa, as autoridades brasileiras fizeram um balanço muito peculiar sobre as Olimpíadas. Inicialmente, as previsões eram de que o Brasil ficaria entre os 10 primeiros países em termos de medalhas e que alcançaria 27 pódios. Conforme foram terminando as provas e as chances de medalha desapareciam, foram refazendo as projeções para baixo. O País terminou com 19 medalhas em 13º. lugar pelo critério mundialmente utilizado (inclusive pelo Brasil durante todos os jogos) de ponderação entre ouro, prata e bronze. Pois bem, no balanço feito pelas autoridades a meta foi “praticamente alcançada, pois ficamos a apenas três medalhas da meta, em 12º. lugar”. Como assim? A Austrália, que ficou em 1º. lugar, obteve 29 medalhas! Subitamente, o peso das medalhas não importava e sim apenas o total delas – como a Holanda obteve 19 medalhas no total, teríamos empatado com eles, apesar de o total ter sido de 8 ouros para os Países Baixos (7 Brasil), 7 pratas (6 Brasil), e 4 bronzes (6 Brasil). Mas eles não usaram o mesmo critério de medalhas totais para comparar com outros países. Se assim fosse, o Canadá estaria na nossa frente, com 22 medalhas e a Nova Zelândia estaria logo atrás de nós, com 18 pódios e o Cazaquistão com 17. E a meta de 27 medalhas? Ora, Matemática também não deve ser uma ciência exata.
NG