Minha história desta semana é sobre um fato ocorrido comigo em 1976, no Rio de Janeiro.
Era uma época onde o maior número de furtos era de toca-fitas, você se lembra desta “febre”? Aqui em São Paulo também houve, ou melhor, no Brasil inteiro.
Eu trabalhava no Escritório Regional da VW no Rio de Janeiro e entre as minhas atividades estava o atendimento a clientes em caso de problemas técnicos de difícil solução. Um deles, muito satisfeito por eu ter resolvido um problema desses do seu carro, me presenteou com algo que a princípio eu pensei: O que é que eu vou fazer com isto?
A história de hoje é uma consequência deste presente, um gravador portátil (foto) para uso amador que, com sua ponta de cristal, gravaria em vidros, ferro, alumínio e outros materiais. Era um excelente brinquedo.
Pensando com meus botões, achei uma boa utilidade para aquele gravador. Tinha acabado de comprar para minha esposa um Passat TS 1976 zero-km, preto, aquele com os quatro faróis circulares e este carro vinha com um excelente equipamento de som, um belo toca-fitas para a época.
Pensei, vou atrapalhar a vida de um ladrão de toca-fitas se eu for roubado. Providenciei a remoção do equipamento e o levei até meu apartamento.
Treinei em um pedaço de chapa como utilizar o gravador e a cada palavra que gravava, melhor a qualidade ficava. Estava pronto, já poderia fazer o que havia pensado.
Toca-fitas sobre a mesa, gravador à mão e vamos lá! Gravei em duas partes fixas da carcaça do toca-fitas a seguinte informação: “Este toca-fitas pertence a Ronaldo Berg, telefone tal“. Pronto, a minha resposta e indignação caso fosse roubado estava anunciada, o ladrão nada poderia fazer com aquele equipamento, uma vez que estava declarado, escrito, que ele não era o dono, portanto era roubado.
Recoloquei o toca-fitas no carro e vivemos felizes até certa manhã quando, por volta das 7h00, o telefone em casa tocou.
— Bom dia — era uma voz masculina —, gostaria de falar com Sr. Ronaldo Berg, ele está?
— Ronaldo falando, desculpe, mas estava dormindo. Em que posso ajudá-lo?
— Acredito que nós é que podemos ajudar o senhor, estou com um toca-fitas em mãos com os seguintes dizeres…” — ele leu exatamente o que eu havia gravado — Sou da 15ª Delegacia Policial aqui na Gávea e peço ao senhor que venha até aqui para fazer o reconhecimento do toca-fitas.
Pedi-lhe que aguardasse um instante, pois eu não sabia que tinha sido roubado, mas iria até à garagem para confirmar.
Sinceramente pensei que fosse trote e quando voltei para o apartamento o tal senhor havia desligado o telefone, até entendo porquê. Liguei de volta para a delegacia da Gávea, consegui localizar o mesmo senhor e lhe disse que em poucos minutos estaria lá para falar com ele.
Realmente, tinha sido roubado, o Passat TS preto estava com o para-brisa deitado sobre o capô, o malandro não abriu as portas porque poderia ter alarme (e tinha) e levou o toca-fitas mais o console por este singular método de invasão, num tempo que os para-brisas ainda não eram colados, mas encaixados na guarnição de borracha e esta, na carroceria.
Como o carro-vítima não estava em condições de rodar, peguei o meu carro de serviço da VW, também um Passat TS 1976, só que na cor verde (atenção para este detalhe superimportante na história daqui para frente).
Cheguei à delegacia e fui gentilmente atendido pelo delegado de plantão que, por coincidência estava à porta do prédio na rua Major Rubens Vaz. Estacionei meu Passat TS verde bem à sua frente e entramos.
O toca-fitas estava sobre a sua mesa e falamos sobre a ideia da gravação que eu havia feito, o que na realidade foi a ferramenta de recuperação do equipamento. Por trás do vidro pude ver quem tinha cometido aquele delito. Reconheci-o logo: ele era o flanelinha que ficava à porta do restaurante La Mole, na rua Dias Ferreira, no Leblon, que eu frequentava muito.
A pergunta mais importante é claro que não podia deixar de lhe ser feita: “Como foi que vocês chegaram ao meu toca-fitas?”
Explicaram-me que um síndico, vendo um estranho dormindo na garagem o prédio, chamou a polícia (eram 5 da manhã) para uma verificação, e ao acordarem o cidadão que ali dormia viram com ele um saco de roupas e outros objetos, entre eles um toca-fitas e um console completo, material que pertencia ao carro da minha esposa. Identificado o escrito/gravado no toca-fitas e o ladrão, não se chamando Ronaldo Berg, foi preso em flagrante com todo material do furto.
O delegado explicou-me os procedimentos que teriam que ser cumpridos durante o dia e me pediu para que retornasse à tarde para receber o material recuperado — eu, que sequer sabia que tinha sido roubado e muito menos que o material já havia sido recuperado.
À tarde, conforme combinado, voltei à delegacia para receber meu console e toca-fitas quando o delegado disse: “Precisamos conversar.”
Pensei o pior, lógico, algo como uma recompensa pela recuperação do material etc… Nada disso, veja a história maluca que vem agora.
O Dr. delegado me perguntou qual a cor do carro de onde tinha sido retirado o toca-fitas e o console. Disse-lhe que era preto.
O ladrão, quando interrogado, foi perguntado de que carro ele havia subtraído aquele material e ele disse ser de um Passat preto em uma garagem. Até aí tudo batia, o carro era preto e o ladrão informava que tinha tirado o material de um carro preto.
O delegado e seus “assistentes” pressionaram durante todo o dia o “coitado” do ladrão porque diziam que o roubo tinha sido de um Passat verde — aquele carro que viram pela manhã quando fui fazer o reconhecimento das peças apreendidas.
A afirmação do delegado era: “Se ele roubou de um carro preto e o Sr. esteve aqui pela manhã com um carro verde, esta faltando um toca-fitas. Onde está ele?”
A linha de raciocínio do delegado e de seus assistentes não estava errada e tampouco estava a afirmação do ladrão, que dizia só ter roubado um, e que sobre um carro verde ele não sabia de nada!
Esclarecida a confusão gerada pelos dois modelos de carros serem iguais e a dedução lógica do delegado de que deveria ter havido mais um furto, só trouxe danos físicos ao coitado do ladrão… de quem tive até pena ao final da história.
Uma coisa é certa, o meliante já era conhecido do pessoal da delegacia. Só foi forçado a confessar algo que não fez porque pela ficha policial, que tive oportunidade de ver, muitos outros toca-fitas já tinham sido furtados por ele.
Não se consegue confissão desta forma, não se deve fazer justiça com as próprias mãos, mas que às vezes dá vontade, dá mesmo.
O final desta história para mim foi feliz, equipamento reinstalado, para-brisas no lugar, tudo funcionando, até os três instrumentos do console — bem, e algumas medidas corretivas no condomínio para tornar a garagem menos vulnerável.
E eu não podia deixar de agradecer aos policiais que tomaram conta deste caso e ao meu cliente que me presenteou com algo que foi de tanta utilidade — que tenho até hoje guardado na sua caixa passados 40 anos.
RB