Normalmente focada na F-1, a coluna desta semana, a um mês do Ano Novo, é centrada no automobilismo tupiniquim, que vive uma fase antagônica: no lado positivo, um calendário paulista com 10 etapas em 2016, Londrina e Cascavel dando bons exemplos e Curitiba prestes a perder sua pista. Um fim de ano de esperança e tristeza.
Se em 2015 o automobilismo de pista paulista esteve com uma ou duas rodas na cova, nos últimos dias algumas notícias acenderam um holofote no fim do túnel: a Federação de Automobilismo de São Paulo, a controversa Fasp, anunciou um calendário de 10 etapas que tem tudo para consolidar um movimento que merece ser batizado de “automobilismo de raiz”. De carona nessa programação quase idílica, o empresário e apaixonado Marcos Galassi divulgou o início da construção em série da primeira leva de carros da F-Inter, este sim, um sonho que se transforma em realidade. Isto é o fim de ano de esperança.
Vale dizer que essas duas notícias criam direitos e deveres a todos os envolvidos: é hora de deixar diferenças de lado e remar na mesma direção. Isso significa praticar um automobilismo que prime pela camaradagem sem que cada etapa vire uma excursão de fim de semana, onde em lugar de se criar divisões de subdivisões, crie-se categorias mais fortes e competitivas. Será o primeiro passo para trazer o público de volta ao autódromo, algo essencial para gerar interesse de patrocinadores e da imprensa, duas frentes que devem receber ser tratadas com mais atenção: uma não vive sem a outra e as duas criam a esperança de fazer o negócio automobilismo prosperar.
Tudo isso só vai dar certo se os clubes e a Fasp, a Fasp e os clubes — a ordem não muda nada posto que as duas entidades são formadas por um grupo unido, comandado por quatro ou cinco pessoas — renunciarem à letargia que os caracteriza. Como escrevi há pouco tempo, antigamente o público pagava para ir ver corrida de automóvel e os pilotos recebiam prêmios em dinheiro; hoje os pilotos pagam para tudo, inclusive para correr, e o público talvez vá ao autódromo se ganhar alguma coisa. Enquanto clubes e federação insistirem em viver de inscrições e vendas de carteirinhas e outras burocratices, nada vai mudar. Que os dirigentes paulistas não venham com a ladainha de que a Fasp tem uma estrutura cara e precisa faturar para pagar suas contas: o que o autoentusiasta quer é que os cartolas de plantão defendam e promovam o automobilismo.
Essa promoção não deve ser a exploração pura e simples de track days ou provas de arrancada nas noites de sexta-feira. Que também se sacie a sede de quem se satisfaz acelerando duzentos e poucos metros em Interlagos ou que, sabiamente, acelere seus possantes em um local apropriado. Mas que se apare a grama e se tape os buracos dos caminhos que podem levar novos brasileiros aos paddocks das grandes categorias internacionais. Nem todos que praticam o esporte querem chegar à F-1, mas é nas corridas regionais que se forma a base da pirâmide que revela Emersons, Nélsons e Ayrtons para o mundo dos Grandes Prêmios ou para o automobilismo de elite do Brasil.
Duas frentes que atuam de maneira prática e consistente nesse aspecto são as comandadas por Jan Balder e Marcos Galassi. Balder é um profissional de automobilismo que se auto-recompensa em atuar no meio muito mais do que os proventos financeiros que seus ralis de regularidade lhe proporcionam. Seus eventos reúnem velhos e jovens apaixonados por automóveis que convivem em ambiente de simplicidade e camaradagem, não importa se sejam pilotos, navegadores ou auxiliares do encarregado de fiscalizar o movimento das folhas. O automóvel é a razão de compartir o autódromo e mesmo que a competição tenha tons de café com leite se comparada com outras categorias, o que se respira ali é gasolina da mais alta octanagem.
Por seu lado, Marcos Galassi dá continuidade ao seu projeto F-Inter, que reedita o conceito de categoria de base para os kartistas que atingem o momento de mudar para o automóvel. Um projeto que deveria ser assumido em plano nacional pela Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA), mas que há anos não consegue apresentar ou desenvolver nenhum projeto semelhante por seus próprios meios, ainda que seu organograma tenha uma diretoria de marketing e planejamento. O único programa de incentivo a kartistas é mantido pela Petrobrás e existe desde 1999; as fórmulas RS e 1600, do Rio Grande do Sul, são obras da administração local e pouco ou nada tem de investimento por parte da CBA. Talvez por causa das dificuldades de se lidar com o esporte em nível nacional é que Galassi insiste em dar passos mais curtos e consolidar seu projeto degrau a degrau.
Fora de São Paulo deve-se destacar o trabalho que dirigentes de Londrina e Cascavel desenvolvem para fazer bom uso dos seus autódromos. A categoria Sprint Race é uma opção para acelerar carros construídos para competição e que exigem orçamento relativamente baixo: R$ 28 mil por prova, tudo incluído, exceto as batidas de praxe. Sem firulas ou outros sonhos, as rivalidades sadias sobrevivem em ambientes onde se praticam menos categorias que na capital paulista e os espetáculos tornam-se atraentes para o público. Provas como a Cascavel de Ouro já teve competidores e automóveis mais sofisticados, mas a edição deste ano, reservada a automóveis que as fábricas consideram modelos de entrada (leia-se produtos à venda no mercado…) confirmou que vale mais uma festa bem organizada com cachaça de qualidade do que uma balada onde o uísque importado é falsificado.
Já que o assunto ressaca despontou, falemos do fim do Autódromo de Curitiba, que apesar do nome fica no município de Pinhais, caso semelhante ao autódromo de Tarumã, este situado em Viamão… Não é de ontem que a pista na região metropolitana da capital paranaense vive dias de agonia, só que desde a metade deste ano que as equipes e oficinas localizadas no terreno do autódromo receberam ordem para deixar o local. Na semana passada o jornal Gazeta do Povo publicou esta reportagem em que o empresário Jauneval de Oms (mais conhecido como Peteco), dono de metade do empreendimento, informou que o circuito será desativado no final do primeiro semestre de 2016. Ainda que a proposta seja manter a pista, no entorno do seu traçado de 3.707 metros serão construídos hotel, supermercado e prédios comerciais, o que inviabilizaria sua utilização como se faz hoje. Há otimistas de plantão que acreditam que esse anúncio faz parte de um jogada de pôquer. A história mostra que blefes funcionam, mas nem sempre. Aliás, muito raramente. Este é o fim de ano de tristeza.
WG