Já faz alguns anos que vi um carro bem diferente num campo de provas na Espanha. O carro era cinza sem brilho, a carroceria era bem aerodinâmica e não tinha vidro traseiro. As rodas traseiras eram cobertas com saias bem grandes. Parecia um pouco como o primeiro Honda Insight, porém mais desenvolvido. O carro estava circulando, volta por volta bem tranquilo, a uma mesma velocidade, parecia uns 100 km/h. Que carro é esse?, pensei? Um pouco mais tarde ultrapassei o carro na pista e vi o emblema ‘VW’. Mais estranho ainda, pensei. Por que a VW estaria experimentando um carro tão diferente como este?
Claro, lembrei-me que Ferdinand Piëch fez uma viagem de Wolfsburg a Hamburgo em 2002 com um carro supereficiente, com um consumo de combustível muito, muito baixo. Depois dessa viagem, numa visão, Piëch disse que um objetivo para a VW seria fazer um carro que fizesse 111,1 km por litro (0,9 L/100 km). Vendo esse protótipo pensei se a VW iria repetir algum experimento deste tipo de novo.
Alguns anos depois, em 2013, a VW mostrou o carro no Salão em Genebra e o Bob Sharp esteve lá para fazer uma volta num carro pré-série (algum tempo depois ele publicou matéria no AE, com um pequeno vídeo, leia). Agora em 2015 a VW fabricou todos os 200 carros planejados e todos já foram vendidos para particulares. Três desses 200 estão na Suécia e agora, por pura sorte, tive condições de pegar um deles emprestado.
É com uma curiosidade muito grande que me aproximo desse Volkswagen XL1. Eu nunca eu poderia imaginar, naquele dia no campo de provas, que eu teria no bolso a chave de um carro assim. A chave não é nada especial, parece qualquer outra de VW. Acho estranho que ainda se pareça com uma chave de um carro que pode ter sido fabricado 15 anos atrás — por que não é algo mais moderno?
E aí esta o carro. Muito baixo, bem pequeno, de cor cinza prata mas brilhante. Bonito o carro não é, mais diferente, sim, e muito. Eu aperto “abrir” na chave e na parte traseira da porta aperto um “botão” grande. A porta tipo de “asa” é de levantar como a de um carro superesportivo. Ela abre para cima e um pouco para o lado, num movimento elegante. Com a porta aberta e olhando para os detalhes em compósito de fibra de carbono da carroceria, parece isso mesmo, como se tivesse algo de Sant’Agata Bolognese, terra do Lamborghini (desde 1998 pertencente à Audi)
Entra-se no carro primeiro com a região glútea, depois as pernas. O banco é bem simples, principalmente para ser leve, e só dá para ajustá-lo longitudinalmente, não encontro nada mais. Não ajuste do encosto. Os instrumentos são bem básicos também, nada de exclusivo ou muito moderno e parece ter vindo do up!
Mas há uma coisa radical e supermoderna, os espelhos externos. Esse deve ser o primeiro carro de série que tem espelhos de câmera. Entrando no carro sem ligar nada, as telas mostram o que as câmeras veem. Vai ser interessante ver como funcionam no trânsito real daqui a pouco.
Sem encontrar um lugar para a chave eu deixo ela no console e com o pé no freio aperto o botão Start no painel. Alguns instrumentos e o mostrador central se acendem, mas tem algum ronco de um V-10 com um escape meio aberto? Nada disso, nada. Antes de entender exatamente os detalhes do carro eu pensava que o XL1 seria algo com um motor diesel bem pequeno e supereconômico. Agora eu sei que o carro é um híbrido com bateria de capacidade de uns 5,5 kW·h. Pequeno até para um híbrido moderno, mas com uma aerodinâmica tão eficiente e um peso de cerca de 800 kg, a autonomia deve ser muito boa.
Num catálogo do carro eu vi que ele pode chegar até 50 km em modo elétrico, sem ativar o motor diesel. Até. Sempre essa palavra “até” nas propagandas dos híbridos e elétricos aqui na Europa. Aqui usa-se o ciclo NEDC, que infelizmente fica longe do mundo real. O ciclo usado pela EPA dos Estados Unidos, o FTP-75, após uma revisão alguns anos atrás, é muito mais realista.
