Sempre tive vontade de ter um carro esportivo, como um Lotus, por exemplo. Em 2002 eu tive condições de realizar este sonho e comecei a ver anúncios de alguns carros, principalmente de Lotus Esprit. Eu dirigi dois que estavam à venda aqui na Suécia. Um meio ruim e um outro muito bom, só que o preço pedido era um pouco no “céu” e o dono não queria entender isso.
Uma tarde conversei com um amigo e ele disse conhecia uma pessoa, Thomas, que tinha um Lotus Esprit Turbo e um TVR. Humm, interessante, pensei.
No outro dia liguei para o tal Thomas e ele me convidou para ver os carros dele. Chegando à garagem conversamos bastante sobre os carros e o Thomas disse que tinha visto um TVR Chimaera e estava em fase de negociar com o dono. Perguntei:
— E o 350i aqui?
— Estou pensando em vendê-lo. Vamos dar uma volta?
No momento em que o motor pegou. . . eu estava “perdido”. Que barulho do motor mais gostoso! Assim não tinha mais jeito, e pensei que se o Thomas vai comprar o Chimaera, eu compro o 350i dele.
Algumas semanas depois chegou um e-mail dele. O Chimaera tinha sido comprado e ele perguntou se eu queria comprar o 350i. Sim, queria, se o preço fosse realista. Negociamos um pouco e entramos num acordo. Comprei o carro.
Um motivo bom para comprar esse carro era que ele foi vendido na Suécia quando novo e tinha volante na esquerda (LHD – left hand drive). Às vezes se vê carros britânicos na Suécia com RHD, volante na direita, tudo bem se é um bom carro com um preço um pouco mais baixo, mas esse TVR tinha um histórico sueco e era LHD, gostei disso.
Assim foram vendidos apenas uns vinte carros aqui na Suécia em 1987 e 1988. Lendo numa revista de carros de 1985, também entendi que tinham vendido mais uns dez carros na Suécia em 1985, por outra importadora pequena. Então, não são mais do que trinta carros como esse por aqui.
Curioso, li o que eles escreveram na revista, e é um pouco engraçado ler uma avaliação completamente séria de um TVR que, basicamente, não tem valor de uso dia a dia. Mas a conclusão do papel, de que este é apenas um carro para se divertir com os dias ensolarados de verão, é exatamente correta. A TVR nunca foi nada além de carros esportivos para diversão, construído de acordo com a receita-padrão para um carro esporte em pequenas séries: carroceria de compósito de fibra de vidro, estrutura tubular e um motor-padrão adequado. As variações sobre esta receita básica são inúmeras, especialmente na Inglaterra, onde a marca TVR nasceu no final dos anos 1940.
O nome TVR é confundido por muitos na Suécia com TWR, que colaborou com a Volvo em Uddevalla, mas as empresas não têm nada a ver uma com a outra e é fácil entender a confusão, os nomes são realmente parecidos. TVR foi fundada por Trevor Wilkinson, TWR era de Tom Walkinshaw, que trabalhou principalmente com diversos projetos de corrida.
O início da história da TVR é complicado, com apenas alguns carros construídos no final dos anos 1940. Nos anos 1950 havia um pouco mais e muitas vezes eram vendidos como kits. Durante os anos 1960, a TVR de “kit car” cresceu com os modelos Grantura e Griffith, mas problemas financeiros levaram Martin Lilley a assumir a empresa em 1965.
Durante os anos 1970, a TVR começou a ficar realmente estabelecida e Martin Lilley liderou o desenvolvimento do novo TVR Tasmin, com forma de cunha bem acentuada, o carro que é a base para o 350i. Mas, assim como a produção de Tasmin começou em 1980, chegaram novos problemas econômicos.
É neste momento que o pai moderno do TVR se mostra, Peter Wheeler. Ele foi treinado como um engenheiro químico e tinha feito sua fortuna na indústria petrolífera britânica, mas era também um grande entusiasta do carro esporte e viu nele um grande potencial para o desenvolvimento da TVR. Peter Wheeler simplesmente comprou a pequena fábrica em Blackpool.
O TVR Tasmin foi lançado como cupê e conversível, com um V-6 de 2,8 litros da Ford sob o capô. Peter Wheeler queria ter mais cavalos lá e a idéia para complementar o V-6 com um V-8 era lógica. Em 1983, dois anos após a aquisição, lançaram o TVR 350i e o sucesso é um fato. O motor é o pequeno V-8 de 3,5 litros, todo de alumínio, da Rover. Um motor que foi vendido para muitos fabricantes diferentes na Inglaterra, como MG, Morgan, Ginetta, Triumph, enquanto ele também era usado em vários modelos da linha Rover. O motor foi projetado nos EUA pela GM, e terminou no início dos anos 1960 na casa das centenas de milhares de carros da BOP (Buick, Oldsmobile, Pontiac).
