Esta matéria vai continuar abordando os ruídos, vibrações e asperezas geradas pelo funcionamento do veiculo e sua interação com o meio ambiente.
Recomendo ao leitor que leia a primeira parte da matéria Caixa de Pregos, introdutória a esta segunda parte que começamos a escrever.
Os ruídos que conseguimos ouvir em freqüência, nível e qualidade sonora estão na faixa entre 20 Hz e 20.000 Hz.
As vibrações sentidas no corpo são movimentos entre 0,5 e 60 Hz, caracterizados em freqüência, nível e direção.
As asperezas são sensações de ruído com vibrações associadas.
É o NVH, noise, vibration and harshness que continuaremos como tema desta matéria.
Normalmente, quando a freqüência de excitação de um corpo coincide com sua freqüência natural, ocorre a ressonância, que nada mais é do que um pico de aumento de amplitude com muita energia associada.
A freqüência natural de nossa cabeça varia em torno de 20 Hz em seu modo axial. Quando a frequência de excitação proveniente do movimento da carroceria se igualar com 20 Hz, a cabeça pode entrar em ressonância causando desconforto. E assim vale para todos os órgãos do nosso corpo, com reações de cansaço físico , sonolência, dores de cabeça, enjôos etc.
É por isso que o ajuste das suspensões em frequência e amortecimento, somados à rigidez da carroceria e conforto dos bancos, fazem parte do processo de evitar que o fenômeno ressonante chegue aos ocupantes do veículo.
Continuando…
ROAD NVH
É o NVH em rodagem. Ruídos, vibrações e asperezas que chegam aos ocupantes do veículo dependendo do tipo de piso, dos pneus, da isolação do chassis, suspensões e carroceria, incluindo os bancos.
O mais difícil em um projeto é estabelecer qual o NVH aceitável para cada situação de rodagem, asfalto/concreto liso, asfalto/concreto rugoso, piso seco e molhado, piso de terra e cascalho, buracos, valetas, passagem em cruzamento de via férrea, lombadas etc.
Soluções para NVH normalmente envolvem custos que são ponderados no projeto, considerando sempre a categoria do veículo. O que pode ser aceitável para um modelo de entrada pode não ser para um modelo de luxo. Este balanço realmente é muito difícil de ser conseguido pelo time de engenharia. O processo de desenvolvimento envolve também avaliações comparativas com veículos concorrentes para se obter um julgamento de aceitabilidade.
Creio que o leitor se lembra do Fiesta (BE91) em sua quarta geração. O modelo ficou marcado como um dos melhores conjuntos feitos no Brasil. Tinha estabilidade invejável, freios potentes e excelente isolação de suspensão e carroceria, passando a sensação de um veículo de classe superior. Veículo excelente porém desbalanceado em custos. Era muito caro para ser produzido em sua classe, diminuindo os objetivos de lucro da empresa.
Sempre falo em meus posts que o compromisso de ser bom, bonito e barato é fundamental para o consumidor e para a empresa. Nunca pode ser desvinculado de um lado ou para o outro.
Vale a observação que as reclamações de NVH por parte do consumidor geralmente são associadas ao não esperado. Por exemplo, ao se trafegar em um estrada com pavimento liso espera-se que o veículo seja silencioso em rodagem. Se não for, provavelmente vai gerar reclamações de campo.
Eu viajo muito entre Tatuí e São Paulo pela rodovia Castello Branco e encontro trechos de asfalto muito rugoso que induz um ruído de rodagem muito alto, incluindo forte aspereza que muito me incomoda. Já avaliei veículos de várias marcas nestes trechos e todos apresentam o mesmo comportamento, sem exceção. Não tem jeito, é uma característica de piso mal feito e não um defeito do veículo e que o consumidor certamente vai entender.
Os pneus, dependendo de seu desenho, são mais ou menos ruidosos em diversas situações.
Pneus que no asfalto liso e seco fazem um ruído como se o piso estivesse molhado (“shhhhhhhh”).
Alguns pneus são mais ruidosos em curvas que outros dependendo de seu desenho, composto e estrutura. É o fenômeno de cantar pneu (tire squeal).
