O nome do modelo é VMX 12, mas foi batizada batizada de VMax (velocidade máxima) devido à óbvia relação entre a sigla do modelo e a abreviatura. Foi apresentada em movimento numa convenção de concessionários Yamaha em outubro de 1984, no estacionamento e ruas internas do hotel MGM Grand, em Las Vegas. O hotel é grande mesmo, não só no nome, e tem espaço para isso, pelo menos naquele tempo em que as excessivas preocupações com segurança não eram tão difundidas como hoje.
A VMax permaneceu por vinte e três anos praticamente idêntica, e tudo por causa de ter nascido de uma idéia muito simples: um hot rod de duas rodas, algo inédito em se tratando de uma grande marca — entenda fábrica grande —, não um construtor de motos personalizadas ou um modificador.
Esse tempo de vida enorme provavelmente nunca mais acontecerá com um modelo com desenho novo quando de seu lançamento. As motos com estilo retrô podem, sim, sobreviver por muito tempo sem alterações, mas aí se trata de uma moda ou tendência diferente, que é fazer de novo o que era feito no passado com as necessárias atualizações técnicas e com aparência muito semelhante à original.
A VMX 12 não é nada disso. Ela foi revolucionária, tanto em estilo quanto em comportamento. O importante era a aceleração pura, e não a capacidade de fazer curvas como uma esportiva. Basicamente para desfiles a velocidades de avenidas, com arrancadas em semáforos e retomadas de velocidade assustadoras.
A Yamaha nunca a propagandeou como uma moto atlética. Até mesmo o pneu traseiro nunca evoluiu para gerar melhor estabilidade, ficando propositalmente mais propenso a desgarrar e patinar nas acelerações fortes do que gerar atrito, mesmo depois de mais de vinte anos de produção. Claro que ela poderia ter um comportamento dinâmico superior, mas muitas coisas deveriam ser diferentes para isso, e iria contra a proposta da moto, desagradando a seus clientes fiéis. Conheço gente que já teve dezenas de motos diferentes de vários tipos, incluindo a V-Max e não gostaram dela, porque não dava para fazer curvas com as velocidades que a potência permitia. Veículo com missão bem definida, portanto.
Essa máquina inigualável nasceu em 1982, quando o gerente de planejamento de produto da Yamaha nos Estados Unidos, Ed Burke, olhava um protótipo da XVZ 12 Venture Royal, uma grã-turismo estradeira carenada e cheia de bolsas, sem as peças de acabamento. Burke estava nessa área da empresa desde 1967, e desenvolvera um faro apurado para gerar produtos novos.
O motor de quatro cilindros em “V” a 70° e 1.198 cm³ chamou a atenção dele, e meio que de supetão ele pediu que fosse feita uma moto de rua equipada com o V-4, que deveria expor a mecânica ao máximo, adotando o mínimo possível de coberturas e carenagens, inclusive com um tanque pequeno. Acreditou que seria melhor ainda se o piloto estivesse sentado um pouco mais para trás do que o normal, para destacar visualmente o grande motor.
Mas depois de alguns dias, a engenharia de produto o informou que o resultado não seria nada bom, pois o entreeixos necessário para isso seria muito grande, e que a moto ficaria desproporcional, com motor enorme, rodas muito distantes uma da outra e com poucas coberturas que pudessem receber pintura e decoração para equilibrar visualmente o conjunto.
Como Burke sempre quis fazer um hot rod de duas rodas, mas nunca havia imaginado como isso seria realizado por uma empresa do tamanho da marca dos três diapasões musicais, insistiu na idéia, e teve apoio dos japoneses donos do dinheiro, já que ele responsável por máquinas de muito sucesso comercial, como a custom XS 11 e a Maxim 650.
Como o mercado alvo era os Estados Unidos, o motor de configuração em vê, um som forte vindo dele e muita fumaça na aceleração, provinda do pneu traseiro, eram mandatórios.
