“A estatística é a arte de nunca ter que dizer que você está errado”. Essa frase de C. J. Bradfield que os estatísticos odeiam me veio à mente agora que vi dados da Prefeitura de São Paulo que dizem que os congestionamentos de trânsito diminuíram no horário de pico da tarde — e, pasmem, alegam que isso se deve às ciclofaixas e faixas e corredores de ônibus e, de uma forma em geral, às obras de mobilidade urbana que estão sendo realizadas. E desculpem os leitores de outras cidades, mas acho importante falar sobre esse assunto, pois fatos e versões se espalham com velocidade da luz e isto pode acontecer em outras paragens.
Segundo a Companhia de Engenharia de Tráfego de São Paulo (CET), a média de 109 quilômetros de congestionamento no horário de pico da tarde é 16,3% menor do que a de 2014 (130,25 quilômetros). E eles dizem que no total do dia a lentidão caiu quase 10%.
Como assim? Diminuição dos congestionamentos? Não é isso o que dizem outras medições que considero mais fidedignas do que alguns marronzinhos espalhados por menos de 7% das vias da cidade e que avaliam subjetivamente o que é um congestionamento. Acompanhamentos feitos a partir dos GPS dos veículos que rodam por toda a cidade certamente são mais acurados. E não é isso o que dizem.
O Waze, o aplicativo mais usado no trânsito, diz que o número de seus usuários subiu 114% nos primeiros quatro meses deste ano comparado com o mesmo período do ano passado. Mas o mesmo Waze diz que a medida de distâncias, o tempo e a velocidade média continuam os mesmos. E pelos números deles um motorista paulistano anda 16 quilômetros em 40 minutos a somente 24 km/h. Como eles medem isso pelo GPS do carro, e não apenas pelo achômetro que a CET usa, acredito mais nessa estatística. E ainda há outros aplicativos muito usados como o Maplink e o Google Maps, cujos números não consegui descobrir. E aí lembrei de outra frase que explica muito bem isto: fatos são teimosos, mas estatísticas são mais flexíveis. A autoria dessa é conhecida, é do excelente Mark Twain.
Supondo que de fato os congestionamentos tenham diminuído, ainda que numa dimensão paralela à qual nós pobres mortais não temos acesso, de onde as autoridades tiraram que a razão é essa que alegam? E aí lembrei de outra frase anônima que diz que “a estatística é um método sistemático para se ter uma conclusão errada com 95% de confiança”. Nada mais verdadeiro.
É incrível como nossas autoridades gostam de lamber o selo para ver se cola. Cadê os números que justificam isso? O número de passageiros de ônibus aumentou? Não. Pesquisei e segundo a SPTrans, em 2014 foram transportadas 2.920.278.340 de pessoas, número quase igual aos 2.915.990.761 de 2010 e ao dos últimos anos. Aliás, em 2005 eram 2,5 bilhões de pessoas. Nos três primeiros meses deste ano a empresa transportou 687.809.638 pessoas. Projetando-se o número para o ano todo chegaríamos a 2.751.238.552 de pessoas, ou seja, abaixo dos números dos últimos anos. E caso tenha havido um aumento no número de passageiros do metrô e dos trens isso nada tem a ver com a Prefeitura, pois ambos são investimentos do governo estadual.
O de ciclistas? Mas aí a base de comparação é baixa, deveria ser um número significativo para dar diferença no trânsito. Ah, e os números de “ciclistas” que passam na ciclovia da Faria Lima (essa talvez a única bem-feita) não valem, pois fiquei olhando na câmera em tempo real e ela conta também pedestres e skatistas. Na realidade, conta qualquer coisa que passar na frente e ainda assim não passa de 700 no período da manhã – algo equivalente a meia dúzia de ônibus cheios.
Até o número de acidentes com motociclistas aumentou. Nos últimos seis anos, as internações hospitalares pelo Sistema Único de Saúde (SUS) envolvendo motociclistas subiram 115%. Segundo o Ministério da Saúde, somente em São Paulo no ano passado foram realizadas 18.783 internações — e aí não estão consideradas as de hospitais particulares nem as mortes na via. Isso me faz crer que tem mais gente andando de moto. Mas nesse caso, há uma troca do transporte coletivo pela moto. É pouco frequente alguém trocar o carro pela moto, mas é muito frequente alguém trocar o busão pela moto. Levante a mão quem já não notou no prédio em que mora que muitos porteiros chegam de moto, em vez de transporte coletivo. A mesma coisa acontece nas empresas. O que não diminui em nada os congestionamentos — ao contrário, às vezes o aumenta com a elevação do volume de acidentes.
Infelizmente, tenho de discordar da avaliação da CET e principalmente dos motivos. Como creditar a obras que em sua maioria não estão prontas e mais congestionam e atrapalham devido às inúmeras interdições e afunilamentos de faixas a eventual (hipotética?) redução dos congestionamentos?
Posso facilmente enumerar diversos motivos que justificariam essa redução partindo do princípio de que ela realmente tenha ocorrido. Com o aumento dos combustíveis é evidente que menos gente sai às ruas de carro. Também o desemprego influencia. Nos primeiros três meses de 2015 somente em São Paulo o índice alcança 8,5% da população, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Logo, menos gente na rua todos os dias pois infelizmente nem todo dia um desempregado tem entrevista para ir à rua. E com a gratuidade da tarifa de ônibus é lícito supor que muitos troquem o carro pelo ônibus na hora de ir tentar uma vaga, o que se diminui o congestionamento nada tem a ver com as tais obras de mobilidade.
Mudando de assunto: assisti ao GP de Mônaco de F-1. Que mancada foi essa da Mercedes com Lewis Hamilton? E ainda dizem que ele é o favorito do Niki Lauda… Saudade dos tempos em que a palavra final da estratégia, e mesmo da decisão de parar ou não, era dos pilotos. E que eles eram bons de estratégia.
NG
Foto da abertura: huffingtonpost.com
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