Recentemente, o Bob Sharp abordou aqui no Ae a questão dos motoristas que se acham donos da faixa da esquerda e não dão passagem aos outros veículos e no domingo o texto do Carlos Maurício Farjoun “Sai da frente que atrás vem gente”. Posso listar um zilhão de motivos de por que eles estes motoristas estão errados, mas nossos caros leitores são ultra bem-informados e não pretendo ser repetitiva. Mas o que leva alguém a fazer isso?
Na minha opinião, na maioria dos casos é falta de conhecimento do Código de Trânsito, mesmo. Tem, claro, um componente de orgulho, mas como minha seara é o Clube da Luluzinha aqui, tenho que reconhecer que na maioria dos casos as mulheres encalham na pista da esquerda pelo primeiro motivo – aos homens cabe a segunda desculpa, generalizando, é claro.
Eu mesma já discuti com uma amiga jornalista sobre esse assunto e fui apoiada por outro colega homem. Numa segunda-feira ela comentava o absurdo de um motorista pedir passagem quando ela trafegava na velocidade máxima da estrada, na faixa da esquerda, voltando de um final de semana na praia. Eu quase pulei na jugular dela, caninos à mostra, sedenta por sangue. Ela, distinta senhora, viajada, bem informada (bom, pelo visto não sobre o Código de Trânsito), achava que estava certa.
E basicamente é isso o que acontece. Total desconhecimento das normas de trânsito. Eu já pensei em carregar um lote de exemplares do Código de Trânsito no meu carro e atirá-los aos motoristas que violam as normas, com post-its e marcações com caneta Pilot em alguns trechos, mas me deparei com vários problemas: 1) nem Saraiva nem Submarino têm um grande estoque do dito-cujo; 2) as pessoas normalmente trafegam com o vidro fechado e ele ricochetearia e voltaria para mim, que o conheço de cor e salteado; 3) desconfio que muitos sejam analfabetos funcionais — aquele tipo de pessoa que sabe ler, mas não tem compreensão do que lê; 4) e, por fim, o Art 172 do Código de Trânsito Brasileiro classifica como infração média o fato de atirar do veículo objetos na via.
Assim, tento fazer minha parte de formiguinha. Sempre que posso, falo sobre isso. Os motoristas de táxi são os mais refratários. A esse e a qualquer outro comentário sobre direção, diga-se de passagem. E, pior ainda, se proveniente de uma mulher como eu. Com as minhas amigas e conhecidas, a recepção é um pouco melhor. A maioria simplesmente desconhece que você é obrigado a dar passagem. E aproveito outra paixão minha — as viagens — para comentar: “Você viu as placas na França?: Na estrada, trafegamos pela direita”. E aí engato uma pregação sobre o assunto. Deve ser por isso que coleciono mais amigos homens do que mulheres…
Autobahn – Tenho certeza de que somente uma sólida educação de trânsito mudará isso. A Alemanha é um dos países mais rigorosos na concessão da carta de motorista — mas ao mesmo tempo, em apenas trechos de estradas há limite de velocidade, mesmo quando não têm mais do que duas faixas em cada sentido, às vezes somente uma. Isso sem falar naqueles fantásticos carros que eles têm. E os índices de acidentes? Baixíssimos: morreram 4,3 pessoas por 100.000 habitantes em 2013 ou 6,9 pessoas por 100.000 veículos naquele mesmo ano segundo a Organização Mundial de Saúde. Somente a título de comparação, no Brasil os números, de 2010 (últimos disponíveis, mas os únicos que permitem a comparação, pois a base é a mesma) são, respectivamente, 22,5 e 67,7 mortes – cinco e dez vezes mais, respectivamente, em números redondos. E ainda tem a distorção do número, pois cansei de ler que no Brasil essas estatísticas são subestimadas, pois se o falecimento não acontece na hora, não é considerada morte no trânsito e não entra nestes estatísticas. OK, vocês já sabem da minha opinião sobre estatísticas, mas o que posso dizer sobre estes dados? No mínimo, podemos concluir que velocidade não é o único componente ligado à segurança no trânsito. Ela está muito mais vinculada à forma precisa e segura de dirigir, estradas corretamente construídas e mantidas, e veículos idem.
