Decidi falar sobre o Dodge Dart em dois posts distintos, hoje um pouco da história recente da Chrysler e como ela chegou à decisão de relançar um sedã de entrada usando o nome do que para nós é um clássico, e a parte final, minhas impressões ao dirigi-lo.
Quando apanhei o Dodge Dart branco, novo em folha, teria sua companhia para rodar três dias e pouco mais de 500 km por autoestradas, ruas e avenidas nas cercanias de Chicago. Evidentemente tempo insuficiente para uma avaliação como gostaria de fazer, mas talvez matasse minha curiosidade em entender o momento da FCA (Fiat Chrysler Automobiles) no que diz respeito à nova fornada de produtos e confirmar se o estupendo sucesso que eles vêm colhendo nos resultados operacionais e financeiros está sendo devolvido na forma de automóveis cada vez melhores e mais entusiasmantes também naqueles segmentos onde a Chrysler não reputava boa tradição, como o dos sedãs compactos.
A terceira grande de Detroit segue sendo muito forte com picapes e suves, para dizer a verdade vem se fortalecendo ainda mais, nadando de braçada mesmo. Em 2014, enquanto a produção total nos EUA avançou 7,4%, o segmento de comerciais leves saltou 15,8%, sempre comparando respectivos primeiros semestres de 2014 e 2013, e a produção da FCA nesses segmentos cresceu quase 20%, acima da média do mercado. Portanto, arrancou mais um naco da participação de mercado de seus rivais. Contribuíram para esse resultado a renovação do Grand Cherokee, da RAM e alguns lances de ousadia como a motorização V-6 diesel na RAM 1500 (única picape leve a oferecer a opção de motorização com esse combustível) e o novo Cherokee crossover, do qual o Paulo Keller falou aqui no Ae. A despeito da torcida de nariz que a imprensa especializada americana fez a alguns desses novos modelos, é inegável que a resposta de mercado vem sendo positiva. mas não para todos os produtos da FCA.
O novo Dodge Dart teve uma recepção fria da mídia e suas vendas, apesar de boas para os padrões deles (na casa dos 10.000 mensais), o figuram entre os últimos do segmento, não atingindo o esperado. Esses 500 km com o Dart me permitiriam compará-lo com algumas referências que tenho do Civic, do novo Corolla, do Jetta e do Cruze, que são automóveis que conheço relativamente bem.
Diferentemente das picapes grandes, onde o mercado é praticamente dominado por Ford, GM e Chrysler, com Toyota de figurante, os sedãs compactos têm bem mais competidores, são mais de dez modelos na faixa dos 16 a 22 mil dólares, Honda Civic e Toyota Corolla se alternando na liderança a exemplo do que esses dois fazem aqui no Brasil. É o maior segmento dos EUA, ultrapassando 2 milhões de vendas anuais.
O que levou a Chrysler a buscar nova luta por espaço num segmento que já havia abandonado e nunca competira direito? Pode parecer difícil de explicar, mas se ela vai engordando o seu caixa com RAMs e Cherokees, haveria lógica em insistir na aposta de centenas de milhões de dólares em um segmento difícil e menos rentável que picapes e crossovers? Não é nada difícil de entender, há três fatores principais que tornaram a sua participação obrigatória.
O primeiro chama-se, acordo com o comitê de falências do governo Obama, para levar uma parte da Chrysler; o segundo atende pela obrigatoriedade de atingir as metas estipuladas pelo governo de média de consumo de combustível de sua produção, conhecido como parâmetros CAFE, sigla, em inglês, para consumo médio de combustível da frota (produzida); o terceiro é a empresa estar preparada para enfrentar eventuais viradas de maré, como a que aconteceu em 2008 e levou esta e a GM à falência, ambas sucumbiram quando os compradores de carros novos desviaram o seu foco para automóveis em vez de picapes V-8, segmento no qual todos fabricantes americanos vendiam com prejuízo.
O mundo segue sendo instável e imprevisível, o Oriente Médio mais ainda, uma nova alta nos preços da gasolina e o pesadelo daqueles anos tem de ser evitado com produtos competitivos naqueles segmentos onde houver compradores. Ponto.
Sem tradição nem compradores de sedãs compactos a agora FCA via-se com outros grandes desafios à frente em 2009, quando planejava o carro que viria a ser lançado pouco mais de dois anos depois. Para cumprir a sua parte do acordo com o tesouro do governo americano, em troca de levar parte da Chrysler de graça, teria de trazer ao mercado a sua tecnologia em automóveis compactos e econômicos em um carro capaz de fazer 17 km/l (ou 40 milhas por galão nas unidades deles). No auge da crise que culminou com a falência da GM e Chrysler, o comitê que assumiu o controle de ambas forçou a falência e as reestruturou havia facilmente chegado à conclusão que elas não souberam responder às mudanças de mercado, quando os compradores passaram a buscar carros econômicos e fugir das bombas de combustível que cobravam mais de 4,50 dólares por galão (convertendo às nossas unidades, cerca de R$ 2,61 por litro). Não parece excessivo para nossos padrões, mas para eles era um salto de 40% sobre os preços cobrados menos de um ano antes. Os asiáticos estavam praticamente sem concorrentes americanos à altura, no mercado deles.
