Gosto de câmbio manual. Não desgosto dos carros automáticos ou robotizados, porém, espere aí, quando se entra na seara dos esportivos a minha prerrogativa é ter câmbio manual. Por exemplo: a primeira coisa que vou olhar quando me deparo com um antigo Corvette Stingray é a alavanca de câmbio. Se é automático, pronto!, desanimo no ato. Viro as costas e vou ver outra coisa, pois perco o interesse no carro, por mais belo e/ou potente que seja. Saio resmungando e rangendo os dentes, dizendo algo como: “Droga! Droga! Droga! Ferraram com o carro!”.
Sou assim e boa. Gosto de câmbio automático, mas para pegar trânsito. Quando é para passear, viajar, curtir o carro, por favor, traga a máquina aqui para perto de mim. Traga as engrenagens do câmbio para aqui, que quero senti-las na minha mão. E deixe que eu, com o pé esquerdo, as acople e desacople à força do motor. Deixe comigo que eu cuido direitinho. As trocas saem macias, suaves, sejam elas feitas devagar ou rapidamente, subindo ou descendo marcha, e nem me passa pela cabeça em quantos milissegundos as trocas saem mais lentas que a desses automáticos modernos aí. Deixem comigo porque esse é um de meus prazeres. Faz parte da minha conversa com o carro e não quero intromissões; sapo de fora não chia. Peço encarecidamente que não me privem disso.
Há pouco tive o privilégio de ter um Audi TTS roadster por uns dias. Um espetáculo de esportivo. Tanto gosto dele que é o meu modelo preferido da marca. Câmbio robotizado simplesmente show; faz tudo direito e rápido. Absolutamente nada a criticar. Porém, o problema é que para o Brasil não importam o modelo com câmbio manual, isso porque dizem que não vende. Não vende porque, uma: o cliente quer o robotizado, duas: o cliente pode querer o manual, porém teme ter dificuldade para revendê-lo. E assim é com a grande maioria dos esportivos, inclusive o Corvette.
O resultado é que há anos não pego um esportivo moderno com câmbio manual. Por exemplo, há dois anos e meio, em Interlagos, fui dirigir quase todos os modelos da Jaguar, inclusive alguns esportivos F-type V-6 e V-8. Bom, nenhum tinha câmbio manual. Dirigi com prazer, porém com um nozinho na garganta, um nozinho de ansiedade pelo prazer que teria, caso tivesse uma alavanca e um pedal de embreagem para fazer eu mesmo as trocas de marcha, eu mesmo elevando o giro com a lateral do pé direito, que freia, para fazer suaves punta-taccos.
Meses depois li a notícia que a Jaguar lançara lá fora o F-type com câmbio manual, isso porque, segundo eles, apesar de representar percentual pequeno de vendas, eles simplesmente tinham que tê-lo no catálogo. Ah! O modelo escolhido pela Jaguar para ter o câmbio manual foi o V-6, que, por sinal, apesar de acelerar menos que o V-8, pela suavidade do motor e seu som, que combinam melhor com o carro, foi o meu preferido.
A gota d’água foi um vídeo que vi no Youtube, onde o piloto Paul Brown testa um Ferrari 512F na pista de Fontana, EUA. Aquele som do V-12 berrando, aquelas belas trocas de marchas feitas, aquelas marchas próximas umas das outras, essa harmonia entre piloto e máquina entornou meu caldo. Falei para mim mesmo: “Chega! Tenho que pegar um esportivo com câmbio manual e motor aspirado!.”
Daí que foi inevitável lembrar do Sandero R.S.. Ele tem um boníssimo câmbio manual. Solicitei um para este mês meio estranho, muita gente de férias, mesmo já tendo testado o R.S. várias vezes. Queria saboreá-lo de novo. São seis marchas e todas próximas numericamente umas das outras, daí que o prazer de empilhar marchas que ele proporciona é inigualável dentre os carros nacionais. A 6ª é de potência, ou seja, sua velocidade máxima é em 6ª. Então você vai metendo marcha atrás de marcha e de uma para outra pouco o giro cai. A marcha mais alta já entra em plena força, empurrando para valer, sem perda do ritmo de aceleração, daí é aquele tal de “páá!,páá!, páá!, páá!” como deve ser num bom carro de corrida. Isso é roots, meu amigo! Isso é raiz, sangue puro de esportivo! Assim também é o Toyota GT86, mesma coisa, mesmo prazer. Nada de borboletas e sim uma boa alavanquinha de câmbio com um comando a cabo dando movimentos justos, curtos e precisos, clóc, clóc, clóc.
O incauto que reclamar da 6ª marcha do R.S., dizendo-a curta, que o giro fica muito alto na estrada, é porque não sabe como é para ser esse tipo de esportivo. É tradição. Os Alfa Romeo, por exemplo, são assim, desde os antigos aos mais novos, como o 145 e 156. Poderia citar mais um monte de esportivos assim. Está, portanto, perfeito, o escalonamento das marchas. É assim que tem que ser. A Renault Sport fez direitinho.
