Certa vez ouvi uma frase muito interessante, talvez tenha sido de autoria do Jeremy Clarkson (do programa televisivo inglês Top Gear), não tenho certeza, mas que só faz mesmo sentido depois que você passa por alguma experiência não muito agradável. Era algo como “a verdadeira emoção em andar rápido em um carro não é acelerar, mas sim parar”.
Até o dia em que precisamos frear realmente forte para evitar um acidente, não damos muito valor a este sistema e em seu funcionamento, se está adequado ou se é dimensionado de maneira correta a suportar toda a carga de trabalho sobre ele exercida. Ele está lá, usamos regularmente, mas em situações de condução normal quase sempre longe de seu limite.
Nem sempre o sistema convencional de freio de roda é suficiente para gerar a força de frenagem necessária para determinada aplicação, especialmente em veículos comerciais como carretas e caminhões pesados, que carregam dezenas de toneladas de carga, e também nos carros de alto desempenho. Para tal, existem sistemas de freio auxiliar que complementam a força de frenagem do sistema convencional de discos de freio ou tambores.
Alguns deles são bem curiosos, pois a criatividade vai longe para inventar novos sistemas que possam dar conta do trabalho. A função de um sistema de freio é dissipar energia cinética do veículo para reduzir a velocidade. A forma de como essa energia será consumida não importa muito, contanto que a energia cinética seja reduzida, é assim que sistemas tão diferentes atuam.
Jake Brake ou Freio de Cabeçote
Conhecido no mercado como freio de cabeçote, este sistema é utilizado nos motores Diesel de veículos comerciais pesados. O princípio de funcionamento é a dissipação de energia cinética do movimento dos pistões do motor.
Na verdade, seria uma otimização do freio-motor convencional. Em um motor de carro de passeio, quando tiramos o pé do acelerador, o motor “segura” o carro com o a desaceleração dos pistões, mas em motores Diesel o freio-motor é um pouco diferente dada sua forma de trabalho. Com o jake brake, o sistema das válvulas do cabeçote trabalha diferente. Na fase de compressão do motor, o pistão sobe comprimindo o ar, mas perto do ponto morto superior, o sistema abre a válvula de escape e a pressão acumulada no cilindro é liberada.
Desta forma, o pistão gasta energia comprimindo o ar no cilindro, mas essa energia não é devolvida ao pistão com a expansão do ar, mas sim é liberada com a abertura da válvula e a energia vai embora com o ar pelo escapamento. Essa redução de energia no sistema faz com que o motor desacelera e segure o veículo.
Os sistemas mais modernos possuem regulagem de quanto freio motor é gerado com o jake brake, que é usado dependendo da carga do veículo e das condições de pista, como uma descida mais ou menos íngreme.
Freio de escapamento
Muito usado em veículos comerciais, o freio de escapamento é basicamente uma válvula que restringe a passagem dos gases de escape pelo escapamento, criando uma barreira física, como se fosse uma borboleta de um corpo de aceleração do coletor de admissão.
Com a restrição, na desaceleração o motor fica limitado pela pressão gerada no sistema de escapamento e mais energia é gasta para manter o movimento. Este gasto maior de energia é o responsável pela desaceleração do motor e do veículo. Podemos dizer que é um tipo de multiplicador do efeito freio-motor normal.
Este sistema apenas requer um projeto mais robusto do sistema de escapamento que fica entre o cabeçote e a válvula, pois a pressão interna é muito alta e pode danificar o escapamento.
Retarder eletomagnético
Outra forma de gerar energia de frenagem auxiliar é pelo meio de componentes que seguram o movimento do trem de força. Chamado de retarder, por retardar o movimento do veículo, este componente possui duas principais configurações. A primeira é a versão é a eletromagnética, que usa um sistema de acionamento elétrico para controlar a energia de frenagem desejada.
O retarder vai montado na maioria das vezes entre o cardã e o câmbio, mas também pode ser neste próprio, e funciona como um alternador. O conjunto formado por um estator (corpo fixo) e um rotor (parte móvel que gira) recebe o movimento de rotação que vem das rodas do veículo por meio do trem de força, e quando acionado, o campo magnético do equipamento gera correntes elétricas parasitas, e este processo cria uma restrição ao movimento do rotor, bem como no alternador do motor.