E esse mesmo motor foi a base do Repco 3-litros, que propulsionou o Brabham de Fórmula 1 em 1966, dando o titulo de Construtores à equipe Brabham e de campeão a Jack Brabham, dono da equipe e piloto. A façanha repetiu-se no ano seguinte, com Denny Hulme campeão e Jack Brabham, vice.
Infelizmente, os designers americanos eram desacostumados a fazer um motor de alumínio, e ele veio a sofrer de vários problemas de refrigeração e lubrificação. Além disso, é necessário um tipo diferente de glicol, algo que poucos clientes e oficinas compreendiam. A GM deixou de produzir o motor em 1963 e vendeu os direitos de fabricação para a Rover. Rover resolveu os problemas e fez um motor de automóvel que é um clássico, foi produzido em várias versões diferentes por todo o caminho, até chegar a 5 litros na década de 2000.
Mesmo com muitas melhorias com o tempo, há detalhes importantes para quem gosta de fazer manutenção em carro. O grande filtro de óleo preto não pode ser removido de qualquer maneira, sem cuidado. Se demorar muito tempo antes que um novo entre no lugar, a bomba de óleo esvazia. É importante verificar a pressão de óleo no manômetro do painel depois de uma troca de óleo.
Foi uma sorte grande para TVR e para Peter Wheeler, que sempre queria lançar versões cada vez mais potentes. O 350 tornou-se 390, 400, 420 e finalmente 450, com cerca de 300 cv selvagens no pequeno “wedge” – cunha – o apelido inglês do TVR nessa forma.
TVR 350i tem uma forma angular em cunha acentuada que lembra muito os Lotus da década de 1970. Isso porque Martin Lilley contou com a ajuda do ex-designer da Lotus, Oliver Winterbottom, durante a concepção do modelo.
De 1979 a 1991 a TVR produziu pouco mais de 2.600 “wedges”, um sucesso formidável para o padrão da TVR. Este carro lançou as bases para um sucesso ainda maior da TVR na década de 1990, mas essa é outra história.
Eu realmente gosto muito de sons deliciosos de motores em veículos estranhos e sempre tive uma sensação especial ao embarcar neste 350i de 1987. Mesmo sendo um carro esportivo pequeno é surpreendentemente confortável na cabine, o banco revestido em couro é macio e confortável e a maior parte do interior é também em couro, como o grande e amplo console central , painéis das portas e painel de instrumentos.
O console central é alto e largo e funciona muito bem como apoio de braços. O tamanho depende de vários fatores, em primeiro lugar é o V-8 que fica atrás do eixo dianteiro, e, por isso o câmbio fica quase no meio do carro. O carro tem chassi tubular que vai com seus quatro tubos principais em torno do câmbio, coberto pelo console central ou túnel, como você quiser chamá-lo. Certamente que lembra o Lotus nessa característica, não é tão estranho, já que o “wedge” foi extensamente desenvolvido por Ian Jones, que trabalhou muitos anos na Lotus.
Entre os pedais é um pouco apertado, por isso você tem que ter sapatos finos para operar os pedais, mas funciona bem e sem problemas. Na revista de 1985 o carro mostrou a embreagem pesada, mas eu não acho que há muito o que falar, tão pesado quanto em um De Lorean, ou um supercarro da década de 1970, não é. O volante é ajustável em altura e distância, é fácil encontrar uma boa posição de dirigir.
Como a alavanca de câmbio vai quase em linha reta para dentro da caixa e esta fica na região onde se senta, a alavanca fica bastante longe do volante, mas você se acostuma rapidamente e ela tem uma sensação mecânica agradável.
Quando se dirige o TVR o tipo do som do motor vai mudando em diferentes velocidades e cargas, a partir de um ronco rouco nas baixas rotações, para um ronco alto e “cru” em altas rotações. Quando em freio-motor se escutam vários “pops e bangs”, este é um som do motor que é simplesmente muito, muito delicioso, não é muito estranho que esse ronco exista para escutar no serviço streaming de Spotify e iTunes.
Esse 350i tem o sistema de escape “inglês”, com apenas um silenciador, mas havia uma versão européia (continental, como dizem os ingleses…) do sistema de escape, com um silenciador adicional localizado sob o compartimento de bagagem. Se esse TVR foi vendido novo assim, ou se foi modificado mais tarde, não está claro, mas pode ter sido feito pelo primeiro dono, já que ele fez algumas pequenas atualizações no carro. Há, por exemplo, uma barra de proteção atrás e por cima dos bancos e os freios dianteiros do carro são ventilados, que chegou só com o motor 390. Até os dois furos para entrada de ar na dianteira do 390 para arrefecer os freios, existem nesse 350i.