Ela, afinal, sabe bem o que faz. Além do mais, o giro um pouco alto na estrada (3.500 rpm a 120 km/h) não incomoda nem um pouco, mesmo porque 120 ou 130 km/h não é nada para um carro que atinge 202 km/h, já que isso é só 60 % de sua máxima.
Peguei várias vezes a Rio-Santos no trecho do Litoral Norte, e quem já passou por ali sabe bem que o que não falta é lombada. E quer saber? Dessa vez não as lamentei, pois além dele passar muito bem por elas, nunca raspando nada, cada uma significava outra daquelas aceleradas gostosas empilhando um monte de marchas. Isso afina o nosso sangue, nos incha as veias e traz alegria da boa. Por sinal, nada como um esportivo nos esperando para viajar. Ele transforma o que pode ser a expectativa de uma chatice em algo que ansiamos.
Que me desculpem os outros carros. Que me desculpem os carros familiares. Que me desculpem as suves e as picapes de cabine dupla, mas que coisa mais sem graça que é viajar com vocês! Tudo bem que ofereçam conforto e comodidades que nem em casa tenho. Mas, esperem aí! Silêncio, boa poltrona, ar fresco circulando e direcionando frescores cá e acolá, inclusive até uns que brotam por debaixo dos nossos fundilhos e que funcionam muito bem; essas coisas são realmente muito cômodas para todos, ou quase todos.
Nossas esposas, por exemplo, adoram, já que mulher quer é viajar no sossego e conforto, e de preferência quer que dirijamos como um comportado e obediente motorista James que só diz “Sim, madame”, “Deixo a senhora na porta da loja e ficarei dando voltas ao quarteirão até que me chame”, “Que horas devo buscar sua tia para que a levemos ao médico?”. Mulher é um ser diferente e muito estranho. Nossas características que lhes despertaram atração — como masculinidade, impetuosidade, independência, ânsia pela liberdade, esportividade etc., aos poucos passam a ser vistas como defeitos, pois são justamente essas características que podem pôr em perigo o que elas mais prezam, que é ter pleno e incontestável controle da família.
Então fica aquela luta entre os desejos do homem, que anseia por um carro esportivo — já que ele, oferecendo emoções fortes, aplaca seus anseios masculinos —, e a objetividade e persistência feminina. Adivinhe quem vence?
O R.S. freia feito uma mula assustada com cascavel no caminho. Bem-vindos são os bancos esportivos, que além dos ressaltos das laterais, que nos seguram nas curvas, têm um ressalto na sua dobra dianteira, e ela nos segura as pernas nas freadas fortes, evitando que escorreguemos para frente. Hoje, com o uso de cintos de segurança, escorregar para frente só incomoda pela consequente apertada na barriga que a parte subabdominal do cinto nos dá, mas antigamente, antes do uso do cinto, era muito comum os hot rods terem um tremendo ressalto justamente para não irmos parar debaixo do volante numa freada mais bruta.
O R.S. tem freios a disco nas quatro, com os dianteiros ventilados. Freios que não somem por superaquecimento, não perdem eficiência. Freia equilibradamente, bem agarrado e com pouco afocinhamento dianteiro. Portanto, não tente frear atrás de um desses, pois é provável que dê chapuletada na sua traseira. Poucos carros freiam tão bem ou melhor.
A estabilidade direcional é excelente. Pouco se importa com ventos laterais. Segue reto como uma flecha mesmo em alta velocidade. Muda de faixa de modo instantâneo. Muda e já “cai” estável, sólido, impassível, na outra faixa. Por essas e outras deve ser o carro nacional de melhor segurança ativa, pois acelera muito bem (0 a 100 km/h em 8 segundos), e seus freios e estabilidade talvez sejam os melhores.
Curvas… Ah! Benditas e bem-vindas curvas! O volante – diâmetro de 370 mm, de bom tamanho, empunhadura e peso (é um pouco mais pesado que o usual) – é rápido, bem rápido, e o carro segue colado ao chão como se imantado, então é traçar o caminho que o R.S. o seguirá à risca, seja em alta ou baixa velocidade. Para quem gosta de curvas é um prato cheio e saboroso. Não se enjoa delas. Quem enjoa é quem vai ao lado…
Outra coisa que me atrai no R.S. é seu despojamento. Consegue ter tudo e mesmo assim se mantém despojado. O que é esse tudo? Bom ar-condicionado, controle de velocidade cruzeiro, limitador de velocidade, bom som, multimídia farta etc. Não é um esportivo luxuoso e nem pretende sê-lo. Como particularmente meu couro dispensa luxos, e como acho que excessivo é um sabão que facilmente pode nos escorregar para o brega, os evito.
Outra coisa que me atrai nele é a relação custo-benefício: prazer de guiar, que me parece ser a melhor do mercado. Seu preço sugerido começa em R$ 62.500 e seu único opcional são as rodas de aro 17, já que as aro 16, tais quais as do GT Line, são as de série. Este tinha as 17 e gostei.
AK