Vocês leitores vão achar que eu pego no pé das manias nacionais. Então, vamos lá. Vou atacar outra paixão brasileira — não exclusivamente feminina, não, brasileira, mesmo: as películas nos vidros dos carros, mais conhecidas pela marca comercial Insulfilm. Mas por algum motivo muitos homens não apenas usam nos próprios veículos, mas também mandam colocar no das mulheres achando que assim elas e os filhos estão mais protegidos.
E ai, você é contra ou a favor? Ao parar num farol qualquer numa grande cidade do País e contar o número de veículos com os vidros escurecidos, diria que a maioria é a favor. Conta de padeiro, mesmo. E não, não encontrei nenhuma estatística sobre a quantidade de veículos que têm esse acessório. Nenhuma para que eu possa criticar ou divertir vocês.
No meu mais novo carro, a película já veio, mas como comprei um carro que estava disponível na concessionária e não o encomendei na fábrica, levei um modelo com coisas que fazia questão de ter e outras que aceitei receber. Pessoalmente, adoro o pára-brisa dégradée, que é raridade. O meu é esverdeado e ajuda, mas minha (mais ou menos) reduzida estatura clama por um dégradée até a metade do vidro, o que, claro é impossível, então dá-lhe subir e descer o banco e a coluna de direção. Manobrista detesta pegar meu carro. E eu detesto quando pego de volta e tenho de acertar os retrovisores. Ficamos quites. Mas antes que perguntem, não dirijo com o volante colado nas costelas. Pelo contrário. Apesar de algo prejudicada verticalmente, o assento fica meio próximo da coluna de direção (afinal, preciso chegar nos pedais com segurança, não com o bico do sapato, né?), mas o encosto do banco não e os braços vão no ângulo correto, ligeiramente dobrados, embora um pouco mais esticados do que mandam os especialistas. Mania de baixinha que acha que tem braço de Ana Hickmann.
Voltando à película. O argumento é que o Brasil é um país tropical e ela minimiza o calor. Na minha experiência, não faz lá muita diferença. E o termômetro interno já comprovou isso. Além disso, desde que o ar-condicionado virou item quase de praxe nos veículos, menos ainda. Naturalmente todos nós procuramos estacionar à sombra, pois o problema não é só o calor dentro do carro, mas tentamos proteger a pintura dos raios UVA, UVB e outra sopa de letrinhas.
Blitz – Outro argumento, o da segurança, pelo menos em São Paulo é bastante furado. Ninguém em sã consciência deixa nada à vista dentro do carro. Com ou sem película. E ladrão faz tempo que quebra vidro e ameaça motorista mais em função do carro ou da oportunidade do que do que vê dentro dele. Infelizmente, ninguém está protegido por película nenhuma. Se fosse apenas isso, o índice de furtos e roubos teria caído consideravelmente uma vez que a maioria dos carros já conta com ela. Ufa, quase saquei de uma estatística, mas resisti heroicamente.
Pessoalmente, quando passo por uma blitz da polícia, faço questão de acender a luz interna e de abrir os vidros para que, apesar da película, vejam que dentro do carro há uma pessoa de aparência honesta. Da última vez isso se voltou contra mim e talvez por ser a única de uma longa fila de veículos a fazer isso me mandaram parar. Os outros foram dispensados e seguiram em frente. Mas numa segunda olhada, o policial disse : “Vai, pode ir, pode ir”. Sei lá o que ele pensou. Talvez algo como “Somente uma idiota ia chamar a atenção para si mesma desse jeito. Deve ter nada, não”.
De noite, então, acho a película uma tortura. Moro em São Paulo e é onde dirijo a maior parte do tempo. As placas carecem de manutenção e limpeza e sobra fuligem e sujeira em geral. Fica difícil enxergar com a dita cuja escurecendo os vidros. E não apenas as de sinalização, mas também aquelas com os nomes das ruas. Muitas vezes ando com o vidro aberto e às vezes com a cabeça para fora feito um poodle, pois é difícil ler o que está escrito. E depois acho estranho viver resfriada! Para estacionar em garagem fechada ou mesmo rua escura, só abrindo os vidros pois o sensores não cobrem todo o perímetro do carro e sem visibilidade clara, babau.
Vela de macumba – Mesmo andando no trânsito já tive problemas com a película, embora aí não tenha sido problema exclusivamente do tal filme, e sim de uma irregularidade que muito me irrita – o uso incorreto das lanternas à noite e, ainda por cima, azul mortiço. Sim, o infeliz transitava tarde da noite com lanterna, em vez de farol, com luzinha azul tipo vela de macumba de 0,0001 watt e me ultrapassava pela direita. Claro que quase bati, pois olhei no retrovisor direito, não vi ninguém, sinalizei e quando começava a mudar de faixa, escutei aquele funk inconfundível que acompanha esse tipo de veículo. Mas enxergar, mesmo, não o enxerguei. Culpa da película do meu carro, que escurece demais o vidro lateral, e, claro, do uso da lanterna em vez do farol e numa luz totalmente irregular. Não vou dizer que fiquei contente de ter ouvido o funk porque jamais admitirei isso, mas que naquela única ocasião aquele, digamos, “som”, ajudou, isto eu preciso reconhecer.
E até aqui eu só falei das películas que estão dentro daquilo que a legislação permite, colocadas nos vidros em que podem ser colocadas. E o quê dizer daquelas que bloqueiam totalmente a visibilidade e, ainda por cima, no pára-brisa? Ultimamente, em tempos de delação premiada e prisões de políticos é muito comum vermos o pessoal saindo nos carros, muitas vezes dos próprios advogados e muitas vezes das delegacias e dos fóruns em veículos totalmente irregulares em termos de Insulfim. Ora, não são suas excelências aqueles que deveriam respeitar a lei em primeiro lugar? Como diria o menino-prodígio, santa ingenuidade, Batman!
E por que não arranco a película do carro, vocês me perguntarão? Pois é. Ainda estamos numa discussão familiar e assim como a colocação dos quadros na parede da sala, levaremos pelo menos um ano e meio para decidir o que fazer e outro tanto para executar o serviço. É que em casa as coisas são decididas assim, subitamente, como vocês podem perceber. Culpa da nossa precipitação. Mas estamos trabalhando nisso.
Mudando de assunto: Meu marido ganhou a biografia do Ingo Hoffmann, “Histórias que eu vivi”, outro piloto de quem gosto muito. Estou espreitando o criado-mudo para dar o bote no livro. Mas com esse sujeito como tema, só pode ser coisa boa.
NG
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