Tenho um amigo jornalista pelo qual tenho uma enorme admiração e respeito. Apenas não digo o nome pois não o consultei a este respeito, mas contarei o fato. Uma vez li uma coluna dele e como faço amiúde mandei-lhe um e-mail não apenas para elogiar o texto mas para também comentar alguns pontos. E disse: quando achamos que estas pessoas chegaram ao fundo do poço da incompetência, nos surpreendem com mais incompetência. Ele, no seu peculiar estilo mordaz, respondeu: Norinha, eles têm o que é mais necessário para isso: picaretas.
Bem, tenho me lembrado desta frase pois não sei mais como definir as ações da Prefeitura de São Paulo. Como já disse neste espaço, inicialmente tentei evitar escrever muito sobre assuntos da cidade no Ae por ser de âmbito nacional, mas tendo em vista que as pragas não conhecem limites regionais e acabam sendo copiadas em outras paragens, prefiro falar sobre isso para que sirva de alerta. Afinal, recentemente ouvi barbaridades como querer implementar uma segunda ciclovia numa cidade do interior que tem 20.000 habitantes onde a primeira nem é utilizada, alegando que “até a avenida Paulista, em São Paulo, tem ciclofaixa”. Detalhe: a primeira foi realizada apenas pintando uma calçada já existente e pelo mesmo argumento, a cidade em questão deveria ter metrô, assim como a avenida Paulista, não?
Pessoalmente, tenho uma teoria. Acredito que a estratégia é ir colocando bodes na sala, um atrás do outro, em curtos intervalos. Chiamos, esperneamos, mas antes de que seja tomada qualquer atitude em relação ao primeiro bode, chega outro. Assim, acabamos meio que deixando de lado o anterior. Afinal, terminamos convivendo com uma dúzia deles, não porque os aceitemos, mas apenas porque não conseguimos dar conta de tantas reclamações. Sabe a estratégia do chefe sacana que te dá uma tarefa gigantesca atrás da outra? Você nem tem tempo de reclamar que não tem como fazer uma e, pimba, lá vem outra? E assim você vai fazendo uma atrás da outra… ou não, às vezes eles nem percebem que você não as faz, mas eles fingem que estão mandando em alguém. É a mesma coisa.
Eu já contabilizo vários bodes. De cabeça me lembro de faixas exclusivas para ônibus, ciclofaixas, redução de velocidade, fechamento de avenidas ao trânsito, proliferação de radares, para ficar apenas nas mais absurdas. Isso sem falar nas que não vingaram (por enquanto) como fechamento das pistas expressas das marginais à noite.
O bode mais recente são as faixas verdes para pedestres. Um primor de originalidade, diga-se de passagem. Na avenida Liberdade, pertíssimo do marco zero da cidade, alegando que os pedestres têm pouco espaço para circular, especialmente na hora da saída das faculdades, à noite, a Prefeitura decidiu pintar ao lado da calçada 750 metros de comprimento por 1,5 metro de largura com tinta verde de algo que seria um alargamento da calçada e vai paralela à ciclofaixa, mas do outro lado da rua.
É fato que há várias universidades na região. Mas uma rápida olhada na foto abaixo explica porque não há espaço para pedestres. Além de inúmeros ambulantes durante todo o dia, à noite surgem pipoqueiros com seus carrinhos e vendedores de todo tipo de objeto que estendem tecidos de, fácil, metro e meio por dois metros sobre os quais expõem suas mercadorias e que nas pontas tem barbantes que permitem que sejam rapidamente recolhidos quando chega a polícia, ou o popular “rapa” — o que é raríssimo, diga-se de passagem. Isso sem falar nos inúmeros postes que segundo a legislação em vigor já nem deveriam existir, pois a fiação deveria ser subterrânea. Apenas essas medidas já desobstruiriam as calçadas e permitiriam que os pedestres circulassem com segurança e não “protegidos” por uma camada de tinta verde no chão. Ou ela se transforma em guardrail para pedestres, como nas histórias em quadrinhos em que os super-heróis passam de duas a três dimensões num instante?
Aliás, várias perguntas ficaram sem resposta. Durante o dia, quando não há tantos pedestres, os veículos podem andar sobre a faixa verde? Onde foi parar a faixa de ônibus implantada não faz muito tempo? Por falar nisso, transporte coletivo não era prioridade da Prefeitura? Ou ela governa para a minoria (de pedestres)? Outro detalhe: a calçada atual, sem o “puxadinho” tem entre 2 e 4 metros de largura, ou seja, perfeitamente dentro do que exige a legislação.
Um dos meus livros favoritos quando era pequena era “O Fantasma de Canterville”, uma belíssima história de Oscar Wilde, que mostra de forma engraçada os contrastes entre norte-americanos e ingleses. Resumindo, a família de um diplomata norte-americano compra um castelo mal-assombrado perto de Ascott. O coitado do fantasma, que tem 300 anos e realmente existe, fracassa estrepitosamente ao tentar assustar os pragmáticos gringos que se divertem e, ao contrário, vivem pregando peças nele e não temem nada. Nem as crianças. Na minha passagem favorita, desesperado pela falta de tinta pois toda hora ele tem que renovar as gotas de “sangue” que deixa no tapete, e que a senhora Otis limpa com seu super produto que tira qualquer mancha, ele começa a usar “sangue” de outras cores. Até verde e azul. Bem, acho que em São Paulo depois das ciclofaixas vermelhas, dos cruzamentos em xis azuis, das faixas para pedestres verdes, estaremos como o fantasma de Canterville, usando cores estapafúrdias para tanta invencionice. Daqui a pouco seremos fashionistas e teremos, sei lá, calçadas “berinjela” para skatistas, faixas “marsala” para canhotos, talvez. Ops, melhor não dar a sugestão…
Mudando de assunto: tenho assistido o documentário “Ayrton: retratos e memórias”. No capítulo que fala do início da briga com Nélson Piquet aparece a história de que Senna teria dito, antes da primeira corrida do campeonato de 1988, que ele não queria dar entrevistas e havia sumido da mídia “para dar espaço para Piquet”. Ora, logo depois dele ter ganho o tricampeonato (justamente em 1987), quando Senna ainda não havia ganhado título nenhum? Desculpem, mas não dá para acreditar. Se era piada (duvido), é estúpida e sem graça. Senna sempre adorou imprensa e holofotes e Piquet nunca deu a mínima para isso. E se fosse verdade teria sido um gesto nobre e como tal não deveria nem ter sido divulgado.
NG