O objetivo do projeto era arranjar um carro para andar no trackday do dia 7 de maio de 2016 no Autódromo Internacional de Curitiba (que fica em Pinhais, na área metropolitana da capital paranaense). Seria o penúltimo evento, afinal o local foi vendido e a possível utilização será somente até junho de 2016 (conforme descrito na página do autódromo na internet).
Inicialmente procurei por um carro barato para comprar, Astra importado, Pointer, Escort, Logus, Brava, Gol… Qualquer carro com motor acima de 1,8 litro com fácil manutenção e valor inferior a R$ 5.000,00.
Consegui liberar um bem que estava travado em uma ação judicial, um Tempra 16v 1997. Ele está na família há mais de 18 anos, somos o segundo dono dele e estava parado há mais de cinco anos. Ao lado da cabine da pintura da empresa, ao tempo.
O carro estava com problemas nas seguintes partes: sem freio, direção hidráulica vazando (muito) fluido, motor batendo, vidro do motorista não abria. A primeira atitude que tomei foi de fazer o carro funcionar. Eu havia tentado executar esta tarefa uns 12 meses atrás, mas não obtive sucesso; acho que era falta de gasolina. Bom, comprei 20 litros da gasolina em um posto, coloquei no tanque, conferi o nível de óleo (que estava extremamente escuro, mas iria servir para o propósito) e dei partida (peguei a bateria de um dos carros aqui da empresa —uma VW Van que o Carlos Meccia comentou outro dia).
E não é que a criança pegou de primeira? Realmente era apenas gasolina, fiquei feliz, o dinossauro acordou e o deixei funcionar por mais de 30/40 minutos para circular bem o óleo e a água (aproveitei para testar as ventoinhas e verificar vazamentos). Tudo ok, funcionando 100%, tirando os problemas citados acima.
As primeiras compras foram: cilindro-mestre (igual ao do Uno), mangueira da direção hidráulica, aditivo de radiador, água desmineralizada, veda-radiador, limpa-bicos via tanque, filtro de combustível, jogo de velas e seus cabos e a palheta do limpador de para-brisa. Fiz algumas trocas sozinho, como velas, mangueira de direção hidráulIca e palheta do limpador. Mas para a troca do cilindro-mestre contei com a ajuda de meu amigo Hildevar (ele tem um Fiat 500 Abarth, mas depois falo melhor sobre o carro) e fomos desmontar.
Até que a remoção foi relativamente simples, o problema foi que as porcas das tubulações de fluido estavam todas emperradas, tivemos que utilizar um alicate de pressão para soltar as cabeças das porcas e estas foram todas destruídas. E para piorar a última (sempre ela…) porca entrou torta, não foi até o final da rosca. Resultado: leva o carro ao mecânico. Sua oficina fica aqui ao lado e o levei já na segunda-feira seguinte.
Aproveitando, quero explicar o porquê dos 30 dias para o trackday. Comecei a mexer no carro dia 2/4 destE ano e como tenho basicamente os sábados para isso, eram cinco dias para fazer tudo funcionar.
Com o carro no mecânico, já aproveitei e pedi para trocar o fluido de freio (colocar o DOT 4), corrigir o segundo vazamento da direção hidráulica e cortar as molas, 1 espira na frente e ¾ de espira na traseira — tem um texto aqui no AE sobre aerodinâmica que me guiou nesta etapa, e deixei a frente mais baixa que a traseira para melhorar o fluxo de ar. Optei por cortar as molas, pois queria que estas ficassem mais duras, algo que não ocorre quando se compram molas esportivas.
Carro de volta do mecânico, beleza, acelerando, freando e andando razoavelmente bem. Neste mesmo dia já mandei consertar a máquina do vidro elétrico do motorista, o serviço ficou 75% aceitável.
A próxima etapa era deixar o carro mais esperto, forte, e nisso li muitos textos (aqui no AE inclusive) principalmente no Clube do Tempra. Ler o que já fizeram e deu certo ajuda bastante e cheguei à seguinte receita: alterar as fases dos comandos e abrir o escapamento. Não havia tempo nem verba para colocar um turbocompressor ou até uma injeção programável. A ideia do comando era aumentar o overlap, que basicamente é o momento em que as duas válvulas (admissão e escapamento) ficam abertas. Quanto maior o overlap durante a admissão, mais ar no cilindro; quanto mais ar, mais potência.