Um time japonês foi para a Califórnia para entender e absorver a cultura dos cavalos-vapor abundantes, acelerações escandalosas e som furioso, para depois traçar o comportamento da moto. Como Burke fazia de tudo para sua idéia se tornar realidade, instalou um turbocompressor na sua XS11, e mostrou a todos que a moto levantava a frente em toda aceleração a fundo, não importando a marcha em que se estivesse. Ele mandou a moto para a engenharia no Japão, dizendo que aquele era o tipo de comportamento que a nova Yamaha deveria ter, mas que o turbo estava quase 100% fora de cogitação, pois de cara já havia feito algumas medições e ele não caberia de forma a ficar uma instalação com qualidade de fábrica no motor que já existia, ou seja, não parecendo um remendo ou adição.
Isso deu uma carta branca para a criatividade dos impressionantes japoneses, que fazem o que querem com motores, uma de suas áreas de atuação mais fortes e evidentes, também nos carros.
O V-4 de dupla árvore de comando e 16 válvulas tinha 91 cv na condição original. Passou-se a modificar tudo que trouxesse mais potência desde as baixas rotações.
De cara, válvulas maiores, pistões mais leves e árvore de comando com desenho de ressaltos mais abrupto e maior superposição de válvulas. Virabrequim reforçado, bem como bielas. Manteve-se a taxa de compressão de 10,5:1, mas foram acoplados quatro carburadores Mikuni de 35 mm de diâmetro de borboleta, ligados a dutos verticais, compondo um sistema que passou à história da alimentação de motores.
O que veio a ser criado foi batizado de V-Boost, que é apenas e tão somente genial e simples em sua essência, se apoiando na eletrônica para funcionar.
Até 6.000 rpm um carburador alimenta cada cilindro. Acima disso, um comando servo abre uma válvula entre dois dutos de admissão, e dois carburadores alimentam cada cilindro. Como nunca há dois cilindros paralelos admitindo mistura ao mesmo tempo, a eletrônica alterna a abertura e fechamento das válvulas do V-Boost, direcionado a mistura ar-combustível para o cilindro que estiver admitindo, subindo a potência em 10% apenas com esse artifício. Um espetáculo !
Esse conjunto está logo abaixo do filtro de ar, que é coberto pelo falso tanque, que por sua vez passou a ocupar um espaço embaixo do banco. Para abastecer, levanta-se o pequeno encosto do assento do piloto, à frente de onde o garupa se acomoda.
O V-Boost fez a moto, e a prova foi a apresentação para os concessionários, antes da imprensa ver e andar nela. Em Las Vegas, o piloto de dragster Jay Gleason mostrou a moto diante de muita gente , e conseguiu a marca de 10,32 segundos no quarto de milha (402 m), a distância que os dragsters percorrem. Depois de alguns dias ele conseguiu 10,27 segundos em outro local, uma pista própria para a séria brincadeira.
No video abaixo está um breve resumo da V-Max, e a apresentação em Las Vegas.
Pilotos experientes conseguiam tempos também de menos de 11 segundos no quarto de milha, como um testador da revista americana Motorcyclist, que fez 10,67, mostrando que não era necessário ser mágico para conseguir um tempo que nenhuma outra moto de produção conseguia alcançar, nem mesmo as superesportivas.
Esse tempo dava uma velocidade de 206 km/h, conseguidos com os 147 cv do motor na condição original, e 11,1 m·kgf de torque máximo. A velocidade máxima da V-Max era de 240 km/h, honesto pela aerodinâmica de moto de rua, não estradeira, sem nenhum tipo de defletor de ar para o piloto de esconder atrás.
