O plano original: com um 4×4, Amarok ou Tiguan, fazer uma avaliação com muita estrada de terra (e lama, se possível), rodando de São Paulo ao sul da Bahia, ide e volta, percorrendo qualquer coisa como 4 mil quilômetros em 15 dias. O plano possível: ir até as cidades históricas de Minas Gerais, rodar 2 mil quilômetros se tanto e reduzir o tempo de viagem a menos de uma semana.
Elegância no desenho e produção esmerada na VW argentina
Planos são assim, mudam ao sabor do vento, e ao adiar meu “projeto 4×4”, me vi aceitando a cortesia da Volkswagen, sob a forma de um SpaceCross 1,6, assumindo não realizar avaliação nenhuma nesses parcos dias de férias.
Arquiavaliado aqui no Ae — pensei eu — este carro que já tem alguns bons anos de mercado (e que em breve, presumo, receberá o novo motor 1,6 da família EA211 que já equipa o Gol Rallye e a Saveiro Cross) não justificaria mais pitacos. Portanto, eu nada teria a acrescentar sobre o modelo. Isso era o que eu pensava, mais um plano para ser mudado, mas não ao sabor do vento, mas sim com o passar dos quilômetros.
Proporções corretas para 4.187 mm de
comprimento e 2.469 mm de distância entre eixos
Largada em São Paulo, três a bordo, porta-malas cheio. Acostumado a viajar com carros maiores, a primeira boa impressão veio da capacidade do porta-malas, e a segunda do OK das exigentes companheiras de viagem. A pré-adolescente gostou das mesinhas com furo para copo que habitam a parte de trás dos encostos do banco dianteiro. Já a senhora ao meu lado gostou de ver o sistema de som com porta USB para fazer rodar a discoteca pessoal do celular, e de quebra recarregá-lo. O motorista, eu mesmo, gostou do banco. Nada de couro, nada de sofisticação, apenas uma boa conformação, espuma de densidade correta e possibilidade de ajustes sem miséria, inclusive do volante, em distância e altura, como deve ser. E falando em volante, comandos do som e do fornido sistema de informação — computador de bordo & cia.—literalmente à mão.
Direção rápida, relação 15,7:1, 2,9 voltas entre batentes
Fernão Dias, rumo norte, uma estrada que não faz parte de meus roteiros há décadas. De fato, a memória era ainda a da fase com pista simples em boa parte. Passados os primeiros 100 km, SpaceCross agradando. Entre tudo, o que mais destacou-se foi a frugalidade do motor 1,6-litro, codinome EA111, quase uma lenda mecânica da indústria automobilística nacional, produzido na fábrica de motores da VW em São Carlos desde 1997. De acordo com o razoavelmente preciso computador de bordo, mais de 13 km/l de gasolina para um trecho pleno de sobes e desces, curvas, e sem cuidado nenhum com o uso do acelerador me pareceram bons, muito bons na verdade.
O venerável EA111 de 1,6 litro, em fim de carreira
Quanto à animação da cavalaria, bem… não exatamente animada! (Mal) acostumado a viajar com “carruagens” de 200 cv ou mais, o esforçado motorzinho de 101 cv (com gasolina) do SpaceCross me incentivava a um uso diligente do câmbio para não deixar a peteca cair, aliás câmbio este que é uma beleza em termos de precisão de engates e escalonamento.
“Discão” ventilado de Ø 280 mm, boa potência de frenagem
Viagem que segue, intimidade crescendo, o belo asfalto da rodovia, a quantidade de curvas de raios tão variados em aclive e declive acordou o piloto que mora em todos nós, autoentusiastas, e até o puxão de orelha da senhora ao lado — “está muito animadinho, né? Vai mais devagar, não temos pressa nenhuma!” — me deu a chance de entender algo do SpaceCross. Alguns centímetros mais alto que um SpaceFox, com bitolas também mais parrudas, este Volkswagen fabricado na Argentina aceita sem grande sofrimento uma tocada mais, digamos, alegre, mas não sem mostrar óbvios limites: a carroceria, estreita e alta, “rola”, inclinando-se sem exagero mas de modo nítido, limiar do incômodo. Os pneus, parrudos 205/55R15, transmitem ótima sensação. Porém, para meu gosto, o acerto de suspensão poderia ser um tico mais rijo, especialmente o da traseira. Com porta-malas cheio a sensação foi de que faltou um pouco de constante elástica (N/mm) na molas, mas bem pouco mesmo, para poder desfrutar melhor o rigor da precisa e bem-ajustada suspensão dianteira, que faz par com uma direção com assistência hidráulica exata no peso e na capacidade de passar às mãos o que acontece com os pneus.
