Carro é uma questão muito pessoal. Tem gente que gosta de ter um carro bacana para ser visto num caro bacana e tem gente que acha a escolha do meio de transporte algo exclusivamente racional e não liga para moda.
Pessoalmente, sou uma pessoa que raramente transita pelos extremos em qualquer situação. Sei lá, normalmente acho que o meio-termo me atende melhor, mas não tenho nada contra quem mergulha de cabeça numa decisão totalmente irracional apenas para matar uma vontade ou em quem faz trocentas contas antes de fazer uma compra. Só não conseguiria viver só de um jeito nem só do outro. Gosto da minha racionalidade, mas deixo um pouco de espaço para o irracional — espaço limitado, diga-se de passagem. Quando viajo reservo os hotéis do início e do fim da viagem para ter certeza de que terei onde dormir ao chegar e logo antes de voltar sem sustos, mas no meio sempre tem espaço para imprevistos ou para esticar a estadia num lugar que seja mais interessante ao vivo do que parecia nos folhetos.
Com carros sou mais ou menos assim também. Tem o lado racional, claro, pois seria incapaz de colocar minhas finanças em risco por causa de um veículo, mas também preciso de algumas coisas. Porta-malas gigante é uma delas e digo que compro um porta-malas com quatro rodas em volta. Sou uma espécie de faz-tudo na família e para os amigos. Se vou ao supermercado sempre estou de olho em coisas diferentes que minhas amigas provaram na minha casa e gostaram e de bom grado as compro e levo. Tenho vários amigos do interior de São Paulo e nem sempre lá tem as coisas que tem “na capital”… ou se tem, não e tão fácil achar e para mim não custa nada pegar na gôndola quando passo na frente de algum item. Isso significa carregar quatro caixas de plástico dobráveis no porta-malas (vazias, que não levo peso extra à toa) que facilita a logística na hora de descarregar. E agora com a novela das sacolinhas de supermercado nem sempre há como acomodar os acepipes no carro. Num dia o supermercado entrega de graça as famigeradas sacolinhas, no outro vende, no terceiro dá só duas, e no quarto nem dá nem vende e sequer tem…
Fora o porta-malas enorme gosto, na medida do possível, de um motor que me atenda nas subidas e descidas e especialmente nas viagens na estrada, que são muito freqüentes. Não faço questão de um tamanho específico de motor pois para mim o que importa é a relação peso-potência, entre outras coisas. E já tive carros 1,0 de boa. O primeiro carro do meu avô foi um Ford 1937 que apesar do motor de 3,8 litros penava para puxar o enorme peso do chassi e fazia 4 km por litro de gasolina. Ele achava o desempenho tão fraco que mandou trocar o motor por um 1946 mais possante. Como curiosidade, tinha o volante do lado direito, que na Argentina a mão inglesa vigorou até 10 de junho de 1945 quando se inverteu o sentido de circulação. De fato, foi uma mudança engraçada pelo que me contam, pois eu estava a décadas de nascer. As pessoas acordaram num domingo e tinham que dirigir do outro lado. Mesmo com o processo iniciado e tudo preparado desde 4 de outubro de 1944, a confusão não foi pouca no início, assim como os acidentes. Os carros foram trocados aos poucos e durante anos circulavam perigosamente sem visibilidade nenhuma, respeitando uma mão, mas com o volante na outra. Trens e metrô até hoje usam a mão inglesa – herança de quem implementou as ferrovias no país, ou seja, os britânicos.
Mas voltando às minhas preferências, câmbio automático se tornou um conforto extra no trânsito sempre travado da cidade, mas é apenas isso, um conforto extra esse necessário poderia viver sem isso. Mas, claro, segurança acima de tudo. Isso significa um monte de sacos infláveis para todos, passageiros, motoristas, todos. Me acostumei com freios ABS e controle de estabilidade — aprendi os amigos do Ae que tem o ESP (Electronic Stability Program), marca registrada da Bosch, e o “genérico” ESC (Electronic Stability Control) — que realmente ajuda numa direção mais segura, mas certamente se não os tivesse poderia viver sem estes dois, pois dá para mudar a forma de dirigir se não os tiver.
De resto, não sou de grandes exigências. Já tive carros de várias cores. De cabeça lembro de dois verdes escuros, um grafite, um branco, um azul metálico e dois prata – sem contar da época em que tínhamos um único carro em casa. Aí teve de tudo: vermelho, marrom, prata (vários), grafite… imaginem um arco-iris e já tivemos de tudo. Mas, vejam bem, não o arco-íris num único carro não, tá?
Citroën – Os modelos também variaram em função de oportunidade e do momento econômico tanto nosso quanto do mercado. Mas apesar de ser apaixonada por carros nunca me importei com modas. Se o “hit” são suves e eu gosto de sedã, sedã terei. Já tive carro (Gol branco) que de tão comum que era nunca o encontrava nos estacionamentos. Aí me colocava mais ou menos no lugar onde achava que o tinha deixado e acionava o alarme. Pronto, era só seguir o som do apito ou tentar ver os faróis se acendendo. Perdi a conta de quantas vezes fiz isso. Depois da invenção do celular, se estiver num lugar que seja especialmente confuso fotografo o lugar onde parei – coluna, fileira e, se possível, andar. Mas meu senso de direção e minha memória são tão bons que dificilmente preciso olhar para a foto para achar o carro.
Um amigo do meu pai tinha um Citroën 3CV cinza, na Argentina. Diga-se de passagem, as cores mais comuns para aquele modelo eram verde e cinza – sei lá por quê. Como tinha de ir ao centro de Buenos Aires fez o que a maioria faz. Dirigiu até uma estação de metrô, estacionou e entrou no trem para ir ao centro. Fez a reunião, voltou de metrô e, ao sair da estação, entrou no carro e saiu dirigindo. Mas ao chegar ao primeiro farol estranhou um guarda-chuvas no banco traseiro. Prestou mais atenção e encontrou um óculos de sol sobre o painel. Nada disso era dele. Aí encostou o carro e desceu para olhar a placa. Não, não era o carro dele. E agora? Pensou rapidamente e voltou ainda mais rapidamente para o lugar de onde tirara o carro. Ao passar pela mesma avenida, viu seu 3CV estacionado na entrada do metrô – na OUTRA entrada, do outro lado da avenida. Estacionou correndo, trancou o carro e saiu em disparada em direção ao seu próprio veículo, preocupado em ser visto por alguém e acusado de roubo. Entrou no seu Citroën e foi embora. Sim, o 3CV era tão comum que certamente não foram fabricadas muitas opções de chave e não era raro uma funcionar em outro. Problemas de quem tinha um modelo de carro muito comum e numa cor também muito comum.
Mudando de assunto: poesia no asfalto? A Prefeitura de Santo André pode até ter boas intenções quando escreve nas ruas, mas isso não justifica ir contra as leis. E o que aconteceu com os livros? Não poderiam patrocinar a impressão de alguns exemplares?
NG
Foto de abertura: huffingtonpost.com
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