Esse é um carro diferente, um Maverick V-8 com injeção eletrônica de combustível
Não se trata de um renascimento da Ford, mas sim de entusiastas americanos que fizeram um transplante de motor que passaria fácil por uma evolução caso o carro ainda fosse fabricado.
Meu amigo Fábio é o atual proprietário do carro, lá nos Estados Unidos. Aqui no Brasil ele já teve outros dois Mavericks, um deles me lembro bem, andei algumas vezes nele. O primeiro carro do Fábio eu não cheguei a ver ao vivo, só em fotos.
O principal Maverick que eu tenho grandes memórias era de meu tio mais velho, que comprou um quatro-cilindros bege em 1976, zerinho, e o usou por mais de cinco anos, sempre muito bem cuidado e limpo, apesar de rodar diariamente e viajar bastante. Originalmente Super Luxo, foi transformado visualmente para GT, com mais alguns acessórios que ele gostava muito de colocar, o mais futurístico para mim era um conta-giros digital, com os caracteres vermelhos, preso acima da coluna de direção, e visível por dentro do aro do volante. Para um menino de 10 anos, aquilo era um espetáculo.
Um vizinho também teve um quatro-cilindros de mesmo modelo e ano, vermelho, comprado zero também, e massacrado por anos a fio. Ele só colocava gasolina, e trocava o óleo quando acendia a luz no painel. Inúmeros jornais, embalagens de ovos de Páscoa, papéis de balas e gomas de mascar, folhetos de propaganda e mais outras coisas acumuladas em camadas forravam o assoalho, evitando o desgaste dos tapetes. Claro que isso fomentava a presença de algumas baratas, que eram freqüentemente vistas passeando dentro do carro. Nem lavar de verdade ele lavava. Um paninho molhado em uma lata pequena com água, daquelas de cera Parquetina, era a lavagem semestral que o carro merecia.
Uma vez eu estava junto no carro com a família, e a esposa disse para as filhas: “ Oba, está chegando o Natal, papai vai lavar o carro !” e ele: “ Lavar pra quê ? Vai sujar de novo ! ”
A suspensão tinha peças com tanto desgaste que o carro rangia e emitia ruídos audíveis de longe. Na pequena empresa que ele mantinha, esses ruídos eram o aviso, “ o chefe tá chegando ! “.
Nunca vi nada igual, era triste. O carro apodreceu em uns três anos, todo perfurado e sem brilho nenhum, mas continuou sendo usado por muito tempo depois. Uma maldade de cortar o coração. Não sei que fim levou, mudei de endereço e nunca mais vi o carro.
Nos V-8, minha primeira experiência — uma autêntica eletrocução — foi em uma carona num GT marrom, acho que 1978, que colou os três ocupantes no banco em São Bernardo e só descolou depois de uns 10 km, já em São Paulo. Nunca a Rodovia Anchieta foi tão curta nesse trecho que hoje é mais uma avenida, de tráfego pesado 24 horas por dia. Um carro deliciosamente nervoso, mas silencioso e macio. Nunca gostei tanto de um carro marrom.
Meu pai também conta uma boa história de Maverick, versão mais rara de todas, chamado simplesmente de Quadrijet. Em um novo emprego, seu tutor foi um espanhol chamado Paco. Como bom espanhol, era cheio de histórias e na Espanha, dizia ele, havia sido policial rodoviário, até decidir vir para o Brasil. Aqui, comprara um Maverick Quadrijet, que usava diariamente com gasolina azul, e rodava visitando clientes, pois era vendedor. Numa das viagens ao interior de São Paulo, Paco andava o mais rápido possível, sempre ao redor dos 180 km/h, e a cada hora e pouco era preciso abastecer. Para acompanhar, música espanhola em alto volume. Fora a fumaça de cigarro, da qual meu pai também é, infelizmente, adepto. Uma viagem inesquecível para ele.