O que fiz: comprei um jogo de polias reguláveis e para colocá-las novamente utilizei um guia do Tempra Clube, me ajudou bastante. Mas as polias tinham um problema, elas não tinham guia e as correias estavam pulando fora da polia, além do que a polia não era feita com prisioneiros e sim com parafusos, na hora de aperto era um problemão. Devolvi as polias e peguei meu dinheiro de volta.
Mas, e agora, como acertar?Afinal preciso dar uma melhorada no motor, ele estava morto demais. Quando reparamos o cilindro-mestre na oficina aproveitei para medir a pressão de compressão dos cilindros e estavam na seguinte ordem: 120, 140, 140 e 160 lb/pol²; lembro que deveriam estar pelo menos acima de 180 lb/pol². Bom, o recurso foi pular dente da polia,uma para cá, um para lá e por fim acabei adiantando a admissão e atrasando o escapamento (1 dente cada), mas na hora do teste, bum! (não quebrou, mas foi um megassusto).
O motor cortava acima de 4.500 rpm, lembro bem deste dia. Era um sábado e fui testar no caminho do almoço, mesmo com a falha levei o carro para o centro da cidade de Colombo (onde fica meu espaço) e por lá almocei. Na volta o mesmo problema com um agravante: estava esquentando demais e dando estouros no coletor de admissão, que é feito em alumínio e não quebrou. Se fosse de plástico teria ido embora.
Mexe daqui, mexe dali e nada; agora o problema aparecia até com carro parado, acelerando em ponto-morto. Achei que havia quebrado algo, liguei para o mecânico (Lucílio), ele pediu para levar lá, mas antes lembrei-me de uma coisa: eu havia reposicionado o sensor da roda fônica, pois ele estava muito próximo dela, será que não é ele? E vamos tirar a roda, soltar os acessórios — direção hidráulica e alternador (aproveito para falar que numa destas o suporte do alternador quebrou e tive que ressoldá-lo) —, e dá-lhe acertar a roda fônica, mas há um problema: os parafusos que prendem a polia de acessórios junto ao virabrequim estavam espanados e cada um de um tipo. Vamos lá trocar os parafusos, colocar sextavado interno de inox com trava-rosca de alto torque.
Chegando ao suporte do sensor da roda fônica, dos três parafusos que o sustentam, um espanou a cabeça, outro espanou a rosca e o último estava bom. Dá-lhe refazer rosca com macho (difícil, no lugar, mas deu certo) e trocar parafuso. Simples, não é? Negativo, esse é um Fiat motor Lampredi: na hora de colocar o último parafuso o maldito quebra a cabeça. Falei mal de todas as gerações dos Fiat, da família inteira e tudo mais. Lembro que neste ponto eu já estava trabalhando no carro à noite, pois eu vi não haveria tempo se fosse mexer somente aos sábados.
Bom, vamos lá, passar a broca no parafuso…. Problema resolvido, fiz o parafuso passante, troquei todos os parafusos (3) e coloquei sextavados externos de inox com trava-rosca de alto torque. Sensor ajustado e vai funcionar legal certo… Nada, tem que posicionar o comando novamente, tudo do zero. E aqui cometi um erro, tentei deixar as polias de admissão e escapamento 1 dente atrasadas, mas na hora colocar a correia a polia do virabrequim mudou de posição e eu não vi — o virabrequim fica extremamente leve sem a correia que o conecta às árvores de comando. E por que cometi o erro? Preguiça de remover a polia dos acessórios.
Resultado: o motor não cortava mais a 4.500 rpm mas também não tinha força alguma… E vai para o Lucílio (mecânico) novamente. Resultado final: eu pulei 5 dentes das engrenagens, por sorte não atropelou válvula. E o Lucílio conseguiu deixar de jeito que eu queria: basicamente atrasar 1 dente na admissão e 1 dente no escapamento, mantive o overlap, mas desta forma o escapamento ainda estava um pouco aberto quando na expansão e a admissão ficava aberta durante o restante do tempo permitido pela árvore de comando. O resultado é que o motor ficou bem mais fraco de baixa, e um pouco mais forte de alta, conseguia chegar a 6.000 rpm com mais facilidade. Para andar na cidade ficou uma porcaria.