Certa vez eu dirigia por uma Autobahn no Sul da Alemanha um Renault diesel alugado, motor fraquinho e depois de uma ultrapassagem fui para a faixa do meio, já que a da direita era uma que eu havia visto que “descia” da estrada logo adiante em direção a uma saída. Pois bem, um superpossante Audi tirou o pé para não me ultrapassar pela direita, embora isso não aconteceria por mais do que alguns metros pois ele pegaria a saída, como foi o que de fato ocorreu. Isso é respeito pelas normas de trânsito. Mas veja quantos segundos leva um carro a Alemanha para dar passagem — isso se ele estiver trafegando pela esquerda, o que não é assim tão comum, embora aconteça. E você não precisa piscar farol, dar seta (pois é, isso só no Brasil!) ou rezar para São Cristóvão, o patrono dos motoristas. É que, ao contrário dos (das) brasileiros (as) eles:
– conhecem e respeitam as normas de trânsito
– usam os retrovisores para ver os carros à sua volta e não para retocar a maquiagem e atrasar a saída dos carros quando o farol abre (desculpem, não pude evitar…)
Sou usuária assídua da Rodovia Castello Branco que liga São Paulo à região Oeste do Estado e, embora a maioria dos motoristas que encontro seja de homens, é comum ter de ultrapassar e/ ou sobrepassar pela direita. Caminhão e ônibus, então, nem se fala. Eles acham que por ter três pistas é suficiente que eles trafeguem pela do meio e provocam uma fila interminável de carros na pista da esquerda. E olha que está cheio de placas que avisam: “Caminhões e ônibus, obrigatório faixa da direita”. Eu sempre quis colar uma plaquinha extra com os dizeres: “D-I-R-E-I-T-A, não meio, anta!”.
Mais de uma vez ao reclamar, educadamente, com uma motorista que não me dava passagem me mandaram passar pela direita. É pura falta de conhecimento. E dá-lhe fazer manobras de ultrapassagem pela direita, sem uma correta visibilidade. Aliás, se é para fazer ultrapassagens estilo dunas de Ceará, ou seja, com emoção, recomendo guiar em algumas ilhas do Caribe como Nassau onde a maioria dos carros é dos Estados Unidos, com volante à esquerda, mas a mão é inglesa, resquício da colonização. Mas sugiro carregar um razoável estoque de atenolol por via das dúvidas. No Brasil não deveríamos ter de fazer isso.
Torino – Na categoria chatos, tem também os lesados que pedem passagem quando você está ultrapassando… Nesse caso, é raro ser uma mulher quem faz isso, mas somente porque é raro mulher pedir passagem. Infelizmente, no geral elas empacam na pista da esquerda e nem pedem nem dão passagem. É como se essa faixa lhes pertencesse e ponto. E, sei que vão achar que é implicância minha, mas é na verdade fruto da observação: se forem motoristas de jipes ou suves, pior ainda. Alguém deve ter lhes dito quando receberam as chaves do veículo: esta faixa lhes pertence e se alguém disser o contrário, não acreditem. E se tem algum psiquiatra lendo esta coluna, não, não sou esquizofrênica nem sofro de dupla personalidade. É que apesar de ser mulher, e muito feliz com isso, não ajo como uma muitas vezes e por isso às vezes escrevo “elas fazem isso e aquilo”. É falta de identificação com o comportamento, embora me identifique com o gênero.
Muitos anos atrás, numa estrada da Argentina, meu pai dirigia seu Torino 380 W (na minha opinião, um dos melhores carros que já houve, um super motor 6-cilindros de 3,8 litros, 176 cv, três carburadores, design de Pininfarina… um show de carro) e quando por duas vezes o sujeito da frente se recusou a dar passagem ele não duvidou: encostou o pára-choque e pisou no acelerador, simplesmente “empurrando” o carro à frente a muitos, mas muitos, quilômetros por hora. O outro veículo, um sedã, digamos, normal, não era páreo para aquele monte de cavalos sob o capô e aquele burro (sim, era meu pai, mas essa atitude só pode ser classificada assim) atrás do volante. O sujeito fez a única coisa que podia fazer nessas circunstâncias: segurou firme o volante e, imaginamos nós todos, rezou a todos os santos, orixás e divindades para que aquele maluco desistisse daquela manobra absurda. Isto tudo durou apenas um curto espaço de tempo para meu pai e certamente uma eternidade para o outro motorista. Aí meu genitor tirou o pé do acelerador, foi para a direita, ultrapassou o infeliz e foi embora para só vê-lo pelo retrovisor, lá longe, bem pequeninho.
Só soube desta história meio por acidente quando já era adulta e tive de jurar que nunca, jamais, nem sob tortura, faria algo sequer parecido. E cumpro rigorosamente a promessa, mas confesso que, lá no fundo, já tive vontade de imitar esse péssimo comportamento. Por isso nunca comprei um jipão com quebra-mato e motor mega blaster nitro. Mas, cá entre nós, duvido que aquele motorista tenha levado mais do que três segundos para dar passagem a qualquer outro carro pelo resto da vida dele. Se é que ele voltou a dirigir alguma vez.
Mudando de assunto: Li recentemente que Kimi Räikönnen tem um snowmobile com o qual faz manobras bem arriscadas na neve e no gelo da Finlândia e compete em enduros. E deu a ele o mesmo nome com o qual às vezes faz reservas em hotéis: James Hunt. É, faz sentido…
NG