O tema trânsito tem amplo espaço aqui no Ae, desnecessário dizer. Justifica-se, pois o Brasil já conta 5 habitantes por veículo, um em cada quatro brasileiros tem carro. Isso considerando o número populacional global, no qual há bebês, crianças, adolescentes e idosos, que não dirigem.
Não é das maiores densidades do mundo, mas já é considerável. Temos, inclusive sinais de saturação de algumas rodovias, como pode ser visto nos fins de semana prolongados por feriados ou nos grandes êxodos tradicionais como Semana Santa, período de Festas de fim de ano e Carnaval.
À primeira vista, grande parte dos nossos novos visitantes acha que somos um bando de tresloucados autoentusiastas que só pensamos em velocidade, que queremos passar por cima de todo mundo, que queremos as estradas livres só para nós. Gostamos de velocidade sim — também, não só. Mas de velocidade em locais e condições apropriados, dai nossa adoração — não é exagero — pelas autoestradas alemãs, as Autobahnen, costumeiramente citadas aqui.
Nós só não, o mundo venera o sistema de autoestradas da Alemanha.
Mas como estamos no Brasil, é aqui que queremos ver as coisas acontecerem como devem acontecer na questão de trânsito. Mas não estão acontecendo e não nos furtamos de dar o diagnóstico e o remédio. Aliás, os remédios, que são o fluxo e o ritmo.
Fluxo porque ele se torna cada vez mais imperioso à medida que cresce o número de carros, e não é isso que estamos vendo por parte de quem deve cuidar dele. Está faltando engenharia — de verdade, não da boca para fora — de trânsito. Dá impressão que quem cuida do fluxo de trânsito são pessoas completamente alienadas do problema.
Não é preciso ser especialista em trânsito para ver e avaliar o que se faz mundo afora em favor da fluidez. Como as vias são sempre corrigidas quando uma imperfeição é detectada. Vou dar só um exemplo, infelizmente nem todos os leitores conhecem, mas com ajuda do Google Maps dá para entender o que vou dizer.
Via Anchieta, que liga São Paulo ao litoral. Nunca vi estupidez maior do que nessas estrada. Não há uma pista central com laterais, a coisa é completamente maluca. Indo para o litoral inicia-se o percurso pela pista lateral, um pouco diante é que se pode pegar a central, mas que não vai longe, tem-se que voltar para a pista lateral. Mais adiante tem pista central de novo. Pessoal, isso não existe, foge à compreensão até de uma criança. No sentido inverso a confusão é a mesma. É caótico, jeito de coisa provisória.
Via Dutra, que liga São Paulo ao Rio de Janeiro: mesma coisa que na Anchieta. Ali por Guarulhos há mudanças de faixa de rolamento diabólicas, sempre objeto de gigantescos engarrafamentos.
Marginal do rio Tietê: quem projetou a recente obra de ampliação não tem noção de trânsito. Nunca vi nada parecido, ali há uma pista central e duas pistas laterais, três ao todo. Meu Deus, por que não pista central e pista lateral para distribuição aos bairros? Dirigir por ali é coisa que deixa o melhor dos GPS completamente zonzo!
Um exemplo só: o cidadão quer ir para Belo Horizonte pela BR-381, rodovia Fernão Dias. Sabem a que distância fica o acesso para pegar a ponte sobre o rio para pegar a Via Dutra? Fica a 1,8 quilômetro! Quem perder a agulha da pista central para a lateral não conseguirá pegar a estrada que queria, terá que andar 8 quilômetros no sentido leste (Rio de Janeiro) e retornar outros tantos até poder acessar a Fernão Dias. Isso não existe!
Tenho certeza de que muitos leitores conhecem o acesso da Via Anhangüera para o anel viário de Campinas. Nunca vi nada tão complicado, mal-feito, enjambrado. Não é à toa que o trânsito ali engarrafa constantemente.
Esses são só alguns exemplos de como o fluxo é olhado por cima no Brasil.
O ritmo
Seja por má formação, falta de educação, de conscientização ou mesmo interesse, uma grande parte, grande mesmo, dos motoristas não entende que fazem parte de um sistema e que devem envidar todos os esforços para não perturbá-lo. Quando falamos em ritmo aqui no Ae há muitos leitores que entendem nossa mensagem como sendo a de que todo mundo tem andar do jeito que queremos que andem, ou seja, rápido demais. Não é nada disso.
O que pregamos é que o tráfego se movimente com ritmo, sem nada que o perturbe. Ritmo significa todos em velocidades muito próximas entre si e sempre na velocidade-limite da via, que no Brasil é fácil, dado serem baixas demais.
Um exemplo perfeito e que gosto de dar é Estados Unidos, embargo árabe de petróleo em 1981/82. O governo estabeleceu limite de velocidade nacional de 88 km/h como forma de poupar combustível. Só que lá poucos obedeciam a esse limite, andavam na faixa 100~105 km/h, com o beneplácito das polícias rodoviárias.
Numa ocasião, li, uma determinada estrada estava com tráfego lento, congestionado, sem motivo aparente — tinha motivo, uma senhora obedecendo à lei a 88 km/h. Um carro da polícia rodoviária emparelhou com o da senhora e um dos policias lhe ordenou. gesticulando, que acelerasse. Mandou-a que entrasse no ritmo da estrada mesmo que para isso excedesse o limite.
Todos já estamos cansados de notar quando a estrada está cheia as colunas seguem em velocidade bem abaixo da via. Por que isso acontece? Basta um carro em qualquer da faixas rodar abaixo de velocidade da via para que outros comecem a diminuir. Na tentativa de se mudar de faixa, o tráfego ao lado e atrás é atrapalhado e começa a diminuir também. Pronto está formado o engarrafamento “por excesso de veículos”.
Câmeras de supervisão da estrada ou, melhor ainda, um observador num helicóptero são capazes de identificar facilmente o que ou quem está provocando o congestionamento. Isso vale também para qualquer via das cidades, especialmente as expressas.
Por exemplo, é comum se ouvir nos informes de trânsito que determinada estrada está com trânsito congestionado do quilômetro x ao y por excesso de veículos. Sim, e daí? Se é uma estrada e não tem sinal, não poderia haver lentidão, muito menos parada. Essa anormalidade só pode ser provocada por alguma coisa. Se não há obras na pista e nem acidente, a única causa um ou alguns motoristas trafegando fora de ritmo.
Isso se vê até nas cidades, motoristas trafegando sem ritmo num simples rua. Resultado, congestionamentos e mais congestionamentos Quando se dirige no exterior logo se nota uma diferença na postura dos motoristas, eles dirigem com ritmo.
Aliás, não existe perturbação de ritmo maior do que os famigeradas lombadas, inclusive as eletrônicas. ambas autênticos dejetos viários.
Muito bem, eu só quis conversar com vocês desta vez para mostrar alguns aspectos do trânsito que merecem atenção de todos, de nós mesmos e de quem é responsável por ele.
BS