Problema resolvido? Carro pronto, sim, só que tinha mais coisa ainda, fazer o escapamento. Fui à loja de escapamentos e mandei tirar o catalisador e o abafador traseiro, ficaram as duas bananinhas do meio (abrir tudo perde potência). Beleza, o ronco ficou animal, estalando muito em baixa (sinal de pouca restrição) e em alta um som bem constante, o que a meu ver é o resultado das explosões sequenciais sem buraco no meio.
Muito bom, carro bacana, não vai me deixar na mão… (risos) É um Fiat Tempra e algo vai dar errado: no sábado anterior ao trackday resolvi erguer o carro para trocar as pastilhas dianteiras, serviço simples, fiz em um tempo rápido, neste dia contei com a ajuda de outros amigos: Hildevar (o do 500 Abarth), André (que tem um Lancer) e Sullivan (tem um Fusca que está em restauração e outros carros que não compensa comentar, mas neste dia ele apareceu com uma moto BMW muito bacana). E aí…fomos lá, mexemos nos carros, tudo certo, vou testar as pastilhas novas…bum! Agora estourou algo mesmo, mas o quê? O pneu traseiro direito estourou. Mas como?!! Lembram das molas cortadas? Pois é, uma delas saiu fora do prato e entrou no pneu, comeu legal. Mas neste mesmo dia aproveitei para fazer algumas revisões básicas como trocar os soquetes das bobinas e tentar isolar o circuito do ar quente.
Durante a semana, um par de pneus trocados, comprei usados, pois conforme artigo do Carlos Meccia pneus gastos têm mais aderência em pista seca, ótimo. Mas a previsão é de chuva, e agora? Bom, na hora a gente vê.
Na quinta 5/5 levei para fazer o câmber, deixei a traseira com 0º, a dianteira com – 2º30’. Mas alguns acertos simples, basicamente isso. Pressão dos pneus: 35 lb/pol² na dianteira e 45 lb/pol² na traseira. Pneus dianteiros 205/55R15 Pirelli P7 e traseiros, 195/60R15 Pirelli P1.
Sexta à noite 6/5, essa ninguém sabe. Vai o elemento aqui e pensa: já que vou ter que andar com os faróis acessos vou colocar lâmpadas de LED, afinal tenho aqui sobrando e elas esquentam menos, e neste carro velho a fiação pode ter problemas. Muito bem, mais um serviço simples e tal… Nada, o que aconteceu?! Uma das lâmpadas de LED está em curto e deu um revertério no Tempra. Lembro que tenho uma relação de amor e ódio com este carro… Agora quando piso no freio acende a luz do teto e das portas, mas não acende a luz de freio; e sem luz de freio não pode andar no autódromo. E lá vou eu desmontar a elétrica na sexta as 16h30… Mexe daqui, mexe dali e tudo estava certo, mas não funciona. Saí correndo às 17h30 atrás de um eletricista aqui em Colombo. Achei, ufa!, estou salvo, e o cidadão em 5 minutos resolveu o problema trocando o fusível do acendedor de cigarros. Fiquei com uma cara que vocês podem imaginar, o profissional não me cobrou nada, mas fiquei de montar o som de outro carro lá.
Tudo pronto, sim, finalizado, sim. Carro limpo, funcionando, pausa para foto:
Sábado, dia do trackday, ao chegar no autódromo escuto um barulho no freio, como se estivesse pegando. Mas não tem nada, tem que assentar as pastilhas e boa. Vamos andar: primeira saída, uma volta para testar tudo e relembrar o passado (pilotei durante cinco anos no Marcas e Pilotos de Curitiba e estava há bastante tempo longe do AIC). Duas voltas na boa, agora vamos acelerar: o motor ronca forte, parece que o ajuste de polias deu certo, o escapamento aberto não te deixa esquecer de trocar a marcha, tudo segue beleza, até que… chega a placa de 200 metros, no velocímetro 175 km/h (para um Tempra com 19 anos de idade….), hora de buscar no freio e …..cadê, opa, está fundo mas segurando, acho que precisa assentar, segurou e beleza…
Vamos lá, lenha, tem um Cruze branco na cola, lenha nele…Junção, Pinheirinho, S de alta, Vitória e reta…dá-lhe lenha e nada do Cruze passar. Entre a placa de 200 e 150 busco o freio, e mais fundo, mas ainda segurando. Lenha, estamos na quarta volta….e assim foi até à sétima. Quando vou frear no final da reta, cadê o freio? Não tem mais nada, acabou de uma vez….E agora??!! Dá-lhe segurar no freio de mão, na marcha. colocar o pé para fora e tudo mais…. Consegui levar até os boxes.
