As fábricas cobram milhares de reais por uma versão de mentirinha, nem esportiva nem aventureira. Mas não faltam interessados…
O brasileiro adora fantasia. Para desfilar no carnaval ou para ter na garage. O Brasil tornou-se mercado favorito para as fábricas faturarem às custas do motorista disposto a pagar por um carro fantasiado de off-road ou esportivo.
No passado, a fantasia que mais chamou a atenção foi o Opala SS, lançada em 1971. Grandes faixas pretas laterais com as letras “SS” identificavam este “pseudo-esportivo” que trazia também o capô em preto fosco, volante de três raios com a sigla SS e rodas especiais. Por que “pseudo”? Porque tinha a mesma mecânica dos outros modelos. Equipados com motor 4,1 (seis cilindros) tinham, pelo menos, um bom desempenho. Mas, com o chacoalhante motor 2,5, de quatro cilindros, ficava mesmo na decoração. E a GM caprichou: até a versão perua foi fantasiada de esportivo e virou Caravan SS….
A foto de abertura é reprodução de um anúncio de revista quando lançamento do Opala SS cupê. A manchete da peça publicitária dizia: “Desperte o grande piloto que existe em você.” O leitor não é obrigado a acreditar…
Mais curioso de tudo é que, nos EUA a GM tinha, na década de 60, o bravo Impala SS, uma alusão a “Super Sport”. No Brasil, a fábrica, consultada a respeito do possível significado da sigla, respondeu, sem perder a fleuma, com um inolvidável Separated Seats” (bancos separados)…
Pseudo-esportivos continuam atraindo motoristas que adoram representar o papel de piloto ao volante. Hoje, tem Fox Pepper, Palio Sporting, Sandero GT Line, Onix Effect, New Fiesta Sport e outros “esportivados”. Quem acaba de engrossar o time é a Hyundai, pois o HB20 dá os primeiros sinais de cansaço e a fábrica passou a apelar para variações sobre o tema. Ela acaba de lançar o HB20 R Spec, um nome pomposo e que induz o freguês a imaginar “Racing Specifications”. Num bom português, especificações de competição, ou preparado para a pista, como quiserem. E o que oferece em troca de alguns milhares de reais a mais? Grade, rodas, couro, painel, antena e ponteira do escapamento cromada. Ahhh…, quase me esqueço do mais importante: pinças de freio pintadas de vermelho, no mais puro estilo de Porsches e Ferraris. Sugerem um superdesempenho que exige dimensionar novos freios (Brembo?) capazes de segurar a fera. A rigor, o R Spec deve ter performance pior que o HB20 da filha do seu vizinho, pois a mecânica é rigorosamente a mesma e a fantasia deve ter tornado o carro alguns quilinhos mais pesado…
Pior é que brevemente a Hyundai lança seu motor 1,0 três-cilindros com turbo, injeção direta e comandos variáveis, elevando sua potência (dos atuais 80 cv) para cerca de 120 cv. Já pensou o arrependimento de quem levou um “R Spec”?
Mas a Hyundai atira para todo lado: tem também um falso “off-road”, o HB20X, o mesmo carro com a suspensão mais elevada para passar a impressão de aventureiro e que acabou prejudicando o carro: quanto mais alto o centro de gravidade, mais ele balança nas curvas…
A Hyundai não está sozinha ao explorar o filão dos aventureiros de mentirinha: várias outras fábricas investem na mesma decoração que arrebata principalmente o público feminino e lançam seus falsos “jipinhos”. A maioria dependura o famigerado estepe na tampa traseira, aplica racks no teto, estribos laterais, pneus de uso misto, levantam a suspensão e está pronto o desbravador da floresta amazônica. VW CrossFox, Renault Sandero Stepway, Citroën Aircross, Fiat Adventure, Spin Activ, Uno Way e mais uns tantos. Que não permitem nenhuma extravagância, exceto pagar alguns milhares de reais por uma fantasia que não leva a lugar nenhum.
BF