O Ford Flex foi lançado nos Estados Unidos em 2008, como modelo 2009. Muito semelhante ao conceito batizado de Fairlane surgido logo no começo do ano de 2005, no Salão de Detroit, também sob o comando do designer-chefe J Mays, como no meu texto anterior sobre o Forty Nine.
O nome usado no conceito é antigo na Ford, já que de 1955 a 1970 foi aplicado em uma família de sedãs e cupês com vários estilos evolutivos.
Foi, então, surpresa ver uma perua bem grande — que poderia ser confundida com um utilitário esporte — aparecer com esse nome, mas propositalmente chamou atenção do cliente tradicional da marca, e esses antigos proprietários do Fairlane do passado hoje precisam de espaço para carregar filhos, netos, esposa e sogra e tudo mais que orbita em torno deles.
É um eficiente caixotão para carregar gente e tralhas, com um estilo do tipo ame ou odeie, exatamente como eu acredito que todo automóvel deva ser. Se algo agrada a todos, ou nos torna indiferentes à sua aparência, temos problemas, o maior deles sendo a sensação de padronização, de tudo a mesma coisa. Como ir ao supermercado, procurar uma batata frita tradicional e só encontrar as temperadas, por exemplo.
Em 2013, o Flex teve algumas alterações visuais, principalmente na dianteira, e não se parece com os outros Fords americanos, nem com os de outros países. A primeira dianteira tinha grade de três barras horizontais cromadas, no mesmo conceito visual do Fusion, mas isso acabou com o face-lift.
Apesar de facilmente explicado e entendido do ponto de vista de mercado, as dianteiras de vários carros de uma marca com os mesmos elementos visuais é algo que entedia qualquer pessoa com um mínimo senso estético. Com a mesma face, os carros ficam parecendo aqueles uniformes de regimes comunistas. Esse tipo de definição pode agradar aos profissionais que criam as propagandas, que podem usar o “family feeling” para identificar melhor os produtos, atribuindo uma “cara” à gama de modelos de um fabricante.
O Flex foge às regras desse tipo. Trata-se de um laboratório de diferenciação que a Ford pôde se dar ao luxo de manter em um mercado grande como o americano, onde o carro é vendido em pequena quantidade.
Em 2014 foram apenas 23.822 unidades, um quarto da estimativa na época do lançamento. O melhor ano de vendas foi o primeiro, com 38.717 unidades. No lançamento, o marketing da Ford previa 100 mil Flex por ano.
A revista americana Car and Driver recentemente incluiu o Flex numa matéria sobre os 10 melhores carros que ninguém compra. Uma seqüência de carros que, diga-se de passagem, parece quase totalmente uma lista de desejos minha.
O carro mais próximo na linha da Ford dos EUA em tamanho é o Explorer, que vende quase dez vezes mais.
Aí eu me pergunto mais uma vez: isso interessa? O entusiasta autêntico de carros se importa se o modelo que ele escolhe vende muito ou pouco? Carro nunca foi máquina de lavar, apesar da maioria dos clientes desse mercado assim tratar nossas adoradas máquinas. Na verdade, o comprador-padrão hoje em dia está mais para comparar carros a computadores portáteis multiuso, esses de ficar passando os dedos na tela e que um dia foram telefones.
O Flex tem preço começando em US$ 29.100 na versão SE, de entrada. Com esse preço, e carregando até sete pessoas com todos os habituais itens de conforto e segurança, já mostra uma eficiência notável como meio de transporte num país desenvolvido. Depois do SE vem o SEL e o Limited, esse bem mais caro, a partir de US$ 37.700, aí já com tração nas quatro rodas e um motor mais potente, entre outras coisas.
Como acredito muito que os modelos de entrada para mercados como o americano já sejam algo decente, analisemos brevemente as mecânicas.
O carro tem a mesma arquitetura básica do Taurus, Explorer e Lincoln MKT, e pode ter tração dianteira ou nas quatro rodas. Os motores disponíveis são ambos V-6, o mais moderno EcoBoost (369 cv, injeção direta e turbocompressor, só na versão de topo, Limited) e o Ti-VCT, da família Duratec (289 cv) ambos de 3,5 litros na SE e na SEL. Sempre com câmbio automático de seis marchas. A tração nas quatro é opcional nos modelos mais baratos e de série na Limited.
Obviamente, olhando-se para ele já se sabe não ser um suve, mais lembrando uma perua grande e alta. Em todas as avaliações que pesquisei, o comportamento é de um carro grande, não de um suve, apesar de mais alto que o Taurus, que é sua base de projeto. As suspensões são McPherson na dianteira e multibraço atrás, com aquela calibração típica Ford moderna; em uma palavra, ótima.
Só o fato de não ser um carro alto como um suve já faz entender porque a Ford Brasil não importa esse modelo, e insiste apenas com o Edge, não havendo opção para quem precisa de um carro com mais espaço interno para pessoas e carga. Exceto se escolher um Transit, que não é um carro normal, mas sim um cargueiro.
Meu amigo Bill Egan, ex-colaborador do AUTOentusiastas, alugou um Flex numa viagem à Califórnia cerca de três anos atrás, justamente o estado onde as vendas são mais volumosas (21% do total em 2014) e gostou muito do carro, de verdade. Disse que foi uma versão SEL cor vinho metálico com teto preto, interior caramelo e com os tetos de vidro. Viajou com mais dois adultos de Los Angeles a San Francisco, com seis malas grandes, mochilas e malas de mão, um jogo de rodas para seu Alfa Romeo GTV e “toda a gordura que conseguimos comer” . Além disso, diz o Egan, “era bem bom para dirigir, se mexia como não tinha direito a se mexer… muito legal, bom ride (molejo), grandão, mas baixinho. E tetos solares individuais e captain chairs atrás”.
O Bill já andou em centenas de carros diferentes, de tudo que é nacionalidade e tempo de vida, e se ele diz que a dinâmica de um carro é boa, não tenho por que duvidar. Nosso gosto pelo carro é tamanho que nos envolvemos em uma bem-humorada discussão com outros amigos autoentusiastas nessa semana, e cheguei a “chutar o balde”, dizendo que assim que eu ganhar um bom prêmio de loteria importarei dois Flex, um para mim e outro para ele. Está aqui registrada a promessa.
As captain chairs (banco do comandante) que ele menciona são bancos individuais, do tipo poltrona, que podem ou não ser acompanhados de um console fixado ao assoalho. Com esse console a capacidade diminui para seis passageiros. Mais conforto em troca de uma pessoa a menos.
No porta-malas há dois bancos menores, que têm acionamento elétrico para serem guardados no assoalho, tornando o piso plano. Esses bancos podem ser armados voltados para frente ou para trás. Versatilidade extrema.
A Consumer Reports, entidade americana que avalia extensamente produtos de todos os tipos e publica revistas, além de um site impressionante (consumerreports.org), infelizmente pago, recomenda apenas dois produtos da Ford como sendo muito bons de uma maneira geral, o Fusion e o Flex. As avaliações levam em conta os problemas encontrados ao longo do tempo, não apenas as qualidades e funcionamento de carros novos. E não deixam barato quando se trata de criticar o que não funciona direito ou deixa o cliente insatisfeito. Eles falam de forma fria e sem panos quentes, mostrando problemas claramente.
Rumores dão conta de que em 2017 o Flex pode ser descontinuado, por ser mesmo um modelo com vendas muito baixas para um mercado enorme, já que não caiu no gosto de uma quantidade suficiente de pessoas.
Desnecessário dizer que gosto não se discute. Lamenta-se.
JJ