No rápido traçado de Spa-Francorchamps a aerodinâmica de Adrian Newey fez a diferença na terceira vitória de Daniel Ricciardo e os morros uivantes assopraram as brasas na fogueira de vaidades que arde entre Lewis Hamilton e Nico Rosberg. Felipe Nasr venceu mais uma na GP2. Corridas de automóveis sempre envolveram boas e esperadas doses de risco, estratégia e surpresas, além de enormes quantidades de dinheiro.
Este coquetel de imponderáveis e poder material já provocaram grandes momentos e enormes ressacas; o GP da Bélgica deste ano teve tudo isso e um pouco mais, aquecendo um campeonato que tinha tudo para cair na chatice e entrar para a história como exemplo disso. A vitória de Daniel Ricciardo — a terceira do ano —, consolidou o sorridente australiano como nova força da categoria e carrasco do tetracampeão mundial, seu companheiro de equipe Sebastian Vettel; mais do que isso, consagrou a habilidade de Adrian Newey em projetar conceitos de apurada e eficiente aerodinâmica.
Poucos poderiam esperar um rendimento tão eficiente de um carro que iniciou a temporada segundos-luz atrás dos metálicos streitawagen. Uma apreciação jocosa do episódio desse fim de semana levaria muita gente que foi adolescente nos anos 1960/70 a lembrar da série “Guerra, sombra e água fresca”, onde americanos faziam e desfaziam dos alemães no único campo de prisioneiros da II Guerra sem registro de fugas. A razão para tanto é o fato que as diferenças entre o alemão Nico Rosberg e o inglês Lewis Hamilton crescem a cada volta e a direção da equipe Mercedes parece não conseguir controlar o ímpeto de dois ex-adolescentes que já foram grandes amigos. Numa era em que as facilidades de comunicação e salários estratosféricos criam verdadeiras primas donnas do volante, refutar ordens de equipe e fazer valer a opinião chutando a canela do adversário não são exemplos de maturidade ou profissionalismo. Senna e Prost, Piquet e Mansell, Fangio e Moss já estrearam outras produções do gênero, e apenas a primeira dupla chegou às vias de fato, na gran finale de Suzuka, penúltima etapa do calendário de 1990. Nessa corrida o brasileiro simplesmente jogou seu McLaren contra a Ferrari do francês, decidindo dessa forma, e a seu favor, o título da temporada. Em Spa 2014 o campeonato ainda está na 12ª. de 19 corridas e se algo não for feito para trazer Lewis e Rosberg de volta ao cockpit da razão, a brincadeira pode terminar com prejuízo do tipo Villeneuve e Pironi, dupla da Ferrari em 1982 envolta em uma disputa que encerrou a carreira de ambos.
Após a corrida de domingo uma reunião da equipe Mercedes tentou esclarecer o assunto, sem sucesso: o inglês saiu da sala declarando que Nico “confessou que fez de propósito”, enquanto o alemão teria alegado que tocou seu spoiler dianteiro direito no pneu traseiro direito do rival de equipe “para provar meu ponto”. Certamente uma atitude mais barata do que ultrapassar na raça e que não teria existido se ninguém posasse de vedete. Dentro deste espectro de birra pueril cabe mencionar as manobras de Kevin Magnussen, estrela pseudo-ascendente na equipe McLaren e que gera asteróides capazes de fustigar a nova sensação do pedaço, o holandês Max Verstappen. A necessidade marqueteira de trazer jovens cada vez mais infantis para preencher as vagas da F-1 atropela sem dó, piedade e, principalmente, razão o período de formação de novos pilotos.
Magnussen tem a seu favor duas temporadas de F-3 (2010/11) e outras duas na F-Renault 3.5 (2012/13) e, em contra, um estilo que se revela bastante agressivo. Domingo, por exemplo, não teve dúvidas em jogar Fernando Alonso para fora da pista para defender sua posição. Falta de respeito ou ímpeto juvenil — ele vai completar 22 anos dia 5 de outubro — Kevin não pavimenta com asfalto o caminho de pilotos mais jovens, ao contrario, joga pedras na estrada que outros trafegam de forma mais prudente durante o período de aprendizado na F-1. Daniil Kvyat, por exemplo, anda forte e não tem tantos episódios do tipo em seu currículo. Digitado isso, jogar um jovem de 17 anos na categoria mais popular do automobilismo mundial tem tudo para virar uma novela onde o título parece definido: “Tudo ou nada”.