Agora quero dirigir o carro e aperto o acelerador. Sem barulho de algum motor de combustão saio com ele pela estrada, só escutando um ruído bem discreto, como o de alguns carros elétricos. Já dá para sentir que a direção não tem assistência hidráulica ou elétrica. É como num carro antigo, mas com pneus dianteiros de medida apenas 115/80R15, a direção ótima, até um pouco gostosinha. Mas entrando numa curva fechada, de raio pequeno, tem que usar bastante força para segurar o volante, parece que o ângulo de cáster é grande demais. Carros mais antigos raramente têm um cáster tão radical, já esqueceram disso na engenharia de chassi em Wolfsburg?
Apertando mais o acelerador, estou curioso para ver como fica quando o motor ligar. E agora sim, o motor pegou. Que barulho mais feio! Bastante alto e o “ronco” é muito “industrial”, feio mesmo. Em baixa velocidade, uns 60 km/h, o motor perturba, sem dúvida. E em velocidade mais alta vem outro barulho que se mistura com o do motor, o ruído dos pneus. Mesmo eles sendo muito estreitos, vem um barulho bem alto deles para a cabine. Imagino que uma causa disso é os braços da suspensão não serem bem isolados e, sem dúvida, outro forte motivo é que fibra de carbono não isola o ruído dos pneus como a chapa de aço.
Dirigindo na autoestrada tento lembrar se alguma vez dirigi um carro com tanto ruído de pneus — na verdade, não, esse XL1 deve ser o mais barulhento. Isso ele é, mas como a cabine é pequena e como se fica bastante perto um a outro lá dentro dá para conversar sem elevar muito o tom de voz.
No lado bom, não dá para escutar nenhum ruído de vento, já que com um Cx 0,189 e área frontal de 1,5 m² o XL1 é superaerodinâmico. A forma é muito parecida com a de uma “gota d’água caindo”, e com um assoalho plano, rodas traseiras cobertas, pneus bem estreitos e sem espelhos convencionais, é difícil imaginar um carro mais aerodinâmico que esse Volkswagen, mesmo que por pouco. Seguindo informação da fábrica, a potência para manter o carro numa velocidade de 100 km/h, no plano e sem vento, é de apenas 8,4 cv. Essa deve ser a menor potência necessária para qualquer carro do mundo para andar a essa velocidade. Recorde mundial, com certeza. Acho que vou fazer um cálculo sobre isso daqui a pouco, mas agora quero apertar o botão EV no painel.
Fazendo isso o carro sai do modo híbrido, que é quando o motor diesel liga e desliga dependendo da velocidade e como se freia e acelera. No modo EV o carro fica só com o motor elétrico até a bateria quase se esgotar. É algo que a maioria dos carros híbridos modernos tem agora, um modo EV ou “puro”. Dirigi numa autoestrada em velocidades entre 80 e 100 km/h e assim o carro vai bem — claro que ele não é rápido ou “forte”, mas vai bem.
Na tela principal vejo que o consumo médio vai caindo a cada quilômetro. No começo mostrava uns 1,8 litro por 100 km (55 km por litro). Depois de pouco tempo eu passo o limite “visionário” de 1 L / 100 km e vai caindo até 0,3 L/100 km. Neste momento o motor diesel começa a funcionar, para a bateria não ficar totalmente sem energia. A distância? Foram 31 km desde bateria completamente carregada. Chegar a 50 km deve ser mesmo algo bastante teórico, como no ciclo NEDC de teste para homologação do carro.
