Não me perguntem o porquê, mas hoje em dia os carros “aventureiros” são como os carros esportivados de antigamente; onde antes tínhamos o Gol GTi, hoje temos o Gol Rallye. Depois que se descobriu que se podia cobrar uma fortuna por qualquer hatchback apenas figurativamente pendurando um estepe do lado de fora da tampa traseira, todos os fabricantes entraram na jogada. Agora, alguns anos depois do pioneiro Ecosport pavimentar o caminho, todo mundo começa a fazer hatchbacks mais altos para pegar um naco do segundo passo desta mania: o mercado de SUVs pequenos.
Hoje em dia só se fala de SUV aqui na terra brasilis. O recente lançamento de um monte de carros na categoria, e o sucesso deste tipo de veículo, padronizou as capas das revistas especializadas com comparativos entre 2008, HR-V e Renegade, com um ou outro carro salpicado aqui e acolá para dar mais sabor. Todo mundo só quer saber dos novos SUV.
Mas sinceramente, apesar de entender perfeitamente que a imprensa tem o dever de informar o público ávido por este tipo de carro sobre as suas características e diferenças, eu não posso imaginar um comparativo mais chato do que este. Por mais que estes carros sejam bons e modernos, com tudo de bom que carros modernos mundialmente trazem, pequenos SUVs baseados em Hatchs pequenos como estes são inerentemente insossos.
Sim, insossos. Chatos. Nada de mais em performance, nada de mais em conforto, nenhuma novidade tecnológica. Uma cara bonita em carcaça conhecida. Nenhuma habilidade a mais em relação aos hatches de qual derivam. Pneus maiores e cara de malvadinho, e só. Um tédio.
Sim, o Renegade tem motor diesel, uma novidade na categoria, e parece ser esta a versão que gera maior interesse. O que é outra coisa incompreensível: todo mundo excitado sobre a economia do diesel em um carro que custa praticamente 100 mil reais… pode se dizer muito de uma sociedade onde economizar dinheiro, mesmo pagando uma fortuna a mais por isso, é motivo de status.
O 2008 tem uma versão interessante pelo menos: o THP com cambio manual, dando um motivo para um entusiasta o preferir ao 208. Mas na verdade sabemos que esta versão é o equivalente mercadológico de um suicídio ritual público. Um Seppuku de um samurai desgraçado, uma imolação vietnamita em praça pública. O povo que compra estes SUVs, obviamente, não quer trocar marcha. Provavelmente nem quer dirigir, mas é obrigado a isso… e o pequeno 208 é um carrinho tão legal que faz o 2008 parecer um obeso e incompreensível derivado.
Mas deixemos o veneno de lado. Nem todo o SUV é chato e parece um chuchu maduro. Muitos deles são carros incríveis, e apresentam características diferentes e interessantes. O mundo é assim: para cada iogue vegano que nasce, aparece mais um troglodita carnívoro para compensar. E este é o motivo desta lista. Mostrar SUVs historicamente importantes, extremamente capazes no off-road, tecnologicamente avançados, velozes, ou tudo isso junto. E nada que lembre nem vagamente o famoso legume com gosto de nada.
Em ordem cronológica, são eles:
Chevrolet Suburban (1933-hoje)

