São vários os exemplos de veículos que não deram certo ou não atingiram as expectativas do consumidor no mercado brasileiro: Toyota Etios, Renault Symbol, Peugeot Hoggar, Nissan Tida Sedan, Hyundai Veloster, Fiat Linea, Mercedes classe A, Peugeot Escapade, VW 1600 quatro portas (“Zé do Caixão”), Seat Ibiza, Dodge Polara, entre muitos outros, incluindo a picape Ford Courier.
Eu já havia abordado a Courier em Fiesta uma história de sucesso no Ae e me deu vontade de escrever mais um pouco a respeito da picape que não teve a aceitação esperada no mercado brasileiro.
E foi em 1994, com a idéia de globalização pegando força, que foi iniciado o projeto PVW-175 de uma nova picape para substituir a veterana Pampa, derivada do mais veterano ainda Ford Corcel. Substituir a Pampa não era tarefa fácil, pois ela tinha um nome muito forte no mercado brasileiro como utilitário “pau pra toda obra”, tendo muita aceitação como utilitário para trabalhos no campo, fazendas e, particularmente, como veículo suporte nas usinas de processamento da cana-de-açúcar para produzir álcool.
E veio a pergunta, o que a substituta da Pampa deveria conter para incrementar mais ainda o seu sucesso? E para isso iniciamos ampla pesquisa de mercado com os seus proprietários para entendermos os pontos fortes e fracos que pudessem balizar o novo projeto.
Aprendemos que a nova picape deveria ser mais confortável, ter melhor posição de dirigir, ter melhor ventilação interna, ter melhor vedação contra água e poeira, ter menos ruídos internos e, finalmente, ter os problemas de corrosão das chapas e durabilidade da pintura sanados. Os pontos fortes como durabilidade, economia de combustível, desempenho/ torque em baixa rotação, estabilidade direcional e manobrabilidade. deveriam ser mantidos. Todos estavam contentes com o tamanho do veículo incluindo a sua caçamba de bom volume.
Foi um choque para a engenharia quando o departamento de marketing anunciou que o nome da nova picape seria Courier e que o nome Pampa seria descontinuado. Não que o nome Courier fosse feio, mas Pampa já tinha o reconhecimento do consumidor e não precisaria ser mudado, em minha opinião. A explicação que nos foi dada é que o nome Courier já tinha uma boa imagem no mercado mundial, sendo utilizado pela Ford desde a década de 1950 em seus utilitários.
O Courier Van (furgão) fabricado na Europa com base no Fiesta Mk-IV tinha sua carroceria toda integrada em chapa estampada, se mostrando um veículo-baú bem prático para transporte de pequenas cargas em uso urbano, como o Fiat Fiorino.
Os trabalhos de engenharia foram iniciados no Brasil em conjunto com a Ford Europa na Inglaterra, com o Courier Van servindo de base para a o projeto da nova picape. A exigência de marketing é que a nova picape deveria ter também aparência jovial e utilidade esportiva, para o transporte de motocicletas, jet skis etc.
O Courier Van tinha a sua suspensão traseira independente tipo braço arrastado com barra de torção (como a da Peugeot Hoggar), não se prestando para o uso severo como seria a condição da nova picape. A decisão foi adotar eixo rígido molas parabólicas de lâmina única e auxiliares em poliuretano, trabalhando em compressão. A sua plataforma também deveria ser modificada estruturalmente para a adaptação da nova suspensão traseira. O projeto foi conduzido na Ford em Dagenham na Inglaterra, com a participação de muitos engenheiros brasileiros . Tenho boas recordações deste trabalho conjunto que muito nos enriqueceu em conhecimento técnico e relacionamento interpessoal.
Gostaria de compartilhar com o leitor algumas fotos que me trazem boas lembranças.
A Inglaterra é especialista em manter veículos antigos em estado de novo, graças à rigorosa inspeção veicular obrigatória que não permite “gambiarras”, exigindo trabalhos de restauração de qualidade e garantindo a segurança em primeiro lugar.
O que incomodava, e muito, a engenharia havia sido a decisão em adotar o motor Endura-E 1,3-litro para equipar a Courier em sua versão básica. Motor fraquinho que não fazia frente nem ao antigo CHT 1,6-litro e menos ainda ao AP 1,8-litro herdado da VW durante a Autolatina.
A versão mais luxuosa viria com o motor Zetec Sigma 1,4-litro 16-válvulas, potente (88 cv) em altas rotações porém com “pouca pegada” nas baixas, prejudicando um pouco seu uso como utilitário.
Foram construídos vários “work horses” pelo departamento de construção de protótipos e ferramentaria no Campo de Provas de Tatuí, que foram colocados à disposição da engenharia para avaliações e testes de durabilidade.
Em em meados de 1996 foi manufaturado o primeiro veículo funcional, representativo do que seria a Courier de produção. Foram exaltados a caçamba espaçosa, as suspensões primorosas com conforto e estabilidade direcional mesmo na condição de carregamento total, os freios eficientes, a direção com assistência hidráulica leve e precisa e a performance do motor 1,4 que “empurrava” a nova picape, dando-lhe características esportivas.
Em contrapartida, apareceram os pontos negativos como, por exemplo, a direção sem assistência que exigia muito esforço, principalmente em manobras de estacionamento, a pouca performance do motor Endura 1,3, o espaço interno sofrível, a aparência tristonha de sua frente, especialmente a grade e os faróis, o pouco vão livre no centro do eixo traseiro que prejudicava um pouco a passagem em “facões” e, por último, a sua aparência lateral. Seu comprimento aliado à sua grande distância entre eixos — 2.830 mm! —, a sua altura livre em relação ao solo (162 mm) e o tamanho das rodas dava uma visão desproporcional a Courier que ganhou os apelidos de “carrinho de rolimã” e de “lagartixa” dentro da engenharia.
E infelizmente o tripé de ser “bom, bonito e barato” ficou implacavelmente desequilibrado. Os pontos negativos da Courier superaram os positivos em relevância. Com um pouco mais de capricho, principalmente em seu estilo, mais da metade dos seus infortúnios seriam resolvidos.
E a Courier foi apresentada ao público em julho de 1997 com a convenção de imprensa realizada no Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco.
A Courier melhorou bastante no ano-modelo 2000 com o a adoção do motor Zetec Rocam 1,6-litro, o eixo traseiro tipo ômega que não agarrava mais nos “facões” e da nova e mais alegre frente (face-lift). Quando surgiu a versão flex, com gasolina desenvolvia 96 cv e com álcool, 107 cv.
Na verdade, de 2000 até seu fim em abril de 2013, a Courier ficou estagnada no tempo, incompreensivelmente, e, pior, a Ford abriu mão de um importante segmento do mercado brasileiro.
Encerro esta breve história com uma homenagem à picape derivada de automóvel mais bem sucedida no mercado brasileiro.
Parabéns à Fiat pelo excelente projeto da Strada, que atingiu em cheio as expectativas dos consumidores.
CM
Créditos: arquivo pessoal do autor, fotos divulgação