Não, por favor, não me tome por aqueles “xiitas” que participam de fóruns na internet, para quem nada presta a não ser seu objeto de devoção. Curtia os Mavericks, Dodges, Passats, Fiats, Fuscas e tudo que tivesse rodas e motor, mas desde o princípio os Opalas eram especiais.
Arrisco dizer que é um caso de amor uma vez que, além de admirar suas qualidades, passei a respeitar suas características e até relevar seus defeitos que, admito, não eram poucos.
Dizem que preferência por marca de veículos é típico das famílias americanas. A fidelidade é transmitida de pais para filhos, de forma que quem é adepto da Ford nunca terá um Chevrolet. Seria uma questão de traição.
Aqui no Brasil é diferente, mas, se assim o fosse, minha família seria VW desde sempre, dada a infindável serie de Fuscas em casa. Acho que a mudança começou lá pelos idos de 1969, quando artistas globais, (é, eles já existiam), e um craque de futebol (do time arquirrival), apareciam em propagandas de televisão, com uma expressão maravilhada no rosto, dirigindo um misterioso veículo. Prometiam que nosso próximo carro estava chegando.
De fato, apareceu primeiro nas concessionárias, nas ruas e na casa dos vizinhos mais endinheirados, despertando minha atenção imediata. Não sei explicar por que, mas já achava esse carro o máximo. Acompanhava as conversas entre os adultos e ouvia os elogios, muitos, e as várias críticas quanto a corrosão, estabilidade, consumo etc.
Sucesso de vendas e de público, só efetivamente chegou em casa em 1974 quando meu corajoso pai comprou um, 0-km, Especial, quatro portas, quatro cilindros, três marchas, laranja metálico, igualzinho ao modelo da foto. Corajoso por que, além de “encarar” um financiamento de 24 meses, estávamos em pleno “Choque do Petróleo”, no qual a Opep havia resolvido valorizar seu “ouro negro” e, vamos combinar, apesar de seu modesto quatro-cilindros o Opala nunca foi um expoente em termos de consumo.
Seja como for, para um garoto de 12 anos, rato de oficinas e publicações especializadas, aquilo foi um marco, algo para lembrar o resto da vida. Para quem rodava de Variant, com aquele barulhento motor dentro do carro e sua disposição de porta-malas para lá de excêntrica, foi uma revelação. Então, aquele silêncio e aquela maciez eram um Opala? Aquele espaço interno e aquele desempenho (minha comparação era com a Variant, lembram?), era um Opala? O que era admiração virou paixão imediata.
As viagens eram mágicas, os passeios inesquecíveis, e acredito que foi nesse momento que comecei compreender que, muitas vezes, o caminho é mais importante que o destino.
Para complicar começava a me interessar por corridas de carros, e os Opalas reinavam absolutos já algum tempo. Pedro Victor Delamare, Ciro Cayres, Bob Sharp eram os ídolos, embora esse último tivesse nos traído e passado para os Mavericks, posteriormente, simplesmente massacrando miseravelmente meus queridos Opalas por muito tempo.
Infelizmente, o Opalão ficou conosco apenas três anos. A gasolina estava num preço muito alto, pesava no orçamento doméstico e meu pai, apesar de ficar com o carro parado o dia todo, fazia um deslocamento relativamente longo para ir trabalhar. Contra minha vontade foi vendido com cerca de 50 mil quilômetros, em excelente estado mas muito desvalorizado justamente pelo consumo. Deu lugar a um modelo mais moderno e econômico, “0-km” (novamente VW, vejam só!).
Apesar de não curtir tanto o carro novo (que para mim era inferior ao Opala em tudo), compreendi a mudança, pois começava a tomar consciência do mundo. O combustível subia muito mais que a inflação, nosso glorioso país numa pindaíba de dar dó, e na vida você precisa estabelecer prioridades. Outro ensinamento marcante que me ficou foi o de que, nem sempre, o que é moderno é melhor. Talvez seja mais eficiente, talvez seja mais adequado, mas o conceito de melhor, para cada um, vai muito além disso.
Continuei admirando o Opala agora apenas a distância, tirei minha carteira de habilitação (claro, num Fusca), e comprei com meu limitado salário de estagiário, já adivinharam, um Opala cupê preto com oito anos de uso, enferrujado e com motor fundido, sonhando um dia repará-lo. Lógico, precisei vendê-lo assim que tive necessidade de um meio de transporte de verdade. Ainda não era dessa vez que teria um.
Cada vez mais ligado em automóveis, comecei a participar do mundo das competições, através das oficinas que freqüentava e dos amigos que fazia no meio. Inicialmente “carregando pianos” e depois já ajudando na montagem e preparação, entrei algumas vezes na pista a título de “aquecer o carro”, “amaciar o motor” e outras desculpas para lá de esfarrapadas que a organização de Interlagos fingia não ver, (sem dúvida, outros tempos!). O caminho natural era procurar tirar minha licença de piloto e, assim que as condições econômicas permitiram, foi o que fiz. Nas competições, adivinhem quem reinava absoluto na mais importante categoria nacional? Ele mesmo, e numa das mais importantes categorias paulistas, também. Quem sabe não conseguia pilotar um.
Escola de pilotagem concluída, continuei andando nos carros de corrida em que dávamos assistência, porém, sem dinheiro para sustentar o novo vício. Tempos depois, já numa fase financeira melhor, já com um pouco mais de “braço”, resolvi alugar um Maverick ou Dodge de uma categoria relativamente barata da época para fazer algumas provas, mais para “fazer horas de vôo” do que por qualquer outra razão.