Independentemente de mais ou menos ruidosos, os pneus têm relação direta com a estabilidade, conforto, limites de aderência e com o comportamento direcional do veículo. Todas estas características devem ser ponderadas na escolha de uma marca específica.
Alguns pneus se desgastam irregularmente com a quilometragem induzindo vibrações para a carroceria e volante de direção. E não adianta tentar balancear as rodas que o problema persiste. É o chamado pneu quadrado.
Os ruídos provenientes do sistema de suspensão e direção são sempre relevante,s pois podem transparecer um problema mecânico e/ou que alguma coisa vai quebrar. Um exemplo típico é a chamada queda de roda que nada mais é do que um forte ruído de impacto no final de curso de extensão dos amortecedores, normalmente sentido em passagem por lombadas. A solução para este problema é a adoção de um batente hidráulico para amortecer o seu final de curso.
Outro ruído que incomoda é o de impacto no contacto do pinhão e da cremalheira da caixa de direção, sentido em pavimento irregular com pequenos buracos. É o chamado knocking noise. A solução para este problema é a sintonização do amortecimento da caixa de direção no contacto do pinhão com a cremalheira (carga de mola, acabamento dos dentes e mancais de escora). Os sistemas de direção com assistência hidráulica são menos susceptíveis a ruídos de impacto pelo amortecimento do próprio fluido.
SQUEAKS & RATTLES – Rangidos e Chocalhos
Os rangidos e chocalhos são espúrios e não esperados. São causados por peças soltas, interferência dinâmica entre componentes, folgas críticas, incompatibilidade de materiais e também, o mais comum, causado por objetos pessoais no porta-luvas e console. S&R são os abomináveis ‘nhec nhec’, ‘toc toc’, ‘tic tic’ que tanto incomodam os ocupantes do veículo e que geram o maior numero de reclamações por parte do consumidor.
Os S&R devem ser tratados e evitados no início do desenvolvimento veicular, com um projeto robusto que leve em consideração a compatibilidade de materiais, as dimensões e as folgas críticas entre componentes. Depois que o veículo estiver em produção, corrigir os rangidos e chocalhos se torna um trabalho muito complicado, tanto na identificação quanto na solução do problema.
Outro ponto importante para ser tratado logo no início do projeto é a eficiência da isolação da suspensão, motor, transmissão e carroceria. Quanto mais eficiente for a isolação, tanto menor a probabilidade de ocorrência de S&R.
Os sistemas mais susceptíveis a S&R são o painel dos instrumentos, o acabamento das portas, o mecanismo de levantamento/ abaixamento dos vidros, as fechaduras das portas e tampa traseira/ porta-malas, o porta-pacotes, o porta-luvas, o console central, o forro do teto, os chicotes elétricos e as chapas de proteção térmica entre o escapamento e a carroceria.
O painel de instrumentos, por exemplo, deve ser bem estruturado e bem apoiado na viga transversal da carroceria, a car cross beam, sendo capaz de absorver os movimentos da carroceria, principalmente a sua torção. Os chicotes elétricos devem ser positivamente fixados a ele evitando chocalhos.
As fechaduras das portas e tampa traseira são muito críticas em geração de ruído e seus projetos devem contemplar uma boa isolação entre os componentes internos e também com o pino de ancoragem. Me lembro muito bem, aliás nunca vou esquecer, do sistema de fechadura do swing gate do antigo EcoSport. Foi um dos itens mais problemáticos em termos de S&R que conheci. Gerou inúmeras reclamações de campo que não pudemos solucionar nem a curto e nem a médio prazo, sendo somente resolvido na segunda geração do EcoSport, felizmente.
Equipamentos específicos são utilizados no desenvolvimento veicular para ajudar na detecção e solução dos S&R. Um deles é o 4posters que nada mais é que um vibrador gigante que excita o veículo através dos 4 apoios das rodas. Pode-se programar qualquer tipo de evento e/ou varredura de freqüências para que sejam reproduzidos no 4posters ajudando a detectar a origem dos S&R.
Normalmente os 4posters são instalados em câmaras isoladas e com pouca reflexão sonora para facilitar a precisão das medições e analise dos resultados.