Mas o mais importante cartão de visitas da histórica motocicleta é sua aparência inconfundível. Essa obra-prima foi estilizada na GK Design, empresa japonesa que há muito tempo é responsável pelos designs das motos Yamaha. Muito bem resolvido, atendendo os requisitos colocados na conceituação do produto, deixando todo o motor exposto ao máximo, potência explícita, e cobrindo apenas o que não poderia mesmo ficar aparecendo. Os dois principais estilistas foram Atsushi Ichijo, e Kurashi, sob o gerenciamento de Akira Araki, seguindo os conceitos de Ed Burke. Para o motor havia também um designer, já que este ocupa grande parte do imagem da moto, e o artista se chama Ashihara.
O pneu traseiro, que tinha que aturar o nervosismo do motor, na medida 150/90-15, era consumido à razão de um a cada 1.600 km aproximadamente, e a gasolina era degustada pelos Mikunis na quantidade de 15 litros, a capacidade do tanque, a cada 160 km, se toda a potência fosse usada constantemente. O conforto bem limitado estava de acordo com a filosofia dos hot rods, pois ela pula forte em rebound (retorno de suspensão) se for pilotada em mau piso, onde 55% dos 286 kg se apoiam atrás.
Na Europa, para onde a Yamaha acabou cedendo às pressões dos entusiastas e destinando parte da produção toda feita no Japão, não havia o V-Boost, devido às regras de emissões de poluentes, principalmente. Lá, eram apenas 105 cv a 7.500 rpm, e os alemães, ingleses e franceses foram os mais lunáticos em se vingar das leis chatíssimas, e um culto à modificações acabou sendo criado. Turbocompressores, V-Boosts comprados em separado e depois instalados e garrafas de óxido nitroso eram adicionados em várias unidades da V-Max, e potências de cerca de 250 cv foram facilmente popularizadas entre essa turma.
No país que era o alvo principal da Yamaha, os EUA, as vendas foram menores que na Europa, onde se chegou a comercializar 3.000 motos por mês, contra os 1.500 dos Estados Unidos. Mesmo assim, algumas alterações foram sendo feitas para o mercado americano, como escapamentos mais silenciosos, uma roda de disco para lembrar ainda mais os hot rods, e um aumento do diâmetro da válvula do V-Boost de 30 para 32 mm, com pico de potência chegando 500 rpm mais cedo, a 8.500 rpm.
Modificações foram algumas poucas nos anos que se seguiram, apenas para melhorar algumas deficiências ou atender reclamações de lugares com legislações muito restritas, como a Califórnia, onde a moto teve árvores de comando amansadas, resultando em menos poluição, e menos 10 cv a 8.000 rpm, menos 1.000 rpm que no resto do país. As luvas de engate do câmbio foram melhoradas, sistema de ignição passou de analógico a digital em 1990, as pinças de freio foram alteradas de 2 para 4 pistões e discos maiores, de 298 mm na dianteira, para maior paz de espírito numa moto reconhecidamente não muito estável. Para melhorar nesse campo, o garfo dianteiro teve os tubos aumentados de 40 para 43 mm de diâmetro em 1993, mesmo ano em que o freio foi melhorado.
Há varias outras pequenas melhorias, normais em qualquer produto, e que não afetam estilo, exceto protetores de plástico preto nas canelas dos tubos do garfo em 2001.
Depois de tantos anos com a mesma aparência, em 10 de março de 2009 a nova V-Max chegou, após um trabalho que deve ter sido exaustivo ao extremo, sobre o que poderia ser feito com um símbolo. É como querer mudar um Land Rover Defender ou um Lotus Seven.
Nessa atual moto, quase tudo é diferente, a começar pela inexistência do V-Boost como originalmente, e mais de acordo com os tempos eletrônicos. Hoje o V-Boost 2 é apenas a mesma solução já tão empregada em muitos outros motores, a variação do comprimento dos dutos de admissão de ar, que faz a potência ser distribuída da forma que se desejar quando do projeto, pois um “cérebro eletrônico” comanda o comprimento das passagens de ar. Não há mais carburadores, e sim, injeção de gasolina.
É uma máquina notável, que se firmou como um clássico principalmente por não se parecer com nenhuma outra.
JJ