Carros conversam, apesar de escutarem mal. Já vi gente com o possante parado no acostamento suplicando “não faz isso comigo” e nada de resposta. Ou do carro andar.
Com doutorado em caco velho, posso afirmar que carros (quase) sempre avisam quando vão quebrar. E os avisos são na maioria das vezes sonoros, uma “conversa” que nem sempre seus donos sabem escutar ou interpretar.
O “quase” em relação aos avisos sonoros fica por conta da eletrônica embarcada, que às vezes quer desembarcar e te deixar na mão. “Paus eletrônicos”, “chips entupidos”, a ação da umidade e do Osmar Contato e outros quetais se expressam de maneira mais complicada. Merecem outro post.
Mas, para ilustrar a conversa de carro prestes a pifar, conto dois casos.
Subarinho Vivio, com seus valentes 660 cm³ e 42 cavalinhos bem dispostos começou a perder rendimento, que depois voltava ao normal. No começo, durava alguns segundos e depois passou a um ou dois minutos. Ele já tinha me avisado, através do winnnnnnnn da bomba de combustível no tanque. O ruído da bomba, normalmente só percebido quando se liga a chave, tinha ficado mais alto, sinal de desgaste interno. Outro aviso mais claro: quando o motor perdia “força”, o ruído da bomba ficava diferente, praticamente avisando que seu rotor girava mais lentamente.
Claro, além de surdo, fui teimoso e sem tempo para consertar o japinha, meti o Kei-Jidosha (apelido japonês para veículo light ou carrinho urbano) na estrada. A bomba pifou em plena rodovia Castello Branco. Mas o carrinho foi legal: chegou na oficina se arrastando por uns 100 km, só funcionando em baixa rotação e com grave perda de potência. A pressão de combustível na linha era de 0,6/08 bar, enquanto o normal seria 2,3~2,5 bar. Ou seja, não parou por pura pena do dono. Trocada a bomba (igual ao do Gol e de centenas de outros modelos) tudo voltou ao normal.
No outro extremo da minha cadeia pessoal automobilística, o Mercedes 300D (que alguns já conhecem a história pelo Ae) começou com um barulho ritmado de vazamento de ar no motor, parecia uma bomba de pneu de bicicleta: xiii, xiii, xiii, xiii.
Ao mesmo tempo, o freio começou a perder eficiência. A primeira freada era razoável, mas na segunda o pedal ficava bem mais duro, exigindo muito mais força para diminuir velocidade.
Como seu motor é Diesel, não existe “vácuo” (pressão negativa) no coletor de admissão. Assim, existe uma “bomba de vácuo” para alimentar o servofreio (ou “hidrovácuo”), o que diminui muito o esforço para frear.
Pois é, a bomba de vácuo tinha problemas de vedação, vazando pressão (negativa e positiva) para tudo quanto é lado. Fizemos um quebra-galho (trocando juntas de vedação e improvisando uma nova tampa) e a bomba e os freios voltaram ao normal. Encomendei uma bomba nova via ebay, que chegou um mês depois. Isso aconteceu anos atrás. Nem sei onde guardei a bomba nova. O “quebra-galho” foi tão bom que dura até hoje.
Mas, isto é outra “teoria da conspiração” da minha mente fantasiosa: quando você tem a peça nova, o componente velho fica envergonhado e teimosamente se recusa a quebra. Só para te encher o saco.
Loucuras áparte, a maioria das quebras mecânica antes avisa através de um ruído estranho. Ou mesmo por uma mudança de barulho, de tom, ou de volume.
Mecânicos experientes costumam dizer que um motor está “rosnando”, ou “bielando”, e que assim não vai longe. Dê uma duas ou três aceleradas rápidas em um motor bem cansado, com o carro parado. Se escuta claramente o rrrrrrrrrrrr vindo das folgas de bronzinas de biela.
Conheça bem os ruídos normais de seu carro. Mesmo que você seja um apreciador de som automobilístico (másica clássica, rock, forró, pancadão, sertanojo… qualquer coisa), quando pegar uma boa estrada, desligue o som por alguns minutos, feche os vidros, desligando também o condicionador de ar e ventilador interno. Dedique alguns minutos a escutar seu carro e criar um padrão de ruídos normais. Sempre que algum ruído se alterar, geralmente ficando mais elevado, tem algo errado. O carro está falando que “vai dar fezes”. A menos que você tome providências, de preferência com rapidez.