Compartimento de bagagem adequado, 430 litros
Quatrocentos quilômetros depois da partida mais de ¼ no tanque de 50 litros, e a marca dos 13 km/l lá estava, impávida. Nesse momento, a hora de dar adeus à boa rodovia para uma centena de quilômetros em estrada menos conservada e mais tortuosa, que prometia derrubar o consumo, pero no mucho. Na chegada, com hodômetro marcando pouco mais de 500 km, 12,8 km/l indicados e uma autonomia disponível de mais 100 km. Muito bom.
Bancos estado-da-arte, excelentes
Aquela suspensão mais mole do que as curvas de raio amplo tomadas a velocidade de multa na Fernão Dias exigiam, mostrou o reverso da medalha ao passar por um dos mais irregulares calçamentos da face da terra, na histórica Tiradentes, onde pedras grandes e outras ainda maiores compõem um mosaico perfeito para aniquilar pivôs de direção, acabar com buchas, destruir alinhamentos e reduzir a vida de amortecedores e molas ao padrão da população da faixa de Gaza em dia de vingança. Nesta condição, a SpaceCross diz ao que veio com seu curso de suspensões alongado e macio, que “copia” o tormentado piso filtrando as irregularidades mais do que bem., e não raspando partes no solo, nem frente, nem traseira. E nessa condição, cadê os crics e crecs dos plásticos de acabamento interno? Poucos, quase nenhum na verdade, no que pese o plasticão duro ser o rei da cabine deste VW.
Na seqüência deste estirão para chegar a Minas Gerais, trajetos curtos e truncados sucederam o montão de asfalto devorado. Estrada de terra? Sim, seca e dura como só o inverno mineiro sabe oferecer. Infiltração de pó na cabine? Nada. Ruídos crescentes, também não, apenas uma admiração em progresso pela capacidade do SpaceCross nos levar a passeio para cá e para lá, e sem jamais indicar menos do que 9,8 km/l no hodômetro, usando gasolina.
São João del Rey, Congonhas do Campo, Ouro Preto, Mariana, Brumadinho e a disneylândia da arte contemporânea, a inacreditável Inhotim: nesses cenários um cara — eu — e uma família — a minha — que jamais consideraria o Volkswagen SpaceCross como válida opção automobilística achando tudo muito bom no carro: conforto, consumo, agilidade, praticidade, capacidade de carga e eticéteras bobos ou nem tanto (mesinhas, som, visibilidade, acendimento automático dos bons faróis, sensores de ré…).
Iluminação de primeira, faróis auxiliares
bifuncionais neblina-longo alcance
Volta a São Paulo, 575 km de pressa, gasolina no tanque e computador marcando na chegada mais do que razoáveis 12,3 km/l. Alguns dias mais na grande metrópole para saber dos dotes urbanos em cenário conhecido confirmam o SpaceCross um automóvel mais do que honesto, confortável pelos bons bancos e suspensões macias, competente pelas respostas sem exagero mas sem anemia ao pisão no acelerador e a nota de louvor ao câmbio e também aos freios, com o devido e querido hoje obrigatório ABS. Notas ruins nesse uso citadino? Sim, há: a grossa coluna “A” mata a visibilidade em curvas de esquina. Só isso. Quanto ao consumo, rodando com etanol purinho, 6,8 km/l no vai e vem de uma cidade sem tantos congestionamentos, pois estamos em julho, mês de férias escolares. Na gasolina, na mesma condição, a indicação foi de 8,5 km/l.
Legibilidade irretocável, útil informação digital de velocidade
Enfim, eis o SpaceCross 1,6, aquele carro do qual eu achava não ter nada para comentar na hora da retirada em São Bernardo do Campo, às portas da histórica fábrica da Via Anchieta, e que agora, 2 mil km depois, me fez escrever esse tanto. Gostei? Gostei, mas uma coisa me incomoda bem mais do que uma certa falta de animação do motor, do acabamento plasticoso, da molenga suspensão traseira ou da sensibilidade aos ventos laterais. O que é? O fato de custar exageradíssimos “a partir” de R$ 61.500, e do jeito que você o vê nessas fotos, com opcionaiszinhos cá e lá, bate em quase R$ 65.000. E falando em fotos, desculpem não haver cenas da bela Minas Gerais, histórica ou contemporânea, pois eu não imaginava que o competente (mas caro) SpaceCross rendesse essa avaliação. Avisei no início, não?
Nota do editor: 50 minutos depois de esta matéria ser publicada, a VW divulgou novos preços em vigor a partir de 16/7 (ontem), que para este modelo agora é R$ 62.010/BS.
RA