Tempos de escola primária, aquela hoje em dia conhecida como “de primeiro grau”, e a professora apresenta um texto com o título acima. Foi uma boa oportunidade para apresentar a um público infantil o quanto é importante dedicar atenção ao que acontece no presente que nos envolve e refletir sobre o futuro que nos envolverá. Uma aplicação prática disto é a atual situação do automobilismo esportivo dentro e for a de nossas fronteiras: nunca se vendeu tantos automóveis quanto hoje, nunca o esporte definhou como agora. Esqueça a já combalida parábola do copo meio-cheio-meio-vazio: mais pessoas conduzindo automóveis deveria significar um aumento, ainda que nominal, de gente praticando o automobilismo. Nem mesmo o excesso de categorias chega a amenizar tal encolhimento de mercado.
Semana passada houve mais um encontro dos cartolas da FIA, a Federação Internacional do Automóvel. O clima alegre e descontraído de Munique — cidade bávara que muita gente celebra como a mais italiana da Alemanha e outros mais numerosos ainda lembram como casa da BMW —, ajudou a entidade a lançar propostas, ainda que mais ou menos informais, que possam reverter tendências que impedem o crescimento do esporte ao mesmo ritmo do que crescem a tecnologia embarcada no automóveis em circulação. Custos cada vez mais altos para quem começar a competir, identificação e formação de ídolos e o impacto dos games eletrônicos foram alguns pontos levantados.
O mais curioso é que essas propostas não foram apresentadas pelos presidentes dos clubes e organismos que representam a FIA em seus respectivos países, entre eles a Confederação Brasileira de Automobilismo. Muitos dos presidentes, os que votam nas assembleias para decidir possíveis mudanças, não raramente desperdiçam a oportunidade para exercitar seu poder, algo que acontece por motivos tão simples quanto conveniência ou, pasme, não se comunicar em outro idioma… Este ano o Brasil foi representado oficialmente pelo presidente da CBA Cleyton Pinteiro e pelo piloto Felipe Giaffone, ex-integrante da Comissão Nacional de Kart e que, de acordo com o site da entidade, atualmente não ocupa nenhum cargo. Emerson Fittipaldi também esteve presente no congresso, porém seu envolvimento está mais próximo da campanha de segurança viária da FIA.
Quem fez as colocações mais pertinentes à atual situação do automobilismo internacional foram dois ex-pilotos e um empresário outrora ligado a partidos políticos da direita européia. Os pilotos em questão foram o italiano Emanuele Pirro (com passagem pela F-1 e cinco vitórias na classificação geral em Le Mans) e o indiano Karun Chandhok, que este ano vai representar seu país no Campeonato de Fórmula E. A inédita categoria, cujo campeonato começa dia 19 de setembro em Pequim, é presidida por Alejandro Agag, o empresário já mencionado. Pirro foi, de longe, o mais incisivo ao se posicionar:
Emanuele Pirro (Audi.com) |
“Eu não vejo como alguém consegue se identificar com um piloto que aparece limpinho e perfumado após uma corrida e não passa a impressão que batalhou durante a corrida.”
Chandhok, que será parceiro de Bruno Senna na equipe Mahindra, mencionou que o alto custo inicial para começar a praticar o esporte e a falta de infraestrutura em países emergentes são obstáculos que devem ser considerados para trazer novos fãs. Já Agag, que desponta como um
Chandhok e Senna (Mahindra.com) |
“Na estruturação da F-E estudamos a fundo o comportamento dos jovens e vamos inclusive adotar um sistema onde, através da internet, os fãs poderão votar para o piloto que poderá usar potência extra durante um certo momento da prova, algo inspirado no game Super Mario.”
Alejandro Agag (F-E Championship) |
Por mais paradoxal que tal conceito possa parecer, a internet chegou para ficar no esporte a motor. A Nissan desenvolve um programa, o Nissan GT Academy, onde o inglês Jann Mardenborough saiu vencedor entre cinco finalistas escolhidos em provas de… video game. Christian Fittipaldi, há muito radicado nos Estados Unidos, certo dia comentou comigo que um dos maiores problemas para atrair os jovens a praticar o automobilismo é que “eles não querem curtir a mesma coisa por mais de meia hora”, opinião que tem uma boa dose de conteúdo.
Jann Mardenborough (Nissan GT Academy) |
Há também quem diga que o atual declínio de espectadores é consequência pura e simples do domínio exercido pela Mercedes: é fácil identificar a recorrência de situações similares: Red Bull (no período 2010/2013), Ferrari (2000/4), McLaren (1984/91, com exceção de 1986, quando triunfaram Williams e Nelson Piquet) e outros períodos menos acachapantes ainda frescos na memória de quem segue a F-1. A circunstância que se apresenta como mais crítica desta vez não diz respeito unicamente à superioridade de A, B ou M: o que preocupa é o aumento absurdo de custos que se soma à diminuição brutal de novos espectadores. Em ambos os casos tendências há muito detectadas e ignoradas.
Bernie Ecclestone (F1.Com) |
Décadas atrás, quando ainda escrevia no jornal O Estado de S. Paulo, publiquei que a política mercadológica de Bernie Ecclestone era tornar o seu produto dada vez mais exclusivo, numa equação que elevaria o desejo mundano de desfrutá-lo e, conseqüentemente, vendê-lo mais caro. Isso funcionou por um bom tempo, mas o ciclo acabou e já ouvi de diretores de marketing que a relação custo-benefício de um camarote no paddock club não se justifica com os negócios gerados durante a oportunidade de interagir com clientes potenciais.
No caixa das equipes a situação não é muito melhor. A McLaren — até pouco tempo atrás a equipe que possuía o melhor departamento de marketing da F-1 —, está sem patrocinador principal nesta temporada e Ron Dennis já deixou claro que o salário de Jenson Button exige que ele consiga melhores resultados. Excetuando-se Mercedes, Ferrari e Red Bull, todas as demais escuderias não podem ser consideradas sadias em termos financeiros. Pior: Lotus e Sauber estão próximas de um ataque cardíaco, a Marussia só sobrevive porque o pai de Max Chilton está bancando a carreira do filho e a Caterham deve trocar de mãos em questão de horas.
Caterham, sem sucesso, troca de mãos (Caterham F1) |
Entre os fabricantes de motores, a Renault vê seu departamento Renault Sport envolto em boatos de que poderá ser vendido ou, muito pior, liquidado, algo que encaro com alguma reserva…
WG
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Nota: a coluna “Conversa de pista” foi publicada excepcionalmente nesta quarta-feira. Na semana que vem voltará ao seu dia habitual, terça-feira.