Passado o susto de janeiro, quando vimos mais um arrefecimento geral tomar conta das vendas de automóveis, comerciais leves e pesados, fevereiro serviu para nos mostrar que nosso mercado pode estar mesmo atingindo um novo patamar mais baixo, algo em torno de 7.600 unidades/dia, ou 19-20% inferior às expectativas projetadas pela Anfavea para o ano.
Também podemos tentar entender esses dois meses como uma longa ressaca dos consumidores, em que se emendaram as festas de final de ano com o carnaval, logo no início do mês e que em março o ritmo normal estaria de volta, mas a distância aos números de 2015 é grande, para chegar ao ritmo esperado para 2016 nem tanto, mas precisam ainda aparecer sinais positivos.
Na ausência deles e em se confirmando esse patamar mais baixo, esperemos por novos ajustes de produção e de mão de obra e o naufrágio completo do PPE. Alguns fabricantes começaram os ajustes logo cedo, com as demissões na GM em São Caetano e Ford, em Camaçari, meio que desacreditando a recuperação das vendas venha no último trimestre ou que fique para o ano que vem.
Foram comercializados 142.258 automóveis e comerciais leves (nacionais e importados) num mês de carnaval com somente 18 dias úteis, na conta de emplacamentos diários chega-se a 7.903 veículos, são sim 5,5% superiores ao ritmo de janeiro, mas não parecem significar qualquer esboço de reação. Na apresentação da Anfavea desta sexta última (4/março), pudemos ver que as férias coletivas de vários fabricantes fizeram a produção baixar a incríveis 131.300 veículos, ainda assim superior às vendas de produtos nacionais total — 125.072 unidades. Os estoques ficaram equivalentes a 46 dias de vendas. O Brasil opera com ociosidade de 50% para automóveis e 71% para comerciais pesados, o que é desastroso sob todos os pontos de vista.
Novos espetáculos
Nossos níveis de produção e vendas regrediram a 2007, naquele biênio 07-08. O marqueteiro político do governo, João Santana, hoje preso, criou-lhes inúmeros slogans políticos, frases curtas e de forte impacto que passaram a ser largamente usadas na comunicação oficial. Quem não se lembra do Espetáculo do Crescimento, ou o mais recente Pátria Educadora?
Pois é, em 2016 o país trocou o espetáculo do crescimento por explicações espetaculares, quando não descaradas, proferidas por personalidades públicas investigadas, encarceradas, ou monitoradas com tornozeleiras eletrônicas com GPS, ou ainda livres e também por suas não menos espetaculares bancas de advogados, estes que despidos de pagamentos extras e vestidos de espírito de justiça e de indignação, se reuniram há cerca de dois meses para publicação de um manifesto nos principais jornais do país, como que pedindo à sociedade que pare de perseguir a seus clientes injustamente.
Esta mesma sociedade que compra carros zero-km, usados, à vista ou a crédito, eletroeletrônicos, vestuário e serviços parece haver parado de fazê-lo, como em uma espera de mais prisões e delações ou mesmo do impedimento da presidente, que, à luz de novas revelações comprometedoras e estarrecedoras, oscila entre o improvável e o irreal. Surreal.
Fato é que com o passar das semanas, segue diminuindo o número daqueles que acham normal um ex-presidente deslocar a sua mudança em dezenas de caminhões do Palácio da Alvorada para um sítio que não é seu, que seus advogados alegam haver sido comprado e cedido por um par de amigos e sua custosa reforma um regalo daquele renegado amigo pecuarista íntimo, também encarcerado, para uso não exclusivo da família do ex-presidente. A outra parte da mudança presidencial foi parar num guarda móveis, cujas mensalidades vinham sendo pagas pela mesma construtora que pagou a reforma do sítio. Nesse espetacular cruzamento de explicações, parece alguns advogados se esqueceram de combinar entre si, pois seguiu o desmentido de um deles que esse tal pecuarista poderia até haver presenteado a reforma de um sítio, mas antes seus advogados teriam de tratar com os defensores do dono da empreiteira, também encarcerado, de quem pagou o quê. Surreal, parte II.
