Fábricas tentam escapar da responsabilidade e negam garantia diante de argumentos os mais duvidosos. Uma de motocicletas conquistou o troféu “Cara de Pau”…
Concessionárias (devidamente instruídas pelas fábricas) escorregam o quanto podem para não assumir responsabilidade pelos defeitos em carros novos. Recorrem a expedientes os mais duvidosos para não assumir problemas provocados por deficiência de projeto, manufatura ou de qualidade do componente.
O argumento campeão da concessionária para negar a garantia é o “mau uso”. O tal do consultor técnico tem na ponta da língua o “sinto muito doutor, mas sua embreagem pifou aos 10 mil km por culpa do motorista”. Ou “Lamento, Madame, mas a senhora não costuma dirigir com o pé esquerdo apoiado na embreagem?” E não adianta argumentar que o motorista em questão já esteve atrás do volante (e dos pedais) de inúmeros carros sem que o disco tenha pifado antes de 50 ou 60 mil km.
Pneu é outro prato predileto: o desgaste prematuro foi — “sem dúvida nenhuma” — provocado pelo buraco, ou desalinhamento ou falta de calibragem. Se o freguês insiste, a recomendação é de ir se queixar diretamente ao fabricante do pneu. Este, em geral, alega que o problema é do automóvel, não do seu produto. No final do jogo de empurra, quem paga o pato é o dono do carro. Aliás, quem concedeu à fabrica do automóvel o direito de empurrar a responsabilidade do pneu, bateria, som (e outros) ao seu fornecedor?
Vários automóveis passaram por um trecho alagado e saíram sem problemas lá na frente. Mas o motor de um deles morreu no meio do caminho e se recusou a funcionar novamente. Rebocado para a concessionária, o veredicto é imediato: “Calço hidráulico!”. E não adianta alegar que vários outros modelos sobreviveram ilesos ao passar pelo mesmo trecho, o que caracterizaria uma deficiência do projeto do automóvel em questão. Talvez a tomada do filtro de ar muito baixa, talvez mal localizada….
Se o pedal do freio começa a trepidar sem que o ABS esteja envolvido, é sinal de anormalidade no disco. “Empenou — diz a concessionária — por estar muito aquecido e ter sido submetido a um choque térmico num trecho alagado”. Argumento mais do que controverso, pois o disco deve ser projetado para resistir a choques térmicos. Além disso, porque muitas vezes não se trata de empeno, mas de uma espécie de “bolha” em algum ponto da superfície, provocada pelo aquecimento natural do sistema.
Gasolina (ou etanol) adulterado é tábua de salvação quando o motor começa a espirrar ou tossir. Ou se recusa a funcionar em marcha-lenta. “Estes postos estão cada vez mais desonestos” diz a oficina da concessionária, se recusando a aceitar o argumento de que todos os outros automóveis da casa são abastecidos no mesmo posto e nenhum outro apresentou problema…
Fábricas — algumas famosas e tradicionais — nem se enrubescem ao fazer constar no próprio manual do proprietário parâmetros que permitem se safar da responsabilidade. Caso do consumo de óleo do motor. Apesar de um consenso entre engenheiros de toda a indústria automobilística de ser normal a queima de cerca de um litro a cada cinco mil km, basta colocar no manual ser razoável o consumo de um litro a cada mil km para não assumir a óbvia deficiência do motor.
Mas quem levou o grande troféu “Cara de Pau” foi uma fábrica de motocicletas que relacionou no manual a lista de componentes fora da garantia: “Lâmpadas, pneus, fusíveis, pastilhas de freio, disco de embreagem, velas, limpadores de para-brisa etc…” A relação acabava assim mesmo, com um “etc” que dava o direito de negar garantia de qualquer componente da moto!
BF