Tenho então, um pequeno histórico de Mavericks, mesmo não tendo possuído nenhum. O último em que eu havia andado até mês passado foi o 1974 GT azul metálico do Fábio, nos idos de 1999/2000, quando ele o vendeu antes do casamento. Lembro nitidamente dos bancos de assento bem baixo e das dificuldades de visão para fora por esse motivo. Mesmo assim, era delicioso de dirigir, de pisar na embreagem, trocar as marchas pela alavanca leve e precisa. Imagino o que deve ter sido as corridas do Bob Sharp em Maverick, podendo acelerar tudo, e num carro aliviado em peso.
As alterações para o carro de cor Waterfall Blue foram feitas há alguns anos, na cidade de Pasadena, Califórnia. O Fábio havia visto o anúncio do carro no eBay, e ficou interessado de cara. Lembrou-se que já o tinha visto em algum lugar e, pesquisando, achou uma revista Mustang & Fords de janeiro de 2006, com uma matéria sobre ele.
Mavericks são difíceis de encontrar por lá. Por ser um carro barato quando novo, substituindo o Falcon, e mais em conta que o Mustang de quem divide grande parte dos componentes, foi muito usado por pessoas com renda baixa, estudantes e por aqueles que não queriam gastar muito em transporte pessoal. Vários desses, já usados, foram modificados para corridas de arrancada, onde o espancamento constante acabou com muitos.
Sobraram pouquíssimos em condição original, a maioria nas mãos de pessoas de mais idade, que os utilizavam apenas como meio de transporte barato, rodando pouco e mantendo-os em boas condições para não ficar parado nas ruas.
O carro foi usado por muitos anos, em condição original, após ter sido comprado pela pessoa que fez as melhorias e depois de alguns anos vendeu ao Fábio. Inicialmente usado como saiu de fábrica por meio ano, foi parado e desmontado por inteiro para fazer o que se chama de restomod, ou restoration-modification (restauração com modificação) onde se preza a aparência original, mas com melhorias em sistemas mecânicos e elétricos que façam o uso mais de acordo com os dias atuais, onde congestionamentos e trânsito pesado são comuns.
E agora, depois de tantos anos nos Estados Unidos, o meu amigo volta à carga e liga seu radar para encontrar um Maverick especial, com algumas modernizações que ficaram fantásticas. Foi uma ótima surpresa entrar no carro e de cara constatar que os bancos são diferentes e muito melhores para o manejo do carro. Vieram de um modelo Grabber, versão mais esportiva do Maverick nos EUA, bem como os espelhos e capô com as entradas de ar falsas, iguais aos dos GT brasileiros. A tampa do porta-malas é do mesmo modelo, com um pequeno lábio atuando como spoiler. Junto disso, um motor com injeção eletrônica de gasolina, que facilita a vida e o uso, desde a partida até a absoluta regularidade com que funciona. Para tornar tudo mais agradável ainda, ar-condicionado também modernizado, e que funciona perfeitamente, com os comandos ao lado esquerdo do volante.
As suspensões têm algumas buchas mais rígidas, em poliuretano, como na barra estabilizadora, que só existe na dianteira, e tem 1 polegada (25,4 mm) de diâmetro. Os amortecedores também são melhores que os originais, da marca Koni, e funcionam muito bem, sem solavancos, mantendo um controle da massa da carroceria que faz inveja a muito carro novo. Há barras tubulares de amarração feitas sob medida e colocadas entre as torres da suspensão dianteira e o painel corta-fogo, substituindo as originais, peças estampadas mais largas e chatas que o Maverick sempre teve. Isso foi feito para melhorar a rigidez na dianteira, com o principal objetivo de manter o mais próximo possível a geometria de direção e de suspensão na condição em que ela é regulada na oficina, algo sempre bem-vindo. A direção é justa, de bom peso nas mãos, embora um pouco lenta para meu gosto, mas nada de grave ou que dificulte o uso, apenas um comportamento normal.
