Para o Dodge, “despojado” é um adjetivo que mistura simplicidade, bom humor e carisma, e é também como eu definiria um “Dojão Nacional” se fosse atribuir a ele personalidades que encontramos nos seres humanos. Talvez o ronco grosso do motor aliado às cores marcantes e às belas carrocerias tornem esse tipo carro ainda tão adorado e com uma legião gigantesca de fãs por esses automóveis que marcaram e ainda marcam época. Provavelmente esse seja — pelo menos — um dos motivos do Mopar Nationals estar entre os encontros mais esperados por toda a nação antigomobilista. Em 2014 a tradição foi mantida e o encontro se deu com altíssima qualidade de organização e, mesmo assim, manteve o espírito desse automóvel “despojado”.
A décima primeira edição do Mopar Nationals mostrou que um evento bom não precisa de superproduções, nem uma quantidade na casa das dezenas de milhares de pessoas, basta apenas que o evento tenha o jeitão do público. Claro que isso somado a um bocado de seriedade na organização ajuda demais, então ponto positivo para Chrysler Clube do Brasil, os patronos da maior e melhor festa da nação Dodgeira. O local escolhido foi a cidade que é símbolo do antigomobilismo nacional, Águas de Lindóia (SP), mas a localização exata foi especialmente pensada para o tipo de evento, a praça em frente ao Hotel Majestic, um local na medida certa que permitiu dar uma sensação de preenchimento total do espaço e de aconchego.
Se o espaço é aconchegante, podemos dizer que também é bastante receptivo aos que admiram Dodges, mas não são exatamente “Dojeiros”. Talvez essa fórmula seja parte fundamental em fazer com que antigomobilistas dos mais diversos segmentos estejam no evento para prestigiá-lo. O casal Juliana e Luciano são referência em Chevrolet Bel Air. Donos de alguns modelos 1955, 1956 e 1957, eles ganharam o apelido de casal “Trichevy” e há pouco tempo trouxeram para o Brasil um motorhome Travco, montado 0-km em 1977 num chassi M500 Dodge. Um dos organizadores fez questão de convidar o casal para que fizessem do encontro sua parada.
A participação do Travco com seu motor Magnum 440 reforça uma característica do evento, que é congregar todos os automóveis que de alguma maneira compõem a família Chrysler, vale ser Chrysler, Dodge, DeSoto, Plymouth, vale também qualquer carroceria, motorização e nacionalidade. No evento deu para notar que é possível ser “despojado” e ao mesmo tempo elegante, diversos automóveis importados mostraram que a galera que freqüenta o Mopar Nationals tem buscado diversidade e modelos raros para integrar o acervo nacional, sem preconceitos, tanto que esportivos e familiares dividiram espaço com maestria.
No ambiente externo do evento, uma gigantesca fileira misturou modelos importados de diferentes estilos. No gramado, um irmão “descapotável” dos Dart nacionais, um GT conversíve,l mostrava aos visitantes uma opção de carroceria que seria viável para a linha de montagem nacional, em São Bernardo do Campo, mas que nunca foi fabricada por aqui. Enquanto isso, na área coberta um Plymouth Road Runner 1970 necessitando de uma leve funilaria, mas perfeito para o “rusty style” (estilo enferrujado) dividiu espaço e atenção de igual para igual com um Challenger com seu belo 426 Hemi totalmente impecável.
A grande diferença deste evento é a forma dos participantes curtirem seus carros, automóveis parados pelo evento, barracas dos grupos de amigos que naturalmente se formam com suas cadeiras dobráveis, churrasqueiras a todo o vapor e isopores recheados de gelo e cerveja que “abasteciam” os Dojeiros. Assim o encontro ficou com um ar que lembra os encontros de automóveis nos Estados Unidos, onde colecionadores assam carne enquanto falam de automóveis. As grelhas só pararam na hora dos participantes se recolherem aos hotéis. Digamos que eu tinha mais sorte do que a maioria de lá, já que tive a honra de ser convidado a me hospedar — junto com minha namorada — no motorhome Travco. Resumindo, eu estava hospedado exatamente dentro do evento. Garanto que acordar ali e ter como vista um jardim de Dodges é uma visão impagável.
O amigo Derico, conhecido do grande público como “o saxofonista do Programa do Jô”, gosta de Dodges e tem um Charger R/T 1974 automático que também estava exposto, mas engana-se quem pensa que ele ficava ao lado do carro lustrando seu “recém-restaurado Dojão”: o músico queria mesmo era aproveitar o clima de descontração para visitar os amigos e aproveitar o evento. Nos encontramos no Travco para tomar uns goles, conversar sobre carros e beliscar uns petiscos. Era o estilo despojado e informal fazendo do veículo um uso pleno, ele chegou rodando, estava servindo como moradia e recebendo os amigos, como toda boa casa deve ser, ou seja, um automóvel que ficou 100% do tempo em uso.
No quesito exposição, duas grandes atrações: no ambiente coberto do Hotel Majestic a linha do tempo formada pela série completa de Chargers nacionais, mostrando às diferenças ano a ano entre 1971 e 1980, esse último carro foi o símbolo do evento e do lado de fora as “tribos” do “universo Dodge” se mostravam na variedade de tons, carrocerias e estilos. Um bom exemplo dessa diversidade está no espaço conquistado pela galera do “Doginhos na Estrada” formada por modelos 1800 e Polara, os compactos da Chrysler do Brasil que ganham com força seu espaço entre os colecionáveis, também galgam espaço entre “Dodgeiros” e conquistam por suas simpáticas carrocerias compactas e motor que faz muito grandão passar sufoco.
O que está debaixo do capô sempre foi o maior dos motivos de se ter um Dodge. Enquanto o modelo compacto foi o primeiro 1.8 nacional, os V-8 de 318 polegadas cúbicas são os maiores motores já feitos no Brasil para automóveis de passeio, mas vale lembrar que um dos grandes trunfos dos Dodges era parecer novo a cada ano, mérito da equipe nacional da Chrysler do Brasil. Os investimentos vindos da matriz americana eram os mais pacatos e baixos possível, por isso, a engenharia nacional se empenhou e abusou da criatividade para transformar o Dart em Charger (que do modelo dos EUA só carrega o nome e adereços), modificar as faixas, lanternas e criar dianteiras para fazer com que o mesmo automóvel parecesse um modelo novo a cada ano.
Uma dupla do “corpo de engenheiros” da extinta Chrysler do Brasil, Álvaro Penha e Renato Zirk, estavam no evento, onde distribuíram conhecimento em palestras. Os dois se depararam com o Travco e curiosos — como todo bom engenheiro — quiseram saber tudo sobre o modelo. Luciano e Juliana, com sua simpatia característica, mostraram cada detalhe do curioso veículo. A promessa dos homens que “deram vida aos Dodges nacionais” foi estudar o chassi M500 e suas transformações pela Travco, empresa especializada na criação de veículos de recreação. A prova de que a “casa motorizada” é, no mínimo, curiosa, merece, em breve, uma matéria aqui no AUTOentusiastas.
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