Isso me faz começar a calcular. O carro só precisa de 6,2 kW para andar a 100 km/h. Dirigindo só com diesel, dá para chegar a um consumo de 1,0 l / 100 km (100 km por litro). Como sabemos que esse era o objetivo principal do projeto? E é por isso que o carro se chama XL1. Mas sem baterias dá para chegar a 100 km com só um litro de diesel? Com mais baterias o carro poderia ter chamado XL0 fácil, como qualquer carro elétrico. Assim, fazendo um carro elétrico só com bateria, um “BEV”, ninguém precisa fazer um carro como esse, leve e superaerodinâmico e com muitos compromissos na área de conforto, espaço e equipamento. Agora quero entender: 100 km com um litro é mesmo possível? Nem vou falar do consumo informado no Salão de Genebra de 2013, 0,9 L/100 km ou 111,1 km/L
Um litro de diesel tem uns 10 kW·h de energia. Andando 100 km a 100 km/h, o XL1 precisa 6,2 kWh, segundo o que a VW diz. Isso parece complicado, porque então o motor tem que ter um nível de eficiência de 6,2/10 = 0,62 ou 62 %. Pelo que sei não há nenhum motor diesel com uma eficiência tão alta. Um motor diesel 2-tempos num navio muito grande pode ter um pouco mais de 50%. Mas um motor num carro que na velocidade de 100 km/h não fica estressado ao máximo? Uma eficiência de 30% acho mais realístico, e isso dá: 6,2 / 0,3 = 20,7 kW e 20,7 kW/10 kW/l dá 2,07 litros, mais ou menos o dobro que o objetivo do projeto.
Ok, 2 litros por 100 km ou 50 km por litro é sem dúvida muito bom, mas por que a Volkswagen não chamou o carro XL2? Ou informar que o objetivo só dá para obter na velocidade de 65 km/h, ou algo assim? Alguém se lembra do VW Lupo 3L? Aquele carro desenvolvido uns 20 anos atrás conseguia fazer isso mesmo, fazer “3L”, 3 litros por 100 km ou 33 km por litro num uso bastante normal. E agora em 2015 VW vende o Golf GTE hybrid. Usando a bateria no ciclo do teste como é permitido, esse Golf GTE consome 1,6 litro/100 km (62,5 km/l) Tanto esforço, tantos compromissos para fazer o XL1 e um Golf GTE tão próximos no consumo! Mas vamos deixar os cálculos para lá e voltar para o carro, o XL1.
Como já disse, os espelhos são muito diferentes e espelho interno simplesmente não tem, nada, nenhum. A visão das câmeras externas aparece nas telas de 5 polegadas nas portas. Esses “espelhos” funcionam bastante bem e é fácil acostumar-se a usá-los. Como se fica vendo uma tela não se precisa regular a posição da imagem como num espelho convencional e nem posicionar a cabeça para vê-los melhor. Imaginei que seria um pouco difícil “medir” ou avaliar a distância para outros carros, mas no mundo real isso funciona bem.
À noite ou num túnel a claridade as tela é boa e quando se aproxima um carro com faróis fortes a imagem se torna um pouco mais escura, como um espelho eletrocrômico. Por que a VW não colocou mais uma câmera para se ter visibilidade para trás do carro, não entendo. Poderia ter colocado a imagem no mostrador acima do console central e se poderia escolher entre ver o “espelho”ou não.
Como já se pode entender, é muito fácil criticar o XL1. Mas, por outro lado, é um carro divertido. Tudo mundo olha, faz fotos, vem para conversar em qualquer canto que você para. No posto, no supermercado, fora do restaurante. Uma pergunta foi bastante comum:
– Ah, isso é um Volkswagen, que tipo de motor o carro tem, é diesel?
Infelizmente sempre precisei dizer que sim, mas também disse que para percursos curtos tem aquele botão EV pra andar sem sair gás algum do escapamento.
Convidei meu amigo Henrik para darmos uma volta juntos com o carro. Assim eu também andei no carro no lado do passageiro e aí se vê uma coisa interessante. Esse banco fica um pouco recuado em relação ao do condutor. A VW diz que isso é para os braços e ombros de um ocupante não incomodarem o outro, já que o carro tem a cabine bem estreita para menor área frontal possível. Um efeito disso é que é muito difícil o acesso ao puxador da porta para fechá-la. No lado direito fica-se muito mais longe do puxador, já que as portas são simétricas. Depois de entrar e sair do carro várias vezes vai-se aprendendo que é melhor pegar o puxador antes do corpo encostar no banco.