Os freios são a disco na dianteira e tambores atrás, com um servofreio também montado de forma científico-artística, com uma leve inclinação apontando para o centro do carro, de forma a caber no exíguo espaço que sobrou com o novo motor. O pedal tem um peso ótimo, e o carro diminui de velocidade de maneira muito tranqüila, sendo um dos pontos de preocupação na maioria dos carros mais antigos, que aqui deixa de existir.
Mas a estrela principal é o motor 302 na versão HO, high output, ou alta potência, uma das versões da família conhecida como Windsor, motor V-8 lançado em 1962 com 3,6 litros e fabricado até 1996 como conjunto saindo em carros, tendo chegado até uma cilindrada de 5,8 litros, o famoso 351. Apesar de não ser comum, é às vezes chamado de small block Ford, apenas para comparação com o small block Chevrolet.
Ficou o apelido Windsor pois era produzido até 1969 na fábrica de motores da Ford dessa cidade do Canadá, passando de 1970 em diante para Cleveland, já nos Estados Unidos. Vem daí o apelido “canadense” dos 302 Ford aqui no Brasil, apesar de só depois de quatro anos o Maverick e o 302 chegarem aqui, quando os motores já eram produzidos no estado de Ohio.
Mesmo tendo saído de produção para carros novos, há os motores “crate” que são vendidos e entregues em caixas pela Ford Motorsport para os projetos de mecânicos de todos os tipos, tanto profissionais quanto os caseiros. Coisas de um país com grau de entusiasmo para trabalhos grandes e verba disponível infinitamente maiores que aqui no Brasil.
Mas se o leitor lembrou do Mustang Boss 302 que publicamos ano passado, não confunda. Apenas a cilindrada é similar. O carro novo tem um 302 que é outro projeto de motor, que vem sendo desenvolvido desde 1996, e que a Ford chama de maneira simples de modular para diferenciar dos mais antigos.
Originalmente, a potência desse motor que está no carro do Fábio é de 218 cv, com o sistema de injeção EEC-IV da Ford, usado no Mustang GT Cobra. Com as alterações feitas pela empresa Ron Morris Performance, a potência exata não é conhecida, mas deve ter mais 10 ou 15%. Fica ainda mais agradável de acelerar.
O câmbio é o C4 Select Shift de três marchas, e a adaptação foi feita pela mesma empresa, funcionando magnificamente bem. O comando no assoalho é o mesmo usado nos Mustang, perfeito.
Há até mesmo a válvula que corta o combustível atuante em caso de impacto, componente comum em carros modernos, montada na saída do tanque, evita vazamento em caso de batidas na traseira, algo essencial, devido à pressão maior no sistema de injeção em relação ao que o carro tinha originalmente.
Por dentro, um volante muito bonito e de boa pega, conta-giros adicionado na coluna de direção, para lembrar o carro de meu tio de quase quatro décadas atrás, adição de manômetro de óleo e um termômetro de água de arrefecimento, acompanhado de um interruptor para ligar manualmente o ventilador do radiador.
Andando é muito agradável, sem nenhum balanço ruim de carroceria, mesmo forçando nas curvas. A visibilidade com os bancos mais altos é bem melhor do que conhecemos do Maverick nacional, e o uso se torna bem mais prático, podendo ficar mais perto dos outros carros sem sustos.
Até mesmo no banco traseiro, que me parecia tão claustrofóbico no passado, a visibilidade para os passageiros é melhor. Talvez seja fruto do costume com muitos carros modernos, que também tem uma linha de cintura bastante alta e vidros cada vez menores verticalmente. E nesse carro, todos os bancos estão muito bons, com mecanismo e capas de vinil impecáveis.
Para quem gosta de Maverick, encontrar um exemplar tão bacana é um prêmio, e poder andar e fotografar também. Sem dúvida, esse é um carro para ser apreciado e cuidado para hoje e para a posteridade
JJ