Para entregar a Chrysler de graça, quem fosse assumir seu controle teria de ter esses produtos prontos e a Fiat não os tinha, foi então que se comprometeu a fazê-los a toque de caixa e fixaram uma data para cumprirem a sua parte do acordo. Entrava aí uma capacidade que se desenvolvera na Fiat nos últimos cinco anos, ou desde que Marchionne se tornara o seu executivo-chefe: agilidade, conceber produtos a partir do zero em metade do tempo do que se considerava padrão da indústria.
No terceiro trimestre de 2009 se puseram a trabalhar nos seus traços e características iniciais, alguns meses depois foi dado o sinal verde e em um ano e meio chegaria aos concessionários da marca. Uma vez lançado, outros 5% da Chrysler seriam transferidos pelo governo à Fiat. Aí também uma das explicações do por que debutou com motorização 1,4-l turbo, bastante conhecida por nós e europeus e completamente desconhecida para os americanos, que prontamente a rejeitaram, em seguida vieram as opções 2-l e 2,4-l. Seria também o primeiro “downsizing” da Chrysler, algo que GM e Ford vêm fazendo largamente em seu portfólio.
O projeto não poderia naufragar no mercado, ou tudo estaria perdido. Ser tão bom quanto os melhores em produto e qualidade. O trem de força teria uma gama de motores e transmissões competitivos em desempenho, confiabilidade, durabilidade e consumo contido de combustível, trocas imperceptíveis de marchas. Os asiáticos são conhecidos por seu esmero construtivo, junções de superfícies perfeitas, a VW destaca-se também em trem de força e nos seus interiores, enfim, briga de gente grande.
Após a reestruturação e fechamento de milhares de concessionários durante os anos da crise, que atingiu todas as marcas presentes naquele mercado, a Chrysler viu-se com a dura missão de atrair compradores e interessados de todas camadas sociais em visitar os seus salões de vendas, com um leque amplo de produtos legais. O novo Dodge Dart não tinha como fazer feio. Não fez. Mas fez o suficiente?
Muita gente começou criticando a marca escolhida. Para nós, brasileiros, o Dodge Dart que conhecemos no Brasil tinha 5 metros e um V-8 5,2-litros de mais de 200 cv (embora fosse potência bruta SAE, irreal), difícil aceitar o novo Dart com tração dianteira e transeixo com motor 1,4-l.
Apanhar marcas de uma cesta e usá-las para batizar produtos que nada tem a ver com o que foram no passado está se tornando corriqueiro demais. Se antes o MINI, o New Beetle e o Fiat 500 já haviam abusado de nostalgia, misturando marcas que fizeram época nos anos 1940 e 1950 com produtos atuais, mas se ocuparam de uma certa ligação com elas, principalmente no que diz respeito ao desenho, Ford Mustang, Chevrolet Camaro e Dodge Charger foram a interpretação americana dessa nostalgia em ícones da década de sessenta, os muscle cars em roupa nova. Curioso notar que os V-8 de hoje reservam também semelhanças dimensionais com os do passado, estão mais limpos, mas o ruído de escape segue encantando. Faltava agora uma marca em um carro totalmente nada a ver com o passado, nem semblante. Agora não falta mais, Dodge Dart.
A única coisa que ele reserva em comum com o seu antecessor de cinquenta anos atrás é ser o carro de entrada da marca Dodge . E também um sedã. Não tardará alguém usar a marca de um sedã antigo num crossover, ou perua, seria um próximo passo a não descartar totalmente.
O Dodge Dart dos anos 1960 tinha cinco metros e meio, hoje encolheu um metro, de eixo rígido com molas semi-elípticas atrás para multibraço, mais tudo o que um carro moderno e atual deve ter para essa categoria: cinco estrelas nos testes de colisão, bolsas infláveis em profusão, sopas de letrinhas nos motores e transmissões e duendes eletrônicos, enfim, é como se houvesse uma receita única para se fabricar automóveis.
Não me cabe criticar a escolha da marca Dart, porque a avacalhação de marcas começou bem antes e não com eles da Chrysler.
Como é o novo Dodge Dart? No próximo post informarei as impressões da versão de entrada, a SE com motor 2-l VVTi.
MAS