Apesar de só ganhar tração 4×4 opcional de fábrica nos anos 60, esta perua em chassis de caminhonete é a pré-história do gênero. Se firmou como conceito a partir da oitava geração, de 1973 em diante: uma perua gigantesca que mesmo equipada com três fileiras de bancos ainda tem porta malas para toda esta gente.
O novo Suburban 2015
É o mais americano dos carros, algo só possível de ser usado no dia a dia sem ressalvas em um país como aquele, onde há espaço para ela, e onde a gasolina é barata. Não é especial por ser particularmente veloz, nem particularmente ágil, nem confortável; a imensidão do interior, e a capacidade de ir a qualquer lugar é o que são suas qualidades. Um veículo versátil e útil como poucos, para um país onde “enorme” ainda é um adjetivo usado como elogio.
Willys Jeep SW/Rural Willys (1946-1971)
Poucos produtores de equipamento bélico se deram tão bem como a Willys no pós-guerra. Não é para menos, seu material bélico era um pequeno veículo todo-terreno conhecido como “Jeep”, que se adaptou muito bem ao uso civil. Não demorou muito para a Willys criar esta perua derivada dele, para aumentar seu apelo de vendas.
Muitos ignoram as peruas montadas em chassis de caminhonetes como a Suburban e colocam a Rural como o primeiro SUV. Se tração nas 4 rodas fosse pré-requisito para o gênero, seria verdade: a Rural foi a primeira perua de série que podia ser usada a semana toda levando crianças a escola, e no fim de semana levar a mesma família para acampar em lugares remotos de difícil acesso. A primeira a ser uma ferramenta inestimável para fazendeiros, mineradores, guardas rurais, e outros trabalhadores de todo tipo.
Apesar de decididamente agricultural em comportamento, lerdo, desconfortável e barulhento, ainda assim podia ser usado como um carro normal no dia a dia. Gênese.
Jeep Cherokee/Wagoneer/Grand Wagoneer (1963-1991)

O carro que substituiria a Rural nos EUA em 1963 estava destinado a uma longa vida. Bem mais sofisticado, era um carro bem mais confortável, veloz e moderno, quase podendo passar por um carro normal. Em versão de duas portas (Cherokee), e quatro portas (Wagoneer), foi um dos primeiros passos para o SUV que conhecemos hoje: apesar de capaz no off-road, era um carro que podia passar a vida toda no asfalto sem punir demais seu dono.

Se tornou incrivelmente popular. O milionário do jogo Bill Harrah, conhecido entusiasta do automóvel, adorava-os, e acabou por ter uma ideia muito à frente do seu tempo: um SUV de alto desempenho misturando um Ferrari com um Jeep Wagoneer. O resultado, chamado de “Jerrari”, finalizado em 1969, colocava um motor de 365 GT 1967 num Wagoneer, e uma psicodélica frente de Ferrari num Jeep. Em 1977, Harrah fez uma segunda versão com motor de Daytona (com quatro comandos!), mas mantendo a aparência de Jeep intocada. Doideira completa na época, mas absolutamente visionário visto de hoje…

Quando virou o Grand Wagoneer em 1984, foi movido a um nível acima de luxo e preço, sem dúvida influenciado pelo sucesso do Range-Rover; ganhou sobrevida e caiu no gosto dos milionários da Califórnia, que sempre tinham um para viagens a seus ranchos afastados. Se tornou chique, por seu conforto, habilidade no off-road, sofisticação de equipamentos, e desenho que remetia aos anos 60. Foi morrer apenas em 1991, e um pequeno mas forte culto se formou à sua volta, que continua bem presente até hoje.
Land Rover Range Rover (1970-1996)

O Range Rover levou a mesma idéia dos Jeep Wagoneer mais adiante: um fora de estrada de luxo, mas que agora era de um refinamento mecânico de primeira linha, fazendo algo tão confortável quanto um carro normal, e equipamentos e acabamento que o tornavam um verdadeiro carro de luxo.
O Range original teve longa vida de grande sucesso. Quando apareceu um novo em 1992, o carro original era um ícone tão conhecido e admirado que continuou em produção como Range Rover Classic por mais alguns anos. Seu sucesso se devia a vários fatores. Primeiro iniciou uma categoria que sabemos hoje ser extremamente bem sucedida: a dos SUV de luxo e alto preço. Tecnicamente também excedia: uma suspensão de desenho primoroso, de grande articulação no off-road mas com bom controle no asfalto e conforto total de rodagem; um antigo mas sofisticado V-8 de alumínio, que dava potência suficiente para um carro de seu preço.