Ao fim de um tempo, quando se acostuma com o XL1, dá para usá-lo como qualquer carro. Só que prático ele não é. Só tem lugar para duas pessoas com pouca bagagem. Conforto, luxo ou velocidade alta ele não tem, mesmo assim tudo é suficiente, como se fosse um carro bem básico. Só que o preço do XL1 de básico não tem nada. O preço na Europa ficou na região de uns 125.000 euros — para gastar um pouco menos de diesel! Quem comprou um desses 200 XL1 só pode ser superentusiasta com bastante dinheiro querendo ter mais um VW na coleção. Outro motivo é difícil encontrar. Como curiosidade, vi num site de carros usados na Alemanha que havia dois XL1 à venda. Os donos pediam em torno de 115.000 euros.
Depois um tempo ao volante desse XL1 fiquei pensando. Esse carro é baixo e aerodinâmico, e seria leve se não tivesse a bateria. Com lugar para dois, isso não poderia dar uma boa base pra um carro esportivo? Assim alguém poderia pensar ser mais justificável gastar 125 000 euros. Com certeza pessoas na VW devem ter pensado a mesma que eu, porque no ano passado no Salão de Paris a VW mostrou outra versão do XL1, o XL Sport com pneus maiores e motor V-2 de 1,2 litro da Ducati Superleggera, 200 cv a 11.000 rpm (a Ducati pertence à Audi desde 2012). Isso poderia ser algo incrível. Infelizmente acho que no momento VW não tem muito dinheiro sobrando para produzir o XL Sport, um versão desse XL1 que acho que poderia ser vendido em uma série bem maior 200 carros.
HJ
FICHA TÉCNICA VW XL1 | |
SISTEMA MOTRIZ | |
Tipo | Híbrido recarregável pela tomada, tração traseira |
MOTOR DE COMBUSTÃO INTERNA | 2 cilindros verticais em linha, longitudinal, Diesel turbo de geometria variável com interresfriador, injeção direta, duplo comando de válvulas acionado por correia dentada, 4 válvulas por cilindro. |
Cilindrada | 829,6 cm³ |
Diâmetro x curso | 81 x 80,5 mm |
Potência e torque | 48 cv e 12,2 m·kgf |
Material do bloco/cabeçote | Ferro fundido/alumínio |
MOTOR ELÉTRICO | |
Tipo | Corrente alternada, síncrono |
Potência e torque | 27 cv e 14,3 m·kgf |
Potência e torque combinados | 69,3 cv e 14,4 m·kgf |
TRANSMISSÃO | |
Tipo | Transeixo com câmbio robotizado de 7 marchas, dupla embreagem, operação automática apenas |
SISTEMA ELÉTRICO | |
Tipo de bateria | Íons de lítio arrefecida a água localizada na dianteira |
Tensão nominal | 220 volts |
Capacidade | 5,5 kW·h |
Conversor CC-CC | Para o sistema elétrico do veículo, 12 volts |
SUSPENSÃO | |
Dianteira | Independente McPherson, braço triangular, mola helicoidal, amortecedor pressurizado e barra estabilizadora |
Traseira | Independente multibraço, mola helicoidal e amortecedor pressurizado |
DIREÇÃO | |
Tipo | Pinhão e cremalheira |
FREIOS | |
Dianteiros | A disco ventilado |
Traseiros | A disco |
PNEUS | |
Dianteiros | 115/80R15 |
Traseiros | 145/55R16 |
CARROCERIA | |
Construção | Monobloco e folhas externas em compósito de fibra de carbono |
Comprimento/largura/altura | 3.888 mm/1.665 mm/1.153 mm |
Distância entre eixos | 2.224 mm |
AERODINÂMICA | |
Coeficiente de arrasto (Cx) | 0,189 |
Área frontal | 1,5 m² |
Área frontal corrigida | 2,835 m² |
PESOS E CAPACIDADES | |
Peso em ordem de marcha | 795 kg |
Tanque de combustível | 10 litros |
Porta-malas | 120 litros |
DESEMPENHO E CONSUMO | |
Velocidade máxima | 160 km/h (limitada) |
Aceleração 0-100 km/h | 12,7 s |
Consumo combinado (NEDC) | 111,1 km/L |
Consumo observado | 40 a 100 km/L |
Emissões de CO2 | 21 g/km |
Classe de emissões | Euro 6 |
Alcance em elétrico | 50 km |
Alcance TDI + elétrico | > 500 km |