Para encerrar fevereiro com chave de ouro, na última semana tivemos a prisão do casal marqueteiro sob uma lista de ilegalidades, entre elas receber seus pagamentos por campanhas políticas diretamente de empreiteiras, em contas no Brasil e no exterior e no último 29 cai o ministro da Justiça alegando desgaste com o partido e com o ex-presidente.
Recentemente concluí a leitura da biografia do industrial Antônio Ermírio de Moraes, numa de suas interessantes passagens, seu embate com o governo Sarney, quando o país vivia uma crise econômica aguda oriunda de crise política, ausência de lideranças e de propósitos do suposto líder do executivo, a sociedade sob uma inflação galopante, empresários brasileiros perseguidos e taxados de antinacionalistas, caça aos bois no pasto, enfim um caos sem sinal positivo adiante e que colocou na reta final das eleições presidenciais dois populistas de promessas mirabolantes.
Nosso mercado regrediu dez anos e nossa política, trinta.
Novos lançamentos, mais mudanças no ranking dos mais vendidos
Chevrolet Onix na frente distancia-se para liderar por mais um ano, Hyundai HB20 o segue, Ford Ka tomou o terceiro lugar do Palio, Corolla em quinto, Jeep Renegade novamente atrás do HR-V. O curioso dessa lista é muitos modelos venderem em dois meses menos do que vendiam em um até pouco tempo atrás, para eles a retração comparada a 2015 foi superior a 50%. Renault e Ford ainda bem abaixo de suas posições habituais no ranking. Possível que com a chegada do Fiat Mobi e do início das vendas do Gol, Voyage face-lift, já mostrados aqui, Fiat e VW subam alguns degraus, Mobi canibalizando Palio Fire e Uno Vivace, bem como tomando espaço de outros compactos. A ver.
Nos comerciais leves o Fiat Toro já figura entre os seis mais vendidos, um produto que a rede Fiat ainda tem chão para aprender a comercializar e conhecer o comprador típico, de picapeiros urbanos a agroboys.
Seguindo o cronograma de lançamentos esperado, tivemos bastante movimentação, a recém-chegada picape Toro, que uns esperam leve compradores das picapes Strada e Saveiro cabines duplas topo, da Duster Oroch, bem como das médias S10, Ranger, flex e diesel e Amarok e L200, Frontier etc., mas pondero que isso ocorrerá apenas quando estas tiverem destino light. Quem conhece a região Centro-Oeste do país e suas estradas nota o predomínio de algumas marcas diesel capazes de encarar trabalhos pesados, aplicação que vejo um pouco além da capacidade da Toro.
Tampouco entendo a nova picape Fiat como uma concorrente direta da Duster Oroch, por mais que sejam oriundas de plataformas compactas e ofereçam comodidade similar na cabine, estas buscam o mesmo comprador sim, em uma das gamas de acabamento, a Oroch Dynamique 2,0 concorre com a Toro Freedom 1,8, mas parece ambos fabricantes desistiram de um embate direto, o Renault ainda não oferece câmbio automático em sua topo e a Fiat tampouco lançou a versão com caixa manual em sua versão de entrada.
Particularmente e sem conhecer os motivos ou razões para ambos atrasarem lançamentos de versões, quem aparentemente sai perdendo mais é a Renault dada a preferência dos consumidores por este tipo de câmbio em automóveis de 60-80 mil reais. Sei também haver muita crítica pelo fato de a caixa automática adotada na família Logan/Sandero/Duster ter ‘somente’ quatro marchas, ao passo que Fiat tem seis. Mas mantenho a opinião de que um bom trabalho de engenharia e boa calibração deixaria a Renault bastante competitiva, mesmo com duas marchas a menos e compensada pelo menor peso e maior potência do motor. Fichas técnicas recheadas não resumem um automóvel.
Quem já andou em ambos, pôde notar calibração primorosa de suspensões, bom tuning de chassi, silêncio de operação. Creio que ambas picapes farão bonito no mercado, Fiat com maior potencial de volume graças às suas versões diesel 4×2 e 4×4.
À espera de melhores dias de março.
Até o mês que vem.
MAS