Um clássico imortal de extrema importância histórica, ainda hoje se mantém muito desejável.
Jeep Cherokee (1984-2001)
Criado pela então independente AMC, e pelo francês ex-Renault (com experiência na F1) François Castaing, o Cherokee/Wagoneer de 1984 popularizou a categoria de SUV compacto. Sim, não foi o primeiro, mas a combinação de um desenho inspirado de carroceria, um excelente motor seis em linha, suspensão e tração permanente sofisticada, e preço correto, fez este Jeep extremamente popular, e trouxe para o público geral o SUV. Se hoje eles são onipresentes, certamente devemos isso a este pequeno carro.
Lamborghini LM002 (1986-1993)
Ok, agora as coisas começam a ficar hilárias. Baseado eu uma ideia de um veículo militar, mas criado de olho no mercado do oriente médio e seus xeiques cheios de petrodólares, o Lamborghini LM002 permanece, mesmo 30 anos depois de seu aparecimento, simplesmente o mais incrível SUV já criado.
Consideremos os dados: O carro pesa quase três toneladas. Vazio. Seus pneus foram criados especificamente para ele pela Pirelli, em medida 345/60 VR17, e custam, sei lá, o preço de um apartamento de 2 quartos no Cambuci. As suspensões são independentes nos quatro cantos, e o motor é nada menos que o V12 que normalmente é usado para levar Countachs a mais de 280 km/h: um V12 de quatro comandos, todo em alumínio, 5,2 litros, 444cv, e o berro mais aterrorizante de toda face da terra. Ou pelo menos desde que os bombardeiros Stuka pararam de voar. Mesmo pesando o mesmo que o superpetroleiro Exxon Valdez, e desperdiçando quase tanto petróleo quanto ele, fazia zero a cem em menos de oito segundos. Custava 120 mil dólares em 1987, três vezes o preço de um Range-Rover completo. Apenas pouco menos de 400 foram fabricados, alguns, diz a lenda, equipados com o V12 marítimo da Lamborghini, com mais de sete litros de deslocamento.
Faltam adjetivos para classifica-lo. Esqueça o igualmente paquidérmico, mas infinitamente mais lerdo Hummer. Esqueça o Cayenne, mais rápido mas minúsculo, um peso pena em comparação. Esqueça rodo o resto; este é o mais ultrajante, escandaloso e macho SUV jamais feito.
E as vezes aterrorizante também. Dizem que infame ditador líbio Muammar al-Gaddafi encomendou cem LM002 equipados com metralhadoras tipo Gaitling no teto, para sua guarda pessoal…
GMC Typhoon (1992-1993)
O Typhoon (e a picape Syclone, sobre a qual falamos aqui) era uma S10 Blazer de primeira geração com tração total permanente, pneus e cambio de Corvette, suspensão baixa regulada para alto desempenho no asfalto, e um V6 turbo de 280cv.
Existiram SUVs velozes antes e depois do Typhoon, mas a grande novidade era que ele não era apenas um SUV rápido. Ele era rápido mesmo comparado a carros esporte de primeira linha. E podia colocar toda sua potência no chão sem drama algum, e fazer curvas também. Hoje aceitamos isso tranquilamente, mas a vinte anos atrás era lago realmente incrível, que abriu mais uma nova categoria de carro.
Se um LM002 fazia 0-100 em sete segundos, o Typhoon fazia a mesma prova em menos de cinco. Na verdade, era mais rápida que um Ferrari contemporâneo, carregando 5 pessoas e malas, e custando uma fração ínfima de seu preço. Outro SUV inesquecível.
Porsche Cayenne / Macan (2001-hoje)

Um SUV da Porsche. É um conceito que, apesar de ter quase 15 anos de idade, ainda é difícil de engolir. O que faz o tradicional fornecedor suábe de prazer a alta velocidade produzindo uma perua alta com tração nas quatro rodas? Total contrassenso.
Seria, se não estivéssemos em seu lançamento quase 60 anos depois da pioneira Rural Willys. O que a Porsche mostrou com o Cayenne é que hoje em dia, pode-se ter sim tudo num carro só. O que o Cayenne fez foi colocar desempenho de 911, luxo e espaço de Mercedes, e capacidade fora de estrada de Jeep, tudo em um pacote único. Algo realmente impressionante.

Foi o primeiro a mostrar que tal coisa é possível, apesar de seu peso e tamanho impedir a parte 911 da equação ser completa; hoje com o Macan (e coisas similares da Audi e AMG) o conceito parece ter chegado a seu ápice: desempenho, agilidade e prazer ao volante realmente similares a um carro esporte, com toda utilidade e praticidade de um SUV.

