Perua, veículo de uso misto no qual passageiros e carga coexistem em um mesmo espaço. Pelo Código de Trânsito Brasileiro este tipo de veículo é definido como camioneta.
Fico pensando com meus botões o porquê de as peruas terem perdido força no Brasil, mesmo sendo inteligentes em sua concepção longilínea, confortáveis para passageiros e úteis para transportar pequenas cargas quando necessário, além de terem comportamento dinâmico de sedã ou hatchback, até melhor em alguns casos. Resposta imediata: os veículos utilitários esportivos tomaram o seu lugar.
Gostaria de divagar um pouco a respeito do SUV — sigla, em inglês. de sport utility vehicle.
Em primeiro lugar, o que são veiculo utilitários? São veículos com fins específicos, por exemplo, o Jeep e veículos assemelhados para uso das forças armadas, os tracionadores de reboques, os “caçambeiros”, as picapes, as plataformas “mulas” etc.
Não vejo como o SUV possa se enquadrar na categoria de veículo utilitário.
E então me veio a idéia de traduzir SUV como “veículo de utilidade esportiva” em vez de “veículo utilitário esportivo”. Me parece mais lógico, pois utilidade esportiva denota passeios fora de estrada, trilhas, dunas, subida de morros etc, mais condizente com a aparente proposta do veículo. Conclusão óbvia, SUV somente faz sentido com tração nas quatro rodas, no mínimo.
Eu não tenho esta pesquisa, porém fica a pergunta: quantos proprietários de SUV realmente o utilizam esportivamente ? O fato é que os SUV são grandalhões e de utilitários não têm nada. Gastam mais combustível, são sensíveis a ventos laterais, ocupam mais espaço no tráfego das grandes cidades, são mais pesados e de maneira geral o seu volume interno é pequeno relativamente ao seu grande volume externo. O que me parece é que o proprietário de SUV se sente mais seguro pela posição elevada de dirigir e querem status pensando em se valorizar com o tamanho e aparência do veículo.
A realidade é que as peruas perderam o embalo no mercado brasileiro.
Falando das peruas, a Vemaguet e a Jangada marcam minha lembrança de infância, principalmente a primeira, que fazia parte da família; minha tia possuía uma modelo 1961
Outra perua de que tenho boas lembranças é a Belina que tive contato já como engenheiro da For- Willys em 1971. Derivada do Corcel, tinha muito espaço interno e era muito robusta de maneira geral. Lançada em março de 1970 em três versões de acabamento, Básica, Luxo e LDO (de luxury decor option), esta última chamando a atenção pelas faixas laterais imitando madeira, detalhe emprestado das station wagons americanas, as antigas woodies das décadas de 1940 e 1950.
A Belina tinha linhas muito agradáveis com as estrias de reforço do teto ajudando em estilo jovial. Com o banco traseiro abaixado dava acesso a uma plataforma significativa com 1,77 m de comprimento, 1,22 m de largura e 0,85 m de altura completando o bom volume interno.
Tenho más lembranças dos problemas das cruzetas das semi-árvores de tração, que deram muita dor-de-cabeça a engenharia da Ford. Demorou muito para resolver a fragilidade das cruzetas que tinham graves problemas de quebra e desgaste prematuro. Somente em 1974/75 as problemáticas cruzetas foram substituídas pelas modernas juntas juntas homocinéticas semelhantes às do Passat 1974.
Problema muito mais sério foi o desgaste prematuro dos pneus dianteiros por incorreção dos valores de convergência do sistema de direção e que originou o primeira convocação para reparo brasileira (ver minha matéria a respeito no AUTOentusiastas).
Como a Ford ainda não tinha campo de provas no Brasil, os testes de durabilidade eram realizados em Mato Grosso do Sul, em rota pré-determinada, junto da divisa com o estado de São Paulo. Mantínhamos dois engenheiros residentes e um grupo seleto de pilotos de prova e técnicos na base MT, como a chamávamos. Como curiosidade, a comunicação entre MT e o Centro de Pesquisas em São Bernardo do Campo era feita via potente rádio PY, ligado 24 horas por dia, recebendo e transmitindo informações em tempo real.
Outro problema relevante foi o desgaste prematuro das buchas dos tensores do eixo traseiro, porém prontamente resolvido com a mudança do composto de borracha, aumentando sua dureza e a constante de elasticidade.
Com a chegada do Corcel II em 1977 veio também a Belina II com suas linhas desenvolvidas no túnel de vento do Centro Técnico Aeroespacial em São José dos Campos.
E em 1982 era vez da perua Scala, baseada no recém-lançado Ford del Rey, em 1981, com todo o luxo que tinha direito, como bancos de veludo navalhado, cintos de segurança retráteis, trava elétrica das portas, comando elétrico para os vidros, rodas de liga leve, console no teto com o inusitado relógio digital com mostrador azul, e aquele quadro de instrumentos com iluminação amarela e azul que dava inveja de tão bonito. Parecia um cockpit de avião.
Embora o Dey Rey tivesse as versões, duas e quatro portas, a Scala foi lançada somente com duas.
A Scala continuou coexistindo com a Belina até o final de produção do Corcel II em 1986. Dai em diante a Scala passou a se chamar Belina Del Rey
A Belina em suas três gerações foi produzida de 1970 até 1991, quando foi descontinuada. Foram 21 anos de sucesso.
Depois que a Simca Jangada foi descontinuada em 1967, nenhuma outra perua de quatro portas foi produzida no Brasil até a chegada da moderna e inovadora perua VW Santana Quantum em 1985, derivada do sedã Santana.
Perua moderna, espaçosa, confortável e com bom desempenho, foi divisor de águas no segmento
E a Ford somente teve uma nova perua em 1992 já no período da Autolatina, a Ford Royale, lançada somente com duas portas, mas basicamente a Quantum com algumas diferenças cosméticas.
Vou contar uma pequena história. Certa vez voltando de viagem tomei um táxi e o motorista falava todo orgulhoso que sua perua Royale era muito mais confortável que a Quantum e que as suspensões da Ford faziam a diferença. Então falei ao motorista que as suspensões da Royale e da Quantum eram exatamente iguais até o último parafuso. Incrédulo o motorista não aceitou o que falei, Ford é Ford em conforto e acabamento disse ele.
Por aí o leitor pode ver como a marca tem influência direta na mente do consumidor.
As outras peruas vou deixar para uma próxima matéria, especialmente a rainha de todas, a Chevrolet Omega Suprema, mostrada na foto de abertura.
Espero que o modismo SUV seja passageiro e que as peruas voltem a fazer parte do cotidiano dos brasileiros.
Encerro a matéria com uma homenagem à Audi, com sua perua Rs 4 Avant, perfeita para quem quer status com funcionalidade — e desempenho exuberante.
CM