Um assobio no câmbio, quando leve, pode te lembrar que o lubrificante nunca foi trocado. Troque. Se o ruído continuar, provavelmente algum rolamento pretende ir para o ferro-velho.
Mesmo o barulho do motor quando se está em velocidade quase constante, pode ser revelador. Se for aumentando levemente, o motor pode estar superaquecendo.
Para os mais sensíveis: quando se usa só álcool, o motor tende a ser um pouco mais ruidoso, áspero, já que o gerenciamento eletrônico vai “soltar ponto” (adiantar a ignição). Quando se usa gasolina (ou alcoolina, pois a gasosa Lava Jato tem 27% ou mais de cana) o motor trabalha mais quieto.
Assobios vindos da área externa do motor indicam agregados querendo atenção: correias com falta de tensão, rolamentos de alternador desgastados, bomba da direção hidráulica danificada, bomba d’água travando ou, mais trágico, tensor da correia dentada do comando querendo te abandonar. E um tensor quebrado arrebenta a correia, que pára o comando… válvulas são atropeladas pelos pistões e sua conta bancária também vai ser danificada.
Clock-clock vindo das rodas da frente (em carros com tração dianteira) geralmente indica desgaste nas juntas homocinéticas. Aliás, clock-clock nas rodas também pode dizer que tem rolamento “subindo no telhado”. E um rolamento de roda quebrado pode te levar a subir em um barranco.
A lenda urbana de que o motor “explodiu do nada” quase sempre não é verdadeira. O motor mudou o barulho, a temperatura subiu e… o motorista fez tudo errado. Explico: quando um motor tem algum aumento interno de atrito ou temperatura, ele perde rendimento. O que o motorista faz: pisa mais no acelerador para tentar compensar a “lerdeza”. Serviço completo: algo está funcionando mal e o “pé no fundo” só piora a situação, aumentando o esforço de um motor que está complicado. Aí ele estoura.
Claro, um erro de engate de marchas (colocar uma terceira em lugar da quinta), “tirar o motor de giro” (nos carburados) e outras bobagens do mesmo estilo também ajudam o motor a “explodir”.
Outros avisos sonoros que nunca devem ser desprezados vem da suspensão. Passando em buracos, existe um ruído normal da suspensão trabalhando. Mas, qualquer barulho seco, batida, batucada… indica desgaste de buchas, bandejas, mancais de borracha, amortecedores… até mesmo coxim de motor quebrado.
Até o chiado do limpador pede palhetas novas, sob pena de riscar o pára-brisa. Aliás, chiado nos freios exige pastilhas ou lonas novas. Nhein-nhein-nhein quando se faz manobras pede completar o fluido hidráulico na direção, que pode ter vazamentos.
Enfim, acostume com seu carro e seus ruídos. Assim fica bem mais fácil sentir alguma mudança e diagnosticar problemas antes que eles aconteçam.
Claro que outros sentidos também ajudam e muito. Cheiros (de fumaça ou combustível) merecem investigação imediata, por exemplo. Vibrações diferentes, sentida pelo tato (ao volante ou pelo bundômetro) também merece atenção especial.
E, treinando muito, se chega a um nível quase de feiticeiro ou mágico de Las Vegas.
Explico com um casinho final.
Saio com o José Carlos Finardi, de São Bernardo do Campo (SP), como passageiro em meu carro.
O Zé começa a esticar a perna e passear o pé pela parede de fogo do carro.
“O que acontece, Zé, tá passando mal?”
“Não, tem uma bucha de bandeja de suspensão folgada”.
“Qual das buchas da bandeja: dianteira ou traseira, Zé?”, provoco.
Ele fecha os olhos, apóia o pé e dispara: “Acho que é a traseira, mais perto de mim”.
Claro, voltando para oficina dele, levantamos o carro.
Desgraçado! Tinha razão! Era exatamente a bucha traseira que estava gasta, me mostrou um Zé sorridente, forçando a bandeja com uma alavanca.
Tipo “Elementar, meu caro Watson”, para alguém como o Zé Carlos, com décadas de experiência e pelo menos 20 anos na oficina de desenvolvimento da engenharia da Volkswagen. Um dia a gente chega lá, basta praticar.
JS