Se governo aceitar a próxima proposta dos usineiros, deveria ser processado pelo Ministério Público por falsidade ideológica
D. Dilma não brinca em serviço e cumpre o que promete. Cumpriu pelo menos o que prometeu para os usineiros no ano passado, durante sua campanha eleitoral. E tome 27% de álcool misturados à gasolina. Muda pouco para quem tem carro flex, projetado para queimar qualquer proporção de gasolina ou álcool. Mas pode mudar muito para quem tem carro a gasolina (importados ou nacionais fabricados antes de 2003, quando surgiu o flex) pois ainda não se tem certeza dos prováveis problemas que esta absurda quantidade de álcool, ou etanol, pode provocar nos automóveis. A rigor, o governo forçou o Congresso a aprovar este percentual antes mesmo de se verificar sua viabilidade técnica. Depois é que se realizaram os testes. O Centro de Pesquisas da Petrobrás verificou a dirigibilidade (motor pega no frio? Marcha-lenta não vacila? Motor sobe de rotação sem espirros?) e não constatou nenhum problema. Raposa tomando conta do galinheiro, pois a Petrobrás era superinteressada em aprovar o novo percentual. Primeiro, por reduzir importações de gasolina. Segundo, por reduzir custos de produção ao permitir que ela tenha sua qualidade (octanagem) reduzida, compensada pelo maior percentual de etanol.
Coube à associação dos fabricantes de automóveis (Anfavea) pesquisar os efeitos na durabilidade do veículo: mais álcool ainda na gasolina provocaria ferrugem no automóvel?
Como os usineiros (principais beneficiados e superestocados com etanol) pressionavam pelo novo percentual, as fábricas realizaram seus testes em apenas seis meses, rodando cerca de 100 mil km com cada automóvel. Engenheiros do setor, consultados, afirmaram que a possibilidade de corrosão exigiria testes de, no mínimo, doze meses. As afiliadas da Anfavea não registraram — como seria de se esperar — problemas de ferrugem nos carros testados. Mas concluiu que houve aumento de consumo (de até 2%) e de emissões. O que bate no bolso (e no pulmão) de todos os motoristas, não somente dos carros a gasolina, mas também nos que abastecem com ela seu carro flex.
Há quem diga que o governo federal deveria ser processado por falsidade ideológica ao permitir mistura maior que 25% do derivado da cana no do petróleo. Vende e cobra por gasolina mas entrega produto de menor valor energético. Ou então muda sua denominação para gasálcool e passa a vendê-lo opcionalmente com preço reduzido. Nos EUA, a adição de apenas 10% de etanol à gasolina mudou o nome de gasoline para gasohol. E a tentativa de aumentar o percentual para 15% gerou tantos protestos que o governo desistiu da idéia e enfiou a viola no saco…
Mas, estão todos devidamente sentados?
Então saibam que, não satisfeitos com o novo percentual de “somente” 27% de etanol, os usineiros já insinuam outra proposta, de elevar a mistura para 30%. Ou seja, com a tolerância de +/- 1%, a gasolina poderia conter até 31% de álcool. Nossos automóveis seriam então abastecidos com praticamente 1/3 do derivado da cana misturado ao do petróleo. O pleito está em stand-by até que se abaixe a poeira dos 27%.
Ninguém ignora que os usineiros foram, sem dúvida, os grandes prejudicados pela inconseqüente medida do governo federal de segurar artificialmente os preços da gasolina para conter a inflação. A Petrobrás agüentou (…) o prejuízo, mas as usinas não puderam aumentar o álcool. Várias quebraram e outras estão inadimplentes. Entretanto, jogar (mais) esta conta para o bolso do motorista vai além de uma eventual falsidade ideológica. É desaforo que justificaria uma ação do Ministério Público para conter mais esta agressão do governo contra o cidadão brasileiro.
BF