A briga das autopeças não se restringe ao Brasil, pois também no Primeiro Mundo as fábricas de automóveis querem o monopólio da reposição.
Na hora de trocar a peça, a oficina sugere opções de compra: na concessionária (principalmente se o carro estiver lá), numa loja de peças (“paralelo”) ou no próprio estoque dela. Num mercado com frota superior a 50 milhões de veículos, a decisão do motorista (ou do mecânico) acaba movimentando acima de R$ 50 bilhões anualmente. O consumidor oscila entre a peça “original”, na embalagem da fábrica e que só tem na concessionária, e a “genérica”. Dúvida que originou uma pendenga judicial em fase final de julgamento pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Quem briga? Fabricantes independentes de autopeças contra três fábricas de automóveis (Fiat, Ford e Volkswagen).
O que se discute? Se a propriedade industrial das fábricas pode interferir no sagrado direito do consumidor de adquirir peças de reposição onde bem entender.
Qual a consequência? Se as “montadoras” saem vitoriosas, suas peças não poderão ser reproduzidas pelos fabricantes independentes.
As fábricas de automóveis (“montadoras”) se arvoram no direito de monopolizar a comercialização das peças integrantes do design de seus modelos, como faróis, lanternas, grades, para-choques, maçanetas, portas, frisos etc. São as chamadas “must-match”, projetadas especificamente para ocupar um espaço visível na carroceria e incorporam o design que a definiu, devidamente patenteado e que custou centenas de milhões de reais de investimentos. Além do mais, alegam que as peças “originais” seguem um padrão de qualidade que garante durabilidade e segurança nem sempre oferecidas pelo mercado “paralelo”.
As fabricantes independentes, por sua vez, alegam ter o direito de fazer a “engenharia reversa” e copiar o desenho de um farol, por exemplo, mesmo que ele seja parte integrante do design global do automóvel. Argumentam que a propriedade industrial tem limites, que as fábricas nem sempre abastecem o mercado adequadamente e ainda prejudicam o consumidor ao exagerar preços caso não tenham concorrência.
Esta briga não se restringe ao Brasil, mas também no Primeiro Mundo, fábricas de automóveis tentam monopolizar o mercado de peças sempre alegando a propriedade industrial do design de cada modelo e de todos os componentes que o integram. Na Europa e nos EUA, há uma tendência de se resolver o problema mantendo a opção entre a peça original e a “genérica”. Entre as propostas discutidas, a concessão de um prazo (três ou cinco anos depois de lançado o modelo) em que a fábrica de automóvel teria direito à exclusividade. Ou concedendo aos fabricantes independentes o direito à sua produção mediante acerto financeiro, uma espécie de pagamento de direitos autorais.
É uma causa complexa e — aparentemente — ambos têm razão. A fábrica de automóveis conta com a venda de peças de reposição como parte do retorno de seus investimentos. Os fabricantes de autopeças não podem ser proibidos de produzir os mesmos componentes, pois o monopólio do mercado seria extremamente prejudicial ao consumidor, tanto no preço como na eficiência em atender a sua demanda.
Por outro lado, oficializar o “paralelo” como se propõe no Primeiro Mundo ainda não é viável no mercado brasileiro pois a qualidade das “genéricas” produzidas aqui é sujeita a chuvas e trovoadas: enquanto no Primeiro Mundo ninguém coloca um parafuso à venda sem que tenha sido certificado pelo governo, no Brasil o mercado secundário funciona na base do “salve-se quem puder”. Há empresas tradicionais e honestas que fornecem produtos de qualidade, mas também verdadeiros “fundos de quintal” que colocam em risco a segurança veicular. O órgão estatal encarregado desta certificação no Brasil é o Inmetro, que ainda engatinha no tema.
(Em tempo: por que a “briga” é dirigida contra Fiat, Ford e VW, deixando a outra “grande” de fora? É porque a GM não tem como política utilizar o registro do desenho industrial como forma de monopolizar o mercado de reposição.)
BF