higidez
ê/
substantivo feminino
estado de hígido.
hígido
adjetivo
-
que diz respeito à saúde; salutar.
-
que goza de perfeita saúde; sadio, são.
O que tem a foto de abertura com um site como o AE? Tudo.
É uma simples caneta esferográfica BiC Cristal. Na banca de jornais da esquina custa R$ 1,50. Esta da foto me acompanhou durante cerca de um ano, fez parte do meu dia a dia de trabalho anotando tudo no bloco à esquerda do teclado do computador (sou ambidestro, mão esquerda na caneta, mão direita no mouse), me acompanhou sempre perfeita, nunca falhou, sempre com a mesma qualidade de escrita.
Muito importante, é um produto de alta, aliás altíssima, escala de produção. Outro dia li que são produzidas 20 milhões de esferográficas BiC Cristal por dia!
A BiC foi fundada pelo italiano naturalizado francês Marcel Bich em 1945, que junto com seu sócio Edouard Buffard estavam criando um negócio fantástico. A BiC Cristal foi criada em 1950 e vale a pena ler mais sobre a BiC.
Agora chegou ao seu final de sua vida. A tinta toda — azul — foi descendo como previsto pelo tubo alimentador para chegar à esfera. Ainda funcionou por algum tempo na “reserva”, o terminal metálico de latão, me parece, que se encaixa por dentro do tubo externo, até que começou a “tossir” por falta de tinta, a falhar. O que nunca fez durante todo esse tempo.
Esteve ali junto comigo o tempo todo, amiga, companheira, inseparável. Ela com sua tampa, imprescindível para seu bom funcionamento — não ele em si, mas para a escrita firme. É a tampa que lhe dá estabilidade, questão de momento polar de inércia.
Se o leitor ou leitora nunca testou, ou tentou, escrever com uma BiC sem a tampa, faça-o, e verá a diferença que faz com e sem. É praticamente o mesmo efeito de uma flecha sem as penas na extremidade traseira.
Construtivamente, a BiC é notável. A tampa, por exemplo, encaixa-se com uma precisão e suavidade incríveis. Numa emergência, serve como extrator de grampo de papel, útil especialmente para mulheres e suas compridas e bem-cuidadas unhas.
A tampa ajuda para que ela não saia rolando pela mesa, embora num falta temporária dela a seção octogonal do seu corpo seja o seu “freio de emergência”, não rolará também.
A escrita, ah, a escrita! Tenho não sei quantas canetas esferográficas ofertadas pelas fabricantes por ocasião dos eventos de lançamentos de veículos e outros, juntamente com um pequeno bloco (é praxe, faz parte dos procedimentos de relacionamento com a imprensa). A divisória da gaveta superior de quatro da minha escrivaninha onde fica o computador, um PC, já não tem mais espaço para guardar essas canetas; outra parte está guardada numa caixa de sapato que nem sei onde está exatamente (pensando bem, acho melhor doá-las).
São canetas das mais variadas qualidades, de ruins a excepcionais, mas nenhuma, absolutamente nenhuma escreve tão bem quanto a BiC. O que acho surpreendente é mesmo com ângulos com o papel bem distantes da vertical, bem inclinada, a BiC escrever, e à perfeição. Penso na engenharia necessária para isso, a tolerância mínima entre o círculo máximo da esfera e o quanto ela adentra no terminal metálico para ali ficar retida para sempre. Seria bem mais fácil ela ficar mais para dentro do terminal, com retenção plenamente segura, mas aí ela teria que ficar mais para a vertical para poder escrever bem, normal.
A BiC tem aplicações que ultrapassam a imaginação. Muitos devem ter conhecido a história de um idoso de 81 anos que ficou entalado numa churrascaria em Porto Alegre, em 2012, e um médico que se encontrava no estabelecimento lhe fez uma traqueostomia (intervenção cirúrgica que consiste na abertura de um orifício na traqueia e na colocação de uma cânula para a passagem de ar). Pois foi feita — com uma BiC, que serviu de tubo traqueal — e este senhor se salvou.
Pois a BiC é tudo isso. Ela tem higidez, falando em linguagem figurada. Ela é hígida. Tem baixíssimo custo, mas é hígida, a prova mais eloquente de que alto preço e qualidade nem sempre caminham de mãos dadas.
E isso remete a quê? Ao automóvel.
Acho que todos sabemos diferenciar um automóvel, um produto da indústria automobilística, hígido de outro não hígido. Marcas me vêm à mente, obviamente, mas neste caso prefiro não citá-las. Não é o caso destas divagações.
Os hígidos duram mais tempo íntegros, sem defeitos de qualquer natureza. Claro, depende muito de como o automóvel é usado (da mesma forma que uma BiC), uns carros são mais hígidos do que outros.
Embora as convocações para correção de alguma coisa, os recalls, sejam cada vez mais comuns, o fato é que não deveriam existir. Chamada geral de um produto para corrigir um problema, independentemente de leve ou grave, é antônimo de higidez.
A mim parece estar havendo descuido, pouco caso por parte da indústria automobilística, notadamente seus engenheiros de projeto e de produção, para ocorrerem tantas convocações, e isso no âmbito também da indústria de autopeças, encarregada de abastecer as linhas de produção e montagem das fabricantes de veículos.
Ter seu carro incluído na listagem de uma convocação, quer queira, quer não, é uma má notícia para qualquer proprietário. Significa que houve uma falha no processo de produção que tirou o seu bem da condição de hígido. Significa perda de tempo de conduzir o veículo à concessionária, muitas vezes em outra cidade que não a sua, além de em certos casos ficar privado do seu bem por alguns dias.
Não consigo digerir a frase proferida nas convocações, “Em respeito ao seu consumidor, a (fabricante) convoca para…”
Por isso, todo fabricante, todo executivo da indústria automobilística e da de autopeças devia ter diante de si, no seu posto de trabalho, um esferográfica BiC Cristal. Para lembrá-lo da higidez.
BS