Tal qual Jan, o pai de Magnussen, o de Max — Jos— também passou pela F-1 com ares de promessa e fôlego curto, o que não garante que o mesmo acontecerá com os rebentos. Ocorre que é na fase em categorias de base e aprimoramento que se aprende segredos e artimanhas; pular tais etapas é o equivalente a conceder a um aluno em inicio de segundo grau uma bolsa milionária para um doutorado. Kimi Räikkönen foi, talvez, o último piloto a aproveitar essa chance: desembarcou na Sauber após uma temporada de F-Renault 2.0 em uma época em que podia-se treinar mais do que hoje. Os tempos já não permitem treinar com os carros atuais — somente com modelos mais antigos e com grande defasagem tecnológicas em relação aos carros contemporâneos. Passando a régua: o tempo dirá se Max Verstappen veio para ver ou para tapar.
Enquanto isso, no outro lado do ringue bancado pelo empresário austríaco, a Red Bull segue focada no trabalho e dá asas cada vez mais eficientes ao australiano Daniel Ricciardo, cujo amplo sorriso ofusca cada vez o sucesso da dupla mais problemática dos últimos tempos. Há quem diga que Sebastian Vettel, o outrora enfant terrible da equipe austríaca, não se adapta ao comportamento do carro. Ora, ninguém ganha quatro títulos mundiais consecutivos porque lhe fizeram um macacão sob medida…
Comentar sobre o que acontece na equipe principal do touro vermelho respinga no reino de Williams: é simplesmente incrível como tudo, ou 99%…, do que acontece de errado neste time envolve Felipe Massa. Desta vez foram destroços do pneu dilacerado do carro de Lewis Hamilton que ficaram encrustados no assoalho do seu carro, situação só corrigida no último terço das 44 voltas da prova, quando o brasileiro passou a ter o mesmo ritmo dos ponteiros. Tão ruim ou mesmo pior do que mais uma corrida perdida para a falta de sorte, Massa é cada vez mais vítima de algozes críticos brasileiros. Verdade que suas declarações sempre lamuriosas ou tentando explicar o inexplicável não ajudam a reverter a situação, mas a cruz que lhe está sendo imposta não é, nem de longe, proporcional à sua capacidade de piloto.
Nasr vence novamente na GP2
O brasiliense Felipe Nasr conseguiu sua quarta vitória da temporada em um momento importante para definir o passo mais importante de sua carreira: o desembarque na F-1 em 2015. Deco Negrão terminou em oitavo e marcou seus primeiros pontos na categoria. Vice-líder do Campeonato da FIA de GP2, 32 pontos atrás do inglês Jolian Palmer, Nasr está consciente de que suas chances de seguir na Williams são pequenas, pois é sabido que dificilmente a equipe de Groove dispensará Massa ou Bottas. Visto que a Lotus é uma equipe aberta a negociar com vários patrocinadores e terá motores Mercedes no ano que vem, é possível apostar nesse endereço, ainda que sua ligação com Kimi Räkkönen (com quem divide empresário) possa vir a ser um obstáculo. O fim de semana de Spa mostrou que o mercado de novos pilotos está vivendo uma ebulição atípica. Após o anúncio que a Toro Rosso contratou Max Verstappen para substituir Jean-Éric Vergne, a Caterham substituiu Kamui Kobayashi por André Lotterer e não deverá surpreender ninguém se os espanhóis Carlos Sainz Júnior ou Roberto Mehri ocupem a vaga nas próximas corridas. Igualmente o estadunidense Alexander Rossi poderá aparecer como piloto do segundo Marussia no lugar do inglês Max Chilton a partir do GP dos EUA, em Dallas.
WG