Houve na história veículos que se destacaram por sua beleza, por seu desempenho, por sua robustez, facilidade de manutenção e outros atributos.
O Volkswagen Transporter, em versão Kombinationsfahrzeug, ou abreviadamente Kombi, ‘veículo combinado’ em alemão, se notabilizou por sua versatilidade.
Tudo já se fez com a VW Kombi: mini-ônibus, carro de bombeiro, ambulância, transporte de bebidas, furgões refrigerados, veículos para camping, unidades médicas e odontológicas volantes, carro de policia, carro-cela e até motel. Sim, nas décadas de 1960/70 as Kombi dos hippies com cama e luzes psicodélicas e com as famosas cortininhas nas janelas fizeram parte dos anos dourados!
Daria para fazer uma lista enorme das aplicações que a Kombi se prestou durante a sua longa carreira de sucesso no mundo e, principalmente, no Brasil.
A Kombi foi lançada na Alemanha em março de 1950, tendo sido logo importada pelo Grupo Brasmotor, que em seguida passou a montá-la no Brasil em regime CKD (montagem de veículo importado completamente desmontado) até 1957. Começou a ser produzida em setembro de 1957 na recém-construída fábrica da Volkswagen o Brasil em São Bernardo do Campo, logo recebendo o carinhoso apelido “pão de forma” em alusão ao seu formato.
A VW Kombi foi um projeto brilhante, principalmente por sua topologia. Veículo leve com pouco mais de 1.000 kg, capacidade de carga útil de 850 kg na primeira versão (chegaria a 1.000 kg em poucos anos) praticamente distribuída entre eixos, grande volume interno de 4,8 m³, carroceria monobloco muito resistente graças ao seu assoalho estruturado e também por suas formas arredondadas do teto e frente.
Praticamente todas as fábricas de automóveis já tentaram copiar o seu conceito, porém sempre esbarraram no seu inteligente e difícil compromisso de custo e beneficio. Houve projetos similares da Ford, GM, Chrysler, Citroën, para citar algumas, sempre esbarrando ou em custo, ou em durabilidade, em versatilidade e em aparência, inclusive.
A Ford Transit, clone da Kombi, foi provavelmente o veículo mais parecido com a original da VW já fabricado no mundo, porém era bem mais caro, custava aproximadamente 40% a mais.
O pão de forma francês
A francesa Renault lançou o seu “pão de forma” nos idos de 1959, em junho, como concorrente direto da VW Kombi na Europa: a Estafette, que aparece na foto que abre esta história.
Um nome sugestivo, que significa portador de cartas e encomendas em francês, de grafia bem próxima em português e italiano — estafeta e stafetta — e que em inglês é um nome bem conhecido nosso: Courier.
Com sua carroceria muito bem estruturada semelhante à Kombi, a Estafette tinha também um bom volume interno. Leve, com pouco mais que 1.000 kg também, esbarrava em sua capacidade de carga de somente 500 kg, menos de 60% do que transportava seu concorrente alemão. Tinha a vantagem de custar aproximadamente 80% da Kombi o que era uma grande vantagem na Europa empobrecida após a Segunda Guerra Mundial.
Com motor dianteiro Ventoux de 845 cm³, o mesmo que já equipava o Renault Dauphine, e transeixo dianteiro com câmbio de quatro marchas todas sincronizadas e bem curtas, tinha boa força de tração e boa dirigibilidade. Sua velocidade máxima não passava de 90 km/h, o que não era nenhum problema para o seu uso primariamente urbano.
Devido à posição alta do conjunto motor-transmissão, as semi-árvores trabalhavam com um ângulo muito acentuado, transmitindo muita vibração ao veículo, particularmente ao volante de direção. Foi uma reclamação que gerou prontamente uma solução da Renault, incorporando massas sintonizadas às semi-árvores, minimizando o problema.
A Estafette tinha suspensões independentes nas quatro rodas, como o VW, embora geometricamente bem superiores, o que lhe garantia um bom compromisso de conforto e estabilidade. As rodas eram fixadas somente com três porcas e prisioneiros, o que era uma característica marcante — e discutível — da Renault na época.
Veja a ficha técnica da Estafette:
A Estafette tinha comprimento de 4.100 mm, 180 mm menos que a Kombi, e o entreeixos também era menor, 2.270 mm contra 2.400 mm. O desenho em três vistas acima mostra enorme semelhança com a Kombi VW.
Os seus bancos eram uma estrutura tubular com molas onduladas e apenas finas almofadas (futons) formando assento e encosto, como no carismático 2 CV da Citroën, simples, de baixo custo e bastante confortável. Me fez lembrar do Renault Teimoso que foi vendido no Brasil em 1965 como versão popular e extremamente barata do Gordini.
Além da porta lateral corrediça, o acesso ao compartimento de carga podia ser feito também pela traseira com duas portas de abertura horizontal e uma sobre elas que abria para cima.
A Estafette se posicionou muito bem no mercado, conceituado como veiculo bom, bonito e barato.
Custava menos que a Kombi, tinha estilo simpático, bom volume interno, mas carregava somente 500 kg. Todavia, era resistente e durável, cumprindo sua finalidade maior de transportar cargas nos centros urbanos.
O sucesso do Estafette foi tão grande que até 1962 já haviam sido produzidos 58 mil exemplares.
A Estafette passou por várias modificações durante a sua vida, como carga útil aumentada para 1.000 kg, vários acessórios pertinentes a sua utilização e diversos motores incorporados, inclusive o 1.289-cm³ cinco-mancais de 45 cv que equipou o Renault 12, primo francês do Corcel.
O Estafette deixou de ser produzido em 1980, após 533.000 unidades.
Como história, a Willys cogitou trazer o Estafette para o Brasil, aproveitando as instalações da fábrica do Dauphine em São Bernardo do Campo e o motor Ventoux, também já fabricado localmente. O que se sabe é que a Renault pediu muito a título de royalties, o que inviabilizou o negócio. A Willys continuou então a produzir os seus próprios utilitários, o Jeep e seus derivados Rural e Pick-up. Assim, a VW Kombi permaneceu única no mercado brasileiro até ser descontinuada em dezembro do ano passado.
E fica o inexplicável de como um segmento tão forte como o da Kombi não foi explorado pelas outras fábricas de automóveis no Brasil. História semelhante se repetiria com o Ford EcoSport, que permaneceria sozinho no mercado de utilitários esporte compactos desde o lançamento em 2003 até outubro de 2011, quando chegou o Renault Duster.
Uma das respostas, quem sabe a única, foi a dificuldade de projetar um utilitário bom, bonito e barato como a Kombi.
CM
Créditos: das fotos: arquivo pessoal do autor, www.fotolog.com, www.atigomodelismo.com.br wikipedia.org, bestcars.uol.com.br