Esta restrição é que atua como freio, pois transforma a energia cinética do veículo, que vem pela rotação dos componentes do trem de força, em energia elétrica. É uma forma de se aproveitar a energia disponível pelo movimento do veículo, com um pequeno “custo”, que é alimentar o retarder com uma pequena corrente elétrica para gerar o campo magnético necessário (como nos alternadores conhecidos).
Retarder hidráulico
O sistema hidráulico é similar ao elétrico, porém trocando a corrente parasita por atrito entre fluido viscoso e componentes móveis do retarder. Ele funciona como um conversor de torque, só que com um dos rotores estático. Dentro do dispositivo, dois rotores com diversas pás atual sobre um fluido hidráulico, geralmente óleo, e o atrito do fluido gerado pelo movimento do rotor livre com o rotor estático gera a força de restrição necessária para diminuir a velocidade do veículo.
O retarder é montado geralmente na transmissão, diretamente na linha de ação do sistema ou lateralmente, com a atuação por eixos paralelos. Conforme a necessidade de mais ou menos poder de frenagem, o volume de óleo pode variar para que o arrasto viscoso possa exercer a função de segurar a árvore de transmissão.
Dependendo da aplicação, pode-se optar pelo hidráulico ou pelo eletromagnético, e pela disponibilidade de espaço no veículo para montar um ou outro sistema, pois ocupam um espaço razoável.
Freio aerodinâmico
A resistência do ar é um dos principais contribuintes para a queda da eficiência de um veículo em movimento. Quanto maior a resistência, ou arrasto aerodinâmico, maior é a energia gasta para manter uma velocidade constante, e quanto maior a velocidade, maior a resistência.
É possível utilizar o arrasto em favor do veículo, justamente quando se deseja restringir o movimento. Alguns supercarros modernos e alguns carros de corrida já fizeram ou ainda fazem uso deste recurso. Ao se criar uma grande resistência aerodinâmica, ela atua como um freio auxiliar. O Mercedes-Benz 300 SLR de corrida de 1955 utilizou este recurso, criado especialmente para a 24 Horas de Le Mans, uma maneira eficaz de dissipar velocidade no fim da reta de Mulsanne com seus 6 quilômetros originais.
O Bugatti Veyron também possui um sistema de freio aerodinâmico, inclinando a 55° o aerofólio traseiro em frenagens acima de 200 km/h, que de acordo com a fábrica é capaz de gerar sozinho 0,68 g de desaceleração, o que significa o mesmo poder de frenagem de um carro compacto numa frenagem de emergência.
É uma forma de se aproveitar uma energia gratuita, disponível a todo instante, porém requer um sistema de atuação e só é eficiente a velocidades elevadas, válido para carros de alto desempenho e carros de corrida.
Nos dragsters (e nos aviões) é usada a frenagem aerodinâmica por meio de um pára-quedas na traseira/cauda que se abre para reduzir bastante a velocidade.
Freio regenerativo de sistemas híbridos
Os carros equipados com sistema de tração híbrida (motor de combustão interna e motor elétrico) podem utilizar o conceito do freio regenerativo para recuperar a energia cinética do movimento, transformando-a em energia elétrica para ser acumulada.
O princípio do freio regenerativo é o mesmo do retarder eletromagnético, porém utilizando a energia elétrica gerada nas correntes parasitas. Ele atua como se existisse um alternador acoplado nas rodas do veículo, que gira livremente com o veículo em velocidade constante ou em aceleração, e quando o freio é acionado, o alternador entra em ação e gera energia elétrica. Quando ele é acionado, as correntes elétricas criam uma resistência ao seu movimento, que acaba funcionando como um freio, por estar ligado às rodas, e consequentemente reduz a velocidade do carro.
Este é um sistema que também aproveita uma forma de energia que está disponível o tempo todo, a energia cinética do veículo em movimento, e ainda a reaproveita. O lado negativo do sistema é que um controle mais preciso e boa harmonia com o freio de roda convencional precisa ser muito bem feito, pois a eficiência e reações no pedal de freio podem variar muito, por exemplo, quando a capacidade de armazenamento de energia está cheia e o sistema atua pouco. Não pode haver diferença na sensação e efetividade do pedal de freio, sob o risco de prejudicar a condução do veículo.
MB