Quando se freia um pouco mais forte antes de entrar numa curva, se pode sentir uma ligeira tendência para escorregar o eixo dianteiro. A suspensão vem do Ford Granada MkII, mas para obter a mesma bitola dianteira e traseira, e também ter o mesmo padrão de parafuso para as rodas, há placas adaptadoras sobre os cubos das rodas dianteiras.Isto, naturalmente, afetou o raio de rolagem (ou seja, tornou-se ainda mais positivo), então você tem que manter o controle das configurações de roda e não colocar pneus muito largos e duros na frente.
Este TVR tem também buchas de poliuretano para os braços longitudinais, o que também ajuda um pouco. Nas curvas o carro fica muito “plano” sem muita inclinação (rola pouco) e é muito, muito divertido dirigi-lo em estradas sinuosas. O carro é baixo e você se senta baixo nele, além disso, praticamente tudo no carro que pesa algo é colocado entre os eixos, e ele devora curvas com grande apetite.
Quando você vê o carro pensa que a distância entre eixos parece muito curta, mas isso é uma ilusão, provavelmente devido ao nariz longo, e porque parece que o motorista senta-se à frente do eixo traseiro, mas o fato é que a distância entre eixos de 2.390 mm é 40 mm centímetros maior do que a do Porsche 911 de penúltima geração, o 997 (no atual, o 991, é 2.450 mm).
O teto conversível do TVR é um pouco diferente. É simples, sólido e, acredite ou não, à prova d’água, embora seja um carro britânico! A parte acima dos ocupantes é rígida, de compósito de fibra de vidro, e esta parte se tira do lugar para guardar no porta-malas, que já tem o estepe e é bem pequeno.
Com a capota levantada o carro parece estranho, para dizer o mínimo, mas é um teto fácil de manusear e a função é boa.
E como se encontra peças agora, já que a TVR foi à falência em 2006? Nenhum grande problema, agora que temos a internet. Depois de alguma pesquisa, você vai encontrar o que precisa, e o carro é em alguns aspectos, uma miscelânea de vários componentes padrão.
Motor e caixa do Rover SD1. O diferencial da transmissão final com freios a disco internos, vem da fábrica Jaguar, e é igual a o de um XJ6. Cubos de roda traseiros têm TVR escrito nele, mas os rolamentos são SKF. Suspensão dianteira com freios do Ford Granada, interruptores, fechaduras e outras coisas também são da Ford.
Lanternas traseiras são da Renault, e estão de cabeça para baixo no TVR, já que as lanternas foram assim utilizadas. É um bom método de disfarçar peças originais de outro carro. O sistema dos faróis escamoteáveis são do Triumph TR7. Nada é realmente muito complicado ou caro neste veículo.
Chegou 2013. Dez anos felizes com o carro. Chegou a hora de ter algum outro, e uma parte da decisão em vender o carro era o fato de minha filha estar crescendo, grande demais para ficar no “booster seat”, assento de elevação para crianças especial que eu tinha feito para colocar por cima do console/túnel, nos momentos quando meu filho estava sentado no outro banco normal.
Essas fotos eu tirei no verão passado, era a minha última tarde com o carro, e o rapaz feliz nas imagens é o novo dono, Bengt. Boa sorte com o carro, eu tenho saudade dele.
O velocímetro vai até 260 km/h, mas a velocidade máxima é na melhor das hipóteses cerca de 220 km/h. O conta-giros não tem faixa vermelha a 6.000 rpm, quando o V-8 tem um rugido violento indicando que é hora de engatar a próxima marcha. O novo dono normalmente dirige muito mais calmo do que isso.
Em quinta marcha são quase 40 km/h por 1.000 rpm, de modo que a 100 km/h se anda a pacatas 2.500 rpm.
E o que tem na minha garagem agora? Isso é uma história para outro dia…
Ficha técnica
TVR 350i 1987
Motor: dianteiro, montado atrás do eixo. V-8 de alumínio. Comando no bloco, duas válvulas por cilindro, varetas com tuchos hidráulicos. Cilindrada 3.532 cm³, diâmetro e curso 88,9 x 77,1 mm. Taxa de compressão 9,75: 1. Injeção eletrônica Lucas. Potência, 190 cv a 5.300 rpm, torque de 30,4 m·kgf a 4.000 rpm.
Câmbio: manual de 5 marchas, tração traseira.
Carroceria: Poliéster em estrutura tubular. Duas portas e dois lugares, conversível.
Suspensão: independente com molas helicoidais, semi-árvores de tração agem também com braços de controle superiores na suspensão traseira.
Direção: pinhão e cremalheira, assistência hidráulica, 3,5 voltas entre batentes, diâmetro mínimo de giro 9,5 metros.
Freios: Discos nas quatro rodas, traseiros internos junto do diferencial.
Rodas: liga leve de 7 polegadas. Pneus 205/60R15.
Dimensões e peso: comprimento 4.010 mm, largura 1.730 mm, altura 1.200mm, distância entre eixos 2.390 mm , bitolas 1.440 mm. Peso em ordem de marcha 1.250 kg. Capacidade do tanque 63 litros.
HJ
Fotos: autor