Através de um amigo, fui colocado em contato com um piloto até bastante conhecido que tinha um carro para alugar, mas não do que eu queria. Falou que era um carro razoavelmente novo, recém-comprado de uma categoria nível nacional e que ele iria utilizar no torneio paulista, mas como havia necessidade de adequação ao regulamento e ele não tinha dinheiro para fazê-lo naquele final de ano, o carro estava à disposição.
Fui ver o carro e, já adivinharam novamente, era um Opala. Monobloco 1980, pronto para corrida, motor um tanto cansado mas com uma ótima preparação e, felicidade suprema, um aluguel camarada para ajudar o novo amigo a quitar o carro, já que estava ainda devendo uma boa parte. Me fez prometer que não iria participar de competições, apenas treinos, já que iria usar o carro na próxima temporada e não queria correr riscos. Para mim não fazia diferença, pois mal tinha dinheiro para o aluguel, combustível e pneus.
Os treinos que fiz com esse carro foram o mais próximo do céu que imagino chegar. O carro era ótimo, seu comportamento irrepreensível (para um Opala de corrida, claro), seu desempenho magnífico (para um carro de corridas da época, claro); isso tudo aliado aos meus pouco mais de 19 anos, fizeram com que os tempos de volta me colocassem em torno da décima quinta posição num hipotético grid de largada do torneio paulista da categoria. Num universo de mais de quarenta carros por largada, nada mau! Eram os primeiro motores movidos a álcool de competição. Falhavam, tossiam, engasgavam e rateavam com uma freqüência impressionante mas, rapaz, quando limpavam era diversão pura.
Porém, aqueles treinos me fizeram enxergar uma triste realidade: os pneus derretiam, o combustível desaparecia do tanque mais rápido do que se tivesse um furo, (cheguei a fazer média de 750 metros por litro). Para levar a brincadeira em frente era preciso patrocínio, e forte. Minha intenção era só diversão e, por isso, esgotado o caixa, com “dor no coração”, devolvi o carro ao amigo que fez bastante sucesso com ele no ano seguinte.
Suprema traição ao meu antigo amor, a noiva foi levada à Igreja no dia do meu casamento por um Galaxie (foi um presente, não tinha como falar não). A partir de então, além do meu carro e o da esposa, pequenos e econômicos, sempre tivemos um Opala ou uma Caravan na garagem, fato somente possível por ela também compartilhar dessa paixão (isso ela já trazia de família).
Alguns anos depois, por incentivo da “dona da casa” (Santa mulher!), voltei a correr no Campeonato Paulista, (não, desta vez não foi com Opala), mas sempre sem grandes pretensões e sem empatar muito dinheiro, apenas para “refinar a técnica”. Por essa época, o carro de corrida passou a ocupar o lugar do carro de curtição, já estávamos comprando carros novos e os Opalas afastaram-se da nossa vida.
Já com filhos, precisamos de um carro realmente grande para viajar (minha mulher só não leva o papel de parede, mas compra no caminho), e como o uso seria limitado não pensamos num novo. Procurei um ano e meio e finalmente achei (enganaram-se no modelo mas não a marca): uma Bonanza em ótimo estado. Completamente revisada em sua mecânica, e depois funilaria e pintura, foi um carro em que fizemos longas e inesquecíveis viagens.
Com o sucesso do projeto Bonanza, comecei a pensar se não podia fazer a mesma coisa com um Opala. Imaginava pegar um 1974, igual ao do pai (nessa altura, recém-falecido), refazê-lo e deixá-lo como novo carro de curtição, por que não?
Desisti após muita procura. A produção de veículos naquela época era muito baixa, o modelo se desvalorizou muito naqueles tempos (o que fez com que muitos não fossem conservados e acabassem sucateados prematuramente), era um carro muito usado em serviço de táxi e afins, ou seja, o que sobrou ou era sucata ou estava absurdamente caro. Porém, na busca encontrei um 1980, cupê, azul, igualzinho ao modelo e cor do monobloco que aluguei para treinar em 1982. Seis meses de negociação e duas viagens à cidade em que o carro estava (distante 400 km de São Paulo), eis que surge um novo Opala em minha garagem.
Pela ligação que a memória fazia, pensei com carinho em fazer dele um carro de corrida de época. A idéia era utilizar o regulamento da década de 1980 e colocar numa categoria que estava surgindo em São Paulo, composta por carros antigos desse período. Também desisti ao ver o regulamento e constatar os “canhões” que se faziam com Chevettes, Fuscas e quetais, todos com motor AP. Meu plano era curtir, não partir para selvageria.
Acabei fazendo o Opala totalmente original, quatro cilindros, modelo L, pé-de-boi da linha na época. Levou três anos e o valor de um popular 0-km, mas valeu muito a pena.
E como eu não fiz o carro de corrida, mas queria andar novamente com um 250-S, acabei comprando uma Caravan Comodoro 6-cilindros, único dono, sem ar-condicionado, que vai receber um motor trabalhado (já em acabamento), e da qual também vou tirar a direção hidráulica para tocar “à moda”.
Por esse mosaico de boas recordações que reafirmo ser o modelo que marcou a minha vida. E agradeço por poder compartilhar com vocês.
Abraços a todos.
ooooo