No boxe, ao parar o carro ficou um rastro de pó de freio junto à roda, deixei esfriar por uns 15 minutos. Ao voltar ao carro o pedal do freio parece da embreagem, mesmo com o carro desligado a resistência é zero. Vamos sangrar e ver o que acontece, pedi a ajuda para o André (aquele do Lancer) me ajudar, freio sangrado e tal…parece que voltou. Vamos rodar: uma volta, duas voltas, três voltas e o freio estranho, quatro voltas e o freio pior, quinta volta e pá! Cadê o freio? Novamente sem o maldito, desta vez na Junção, e passei reto. Volta aos boxes, espera esfriar.
Mas nisso o barulho da pastilha esta cada vez mais alto, e aparentemente esta pegando até em ponto-morto. Terceira saída, uma volta, duas voltas, três voltas, quatro voltas e pá!, sem freio, mas neste ponto eu já estava mais tranquilo e sabia como domar o carro relativamente sem freio, estava antecipando as freadas, e assim sobrecarregando menos. Estava conseguindo umas oito/nove voltas por saída. Ainda pela manhã consegui o melhor tempo: 1:59,67 (primeira meta atingida, que era de virar num tempo inferior a 2 minutos). Fomos almoçar.
Depois do almoço o André foi dar uma volta de carona no Tempra (nos trackday é permitido um carona), saímos, demos uma volta e quando fui trocar de 3ª para 4ª marcha na saída da Vitória, bummm!, escapa o trambulador e fiquei sem marcha (amor e ódio pelo Tempra…), consegui engatar uma terceira e levar ao boxe. Chegando lá, mexi, mexi, mexi, mexi, me sujei, me cortei, passei raiva, mais raiva; afinal eu estava vendo o problema mas não conseguia resolver (escapou um pino da haste que liga a alavanca à haste que vai no trambulador).
Com muito raiva, saí com o André para dar uma volta de carona no Lancer. Que carro forte! Faz muita curva mesmo estando todo original (tem mola esportiva, escapamento e chip, mas nada de preparação pesada). Incrível como os automóveis evoluíram de 1997 para 2016: virou com o lastro do carona 1:56, ótimo tempo, chegando ao final da reta a mais de 180 km/h. Voltamos ao boxe e fui observar a competição. E olhando o Tempra parado.
Estávamos eu, André e Hildevar no boxe 19, e ao nosso lado, no boxe 18, o Paulo, que tem um Golf dos anos 1990 todo preparado para pista. Neste tempo fiquei observado os três pilotarem: bacana ver como todos andam bem, sem erros, com precisão e força. O 500 Abarth do Hildevar anda muito, vira na casa de 1:44 com pneus radiais (tem uma boa preparação de motor) e o piloto está com uma tocada muito bacana, está virando um rato de pista. Já o Golf do Paulo tem pneus slick 16”, faz curva de ponta-cabeça, motor 2,0, injeção programável, anda muito, infelizmente não pode andar de carona com ele (bem como não andei com o Hildevar), mas pude ver que o Paulo tem uma tocada bacana, bem limpa e constante.
Então, depois da frustração, olhei novamente para o Tempra e pensei: e se eu forçar a alavanca para a posição correta, o que posso perder? Nada, afinal já quebrou mesmo. E pá, forcei um pouco e…encaixou, tenho câmbio, todas as marchas entram. (Aqui vai um comentário, durante toda a minha carreira de piloto — um ano de velocidade na terra e cinco no Marcas, asfalto — nunca um câmbio quebrou na minha mão, jamais parei na pista por causa de câmbio).
E aí, e o freio? Freio a gente dá um jeito, mas agora vou andar…e boa; andei mais um bom tempo, andando, parando, resfriando as freios, andando forte, fraco….do jeito que dava. Uns pegas aqui, outros ali, muito bacana. Mas às 16h00 não deu mais, o Tempra vazava água e não tinha freio nenhum. Hora de parar, recolher a criança, afinal em apenas uma hora tudo vai acabar.
Dever cumprido e segunda meta atingida: voltar para casa dirigindo o Tempra e não no guincho. E agora o Temprão vai receber um upgrade nos freios e uma revisão geral, afinal o AIC pode acabar (espero que não), mas temos Londrina no dia 12 de junho.
ML