Peruas off-road que andam junto a carros esporte de primeira linha. Não é incrível o automóvel moderno? Um Porsche deste tipo ainda dá um gosto amargo na boca dos puristas, mas ainda assim, são os melhores de um gênero criado por eles mesmo. E estão aqui para ficar, então é bom que nos acostumemos à eles.
Range-Rover (2002-2012)

Lançado praticamente junto do Cayenne, o primeiro Range-Rover realmente moderno também redefiniu sua categoria, e teve vida longa, produzido por 3 donos diferentes (BMW, Ford e Tata). Última criação automobilística do genial Wolfgang Rietzle, criador do revolucionário BMW E36 (que criou o gabarito da BMW série 3 moderno em 1991, seguido até hoje à risca pela marca), o Range-Rover de 2002 é sua obra prima. Um carro de extremo luxo, mas com uso ampliado.
A idéia de Rietzle era fazer um competidor para os Mercedes-Benz S-class. Ao invés de mirar em concorrentes tradicionais, criou um carro de luxo no idioma alemão de solidez e alta velocidade, mas que podia também acompanhar um jipe Defender da marca no off-road.

Não existe uma S-class perua. Nem muito menos um S-class que possa atravessar a floresta amazônica. Mesmo que nunca vá fazer tal coisa, o apelo pegou de jeito os milionários do mundo todo. Junto com o Cayenne, este uma cruza de SUV com 911, a mistura de BMW série 7 e SUV que é o Range-Rover redefiniu a categoria. Ambos são hoje o ápice da evolução da espécie.
Para onde ela poderia evoluir no futuro? A resposta talvez esteja no último carro desta lista…
Icon FJ (2012-hoje)
Este aqui é uma versão pós modernista, iconoclasta e, porque não dizer, artística do gênero. Jonathan Ward era um ator infeliz com sua profissão, que resolveu trabalhar com sua paixão: o Toyota Land Cruiser “FJ”, que conhecemos aqui no Brasil como Bandeirante. Nos anos 90, criou com sua esposa uma pequena empresa para reformar e vender peças do jipe japonês na Califórnia, chamada TLC (Toyota Land Cruiser).

O negócio cresceu e se tornou famoso, tanto que quando a Toyota planejou criar um veículo que captasse a mística do FJ, chamou Ward como consultor. O carro resultante, o FJ Cruiser de 2007, porém, não ficou como Ward esperava. Na verdade, nem um pouco. Ele resolve, então, fazer o carro de seus sonhos sozinho. Para isto, cria uma nova marca, a Icon.
O resultado é algo que, apesar de ser idêntico ao original em carroceria, é algo muito diferente. Um carro totalmente moderno em desempenho e conforto, feito para durar para sempre, com os melhores materiais e peças possíveis, e com todo carinho e cuidado. Apenas a aparência é igual a um velho Toyota.

O chassi é próprio de perfil fechado, super-rígido, e conta com suspensões de cinco links e molas helicoidais (mas ainda eixos rígidos de alta capacidade de torque e diferenciais bloqueáveis, da Dana), e freios a disco nas quatro rodas. O motor é o excelente V8 de alumínio da Chevrolet (o onipresente LS), em versões a partir de 435cv (e indo até onde sua imaginação e seu bolso desejarem), atrelado a um cambio a sua escolha (manual Tremec ou automático GM). Ar condicionado, som e conectividade de primeira linha, bancos modernos individuais, geladeiras e outros confortos modernos estão presentes. A carroceria é em alumínio, com pintura eletrostática, e como todo o carro, é feito para durar para sempre mesmo em uso pesado.
Uma volta as origens do gênero, com tudo de bom de um carro moderno, e de quebra construção cuidadosa a mão, individual para atender seus caprichos, coisa que costumava diferenciar um Aston-Martin e um Ferrari de todo o resto. A produção da pequena fábrica chega a 50 carros por ano. Mesmo custando preços obscenos, um carro simplesmente adorável.
O futuro repetindo o passado, um museu de grandes novidades. Definitivamente, como dizia o poeta, o tempo não para.
MAO
P.S.: Vale a pena uma visita no site da Icon; não é apenas o FJ que é sensacional ali. O endereço é: www.icon4x4.com