Outro equipamento muito interessante é o Noise Vision,que é uma esfera com arranjo de microfones e microcâmeras que identifica o som em sua origem e intensidade através de um sonograma 360-graus. O software que controla o sistema é propriedade da Ford Motor Company.
Pistas especiais com vários perfis e eventos dentro dos campos de provas também são utilizadas para a detecção de ruídos e vibrações, facilitando identificar o modo e a condição de S&R de um determinado veiculo.
WIND NOISE – RUÍDO DE VENTO
É o ruído gerado pelo fluxo de ar ao redor do veículo em movimento. Quanto melhor o perfil aerodinâmico do veiculo, tanto menor o ruído de vento.
Ruídos provenientes de vazamentos, furos e vedação deficiente da carroceria, normalmente são caracterizados por assovios.
Ruídos de vento com os vidros semi-abertos são considerados problema quando houver batimento do ar junto ao ouvido gerando muita pressão sonora.
Os espelhos retrovisores externos são normalmente uma fonte de ruído de vento. Os de um só corpo são melhores do que os formados por varias peças encaixadas.
Fica aqui o elogio ao Chevrolet Vectra de 2ª geração, o de 1996. Com design arrojado para a época, foi o grande sonho de consumo da classe média. Tinha uma aerodinâmica super-eficiente, Cx=0,29, com destaque ao desenho streamlined dos retrovisores externos. Um ícone certamente.
Equipamentos detectores de vazamentos da carroceria são muito importantes para a identificação da origem do ruído de vento tipo assovio.
O “cheirômetro”, como é carinhosamente chamado pela engenharia, é um emissor e um receptor de alta freqüência capaz de identificar até pequenos furos não perceptíveis visualmente.
OUTROS RUÍDOS
– Ruído de movimentação do combustível dentro do tanque, slosh noise.
Comportas instaladas dentro do tanque de combustível normalmente resolvem o problema, minimizando o impacto do líquido nas paredes do tanque.
– Ruídos externos proveniente do meio ambiente, tráfego, por exemplo.
Uma boa vedação da cabine, borrachas das portas e canaleta dos vidros principalmente, minimizam o ruído externo.
– Ruídos da chuva impactando o teto da cabine.
Normalmente a adição de manta isoladora e/ou placas de material termofundente entre a carroceria e o forro do teto minimizam o ruído do impacto da chuva.
– Ruído de impacto de pedrisco nas caixas de roda
Adição de cobertura isoladora no interior dos pára-lamas minimizam o problema
– Ruído em piso molhado com a água impactando o assoalho e os pára-lamas.
Placas de material termofundente no assoalho e mantas isoladoras resolvem o problema.
– Ruído de funcionamento das palhetas do limpador do pára-brisa e vidro traseiro
Depende do ângulo da palheta, da força contra o vidro e do composto da borracha.
– Ruídos durante a frenagem, contacto pastilha disco e/ou lona tambor.
O compromisso de frenagem com ausência de ruído é um trabalho árduo para os engenheiros de desenvolvimento de freios. O coeficiente de atrito dos materiais e seus compostos influenciam diretamente no ruído e na eficiência de frenagem, dificultando o trabalho. Obviamente a eficiência de frenagem é o fator mandatório para o compromisso (trade off).
– Ruídos de alerta
São os sons necessários para alertar portas e janelas abertas, luzes acesas, seta do pisca, cinto de segurança etc.
Estes sons normalmente se situam na faixa de freqüência de 1.000 Hz, que é a freqüência média natural do tímpano do ouvido. Sua freqüência e intensidade são a garantia para que o motorista seja sempre alertado em todas as situações.
– Legislação
Além de agradar o consumidor, o veículo deverá agradar também os órgãos governamentais, pois existe legislação rigorosa para o limite de ruído de passagem (pass-by noise), aquele percebido por quem presencia um carro em movimento.
O teste legislatório nada mais é que o veículo passar acelerando em pista homologada com microfones registrando o ruído externo emitido.
Enfim, o desenvolvimento de um pacote acústico que seja leve, eficiente e barato é o grande desafio dos engenheiros para que o veículo seja eficiente, leve e barato.
CM
Material ilustrativo: acervo pessoal do autor, revista Quatro Rodas.