Todo autoentusiasta, sem exceção, gostaria de pilotar um puro-sangue de verdade, para uma tocada inesquecível em todos os aspectos positivos da dinâmica veicular e da potência despejada nas rodas.
E o que define um puro-sangue? — pode perguntar o leitor. Em primeiríssimo lugar é o seu trem de força, motor, câmbio e diferencial, bem definidos em valores de torque, potência e relações de marcha, compatíveis com o peso do veículo e suas características de aerodinâmica e área frontal. A relação peso-potência, por exemplo, quanto menor, melhor. Em segundo lugar, porém não menos importante, vêm as suspensões, direção e freios, aguçando a sensibilidade do condutor em termos de precisão e segurança das manobras e sem perder a característica fun to drive (divertido de dirigir), fundamental para todos os esportivos.
Falando em motores, me vem à lembrança a lendária Cosworth, fabricante inglesa de motores para carros de corrida, fundada de maneira independente em 1958 por Mike Costin e Keith Duckworth e que teve durante muitos anos a Ford Motor Company como sua maior parceira de desenvolvimento. A Cosworth conquistou 176 vitórias, 13 campeonatos de pilotos e 10 de construtores na Formula 1, ficando na categoria até 2006, quando forneceu seus motores V-8 para a equipe Williams, continuando com sua forte parceria com a Ford.
O bom casamento Ford-Cosworth resultou em muitos modelos esportivos e de competição derivados de veículos de rua, com destaque aos Escort, em suas várias gerações. A saga teve início em sua primeira geração MK1, tração traseira, produzida entre 1968 e 1974, liderando vários campeonatos de rali com os motores Cosworth 1,6-L BDA e 1,7-L BDB, ambos de quatro cilindros. E continuou com a segunda geração, a MK2, produzida entre 1975 e 1979, também com tração traseira e com os motores Cosworth 1,8-L BDE e 2,0-L BDG — “BD” de belt driven, acionamento dos comandos de válvulas por correia dentada.
E veio a terceira geração do Escort, produzida entre 1980 e 1986, com duas importantes modificações que prejudicaram a sua aplicação em rali. Sua tração era dianteira com motor e transeixo instalados transversalmente, diferentemente das gerações anteriores com motor e câmbio longitudinais e tração traseira.
E muitos projetos com base no MK3 foram estudados, incluindo uma versão 4×4, mantendo o motor e transeixo no sentido transversal e incluindo uma caixa de transferência para a tração traseira. Na realidade esta versão não se concretizou e a Ford desenvolveu outra proposta com motor longitudinal e tração traseira, resultando no modelo RST 1700 que adotava o motor Cosworth 1,8-L BDT Turbo (300 cv). Na realidade este modelo também não obteve o sucesso desejado e foi descontinuado, sendo produzidas apenas 18 unidades.
E então um projeto totalmente novo foi desenvolvido, especificamente para os ralis, o RS200. Projetado em conformidade com o regulamento da FIA (Federação Internacional do Automóvel) para o Grupo B, eram carros especiais derivados de modelos de grande produção e com produção mínima de apenas 200 unidades em 12 meses consecutivos. O RS200 foi apresentado pela primeira vez ao público no Salão de Belfast, capital da Irlanda do Norte.
O novo veículo tinha uma carroceria de compósito de fibra de vidro, desenhada pelo Estúdio Ghia, e tinha motor traseiro-central com tração nas quatro rodas. O desenvolvimento da estrutura e da carroceria foi conduzido pela empresa inglesa Reliant. Na realidade, seu trem de força tinha uma complexidade enorme para distribuição da tração nas quatro rodas. O motor era o Cosworth 1,8-L turbo, de 250 cv na versão de rua e 350 cv na de competição. Veículo difícil de pilotar tanto pelo elevadíssimo desempenho quanto por suas características de resposta muito rápidas, às vezes imprecisas, se envolveu em vários acidentes, sendo o mais dramático o ocorrido no Rali de Portugal de 1986, que provocou a morte de três espectadores e feriu muitos outros.
Outro grave acidente foi no Hessen Rally de 1986, na Alemanha, que tirou a vida do suíço Michael Wyder, copiloto do seu compatriota Marc Surer, ex-piloto de F-1, após o veículo bater de lado em uma árvore. Mesmo com todos os percalços, o RS200 foi produzido de 1984 a 1987 com mais de 250 unidades produzidas em várias versões com motores Cosworth, cada vez mais potentes. Continuou sendo utilizado em competições até 1989 com motores enormes de mais de 500 cv — mas não no Campeonato Mundial de Rali, uma vez que a FIA baniu o Grupo B desse campeonato no final de 1986 em razão dos muitos acidentes. Leia mais sobre Grupo B nesta matéria do editor associado Juvenal Jorge.
Creio que o maior sucesso da série RS foi a quinta geração do Escort, quando em 1992 foi apresentado ao público o Escort RS Cosworth com tração nas quatro rodas e motor longitudinal Cosworth 2-L turbo com 227 cv, que levava o veículo a mais de 225 km/h, acelerando de 0-100 km/h em 6,6 segundos. Tinha como característica especial um aerofólio traseiro enorme, apelidado de rabo de baleia. Foi uma série especial de rua com 2.500 exemplares produzidos e que foi continuada como normal de produção pelo seu enorme sucesso entre os consumidores. Na realidade, o chassis do Escort RS Cosworth 4×4 era praticamente o mesmo do Ford Sierra. O veículo era extremamente estável graças à tração integral com distribuição de torque de 34/66% entre o eixo dianteiro e o traseiro, à robusta suspensão McPherson na frente e por braços semiarrastados na traseira, e às rodas 8×16 polegadas com pneus 225/45R18. Participou de vários campeonatos de rali, com vários motores Cosworth turbo muito potentes, que davam característica especial à marca.
Eu, particularmente, conheci e pilotei o Escort RS Cosworth 4×4 no Campo de Provas da Ford em Tatuí, no interior de São Paulo, nos idos de 1994. Eram dois exemplares, um azul marinho e outro branco.
Pilotando o RS no circuito interno de terra, o Tatuí Proving Ground se tornava Tatuí Play Ground. Brincadeiras a parte, era realmente um bom divertimento para a engenharia.
Após as “brincadeiras” os dois veículos foram devolvidos à Ford, um deles para a Inglaterra e outro para a Alemanha, deixando saudade.
O Escort RS Cosworth ficou em produção até 1996, alcançando status de clássico, sendo hoje disputado ferozmente pelos colecionadores.
Como de costume, encerro a matéria com uma homenagem.
Desta vez a homenageada é a Ford, que manteve no Focus Cosworth a competente imagem conquistada pelo Escort.
CM