Vamos a mais um causo do Livro “EU AMO FUSCA II – Uma coletânea de causos de felizes proprietários de Fusca”, desta feita um intrigante causo ocorrido no Rio de Janeiro sobre o estrago que um cão pastor alemão fazia num Fusca. Este causo, primorosamente escrito por Afrânio Benzaquem de Souza, tem um desfecho surpreendente. É um problema que certamente aflige a muitos de vocês…
No READER’S CORNER, o Tulio Lazzarini, na qualidade de ghost writer conta a história do Fusca Willber do Miguel Pinheiro, ambos morando em Brasília.
ELES TÊM ARTES… DO CÃO!
Por Afrânio Benzaquem de Souza
Comprei um Fusca zero em 1970. Naquele tempo ele nem tinha esse coloquial apelido. Nós o chamávamos simplesmente de “Volks”. E era como um outro filho da gente.
Desde logo, preocupei-me com seu bem-estar e segurança. A casa onde eu morava, no Rio de Janeiro, não possuía garagem. O vizinho, o senhor Joaquim, um velho pernambucano , risonho e afável, franqueou-me o espaço lateral de sua residência, dando me a chave do portão.
Desde os primeiros dias, um inconveniente imprevisto apresentou-se: ele possuía um cachorro pastor alemão. Todas as noites o inquieto canídeo fazia xixi nas calotas, estribos e para-lamas. Uma fonte viva de fedentina e corrosão… Fiquei chateadíssimo, mas não era cabível reclamar coisa alguma… Nem recusar a gentileza do senhor Joaquim.
Tentei minimizar a questão encostando o carro bem rente à parede da casa. Consegui a minha primeira barbeiragem: raspei fortemente a tinta do para-lama traseiro. Coloquei plásticos protetores ao longo das rodas. Nada adiantava. O liquido amarelo respingava em tudo… Aquilo me enlouquecia!
Nesse tempo, eu viajava frequentemente aos Estados Unidos, a serviço. Por mera coincidência, encontrei num supermercado uma espécie de repelente, um produto para treinamento de cães, em forma de “spray”, igual a esses de matar mosquitos. A diferença é que era contra xixi de cachorro… Ou seja, servia para que esse “melhor amigo do homem” não fizesse suas caninas necessidades ao seu bel-prazer, em todo e qualquer lugar.
Fiquei curioso e exultante: aquilo era a solução! Comprei logo uma meia-dúzia. Nem sei quantos dólares gastei… Mais valia a proteção do meu Volks.
Quando cheguei em casa, esperei a noite cair. Guardei o auto, preparando a biológica experiência. Tenho certeza de que nem durante a primeira explosão atômica, nem quando do lançamento do primeiro foguete em direção à Lua, houve maior expectativa. O carro aguardava tranquilo a visita do cão. Eu olhava de soslaio da parte de fora.
Ele veio de mansinho, sacudindo levemente a cauda, olhando alternadamente para os lados, explorando os ares e o solo com o seu potente focinho… Quando se aproximou do veiculo, uma vibração estática o atravessou por inteiro. Ficou arrepiado, rígido, eletrizado. Ao farejar o pneu, instantaneamente, respondeu-lhe toda a carga de memória ancestral acumulada, anunciando-lhe um perigo invisível, iminente ou letal… Deu um salto acrobático para trás, pouco faltando para estatelar-se no piso de cimento do chão! Botou o rabo entre as pernas a afastou-se ganindo como um vira-lata sem dono.
A prova teve, portanto, êxito incontestável. Seu Joaquim, coitado, nem ficou sabendo de minha exótica artimanha. Mas esse Fusca merecia todo esse cuidado. Mesmo em detrimento de nossos amigos, os cães.
Que fórmula incrível foi essa que se mostrou tão eficiente? Não me perguntem, pois nada sei. A marca nem sequer me recordo… Deve estar patenteada, sob um número qualquer.. Ou, quem sabe, esta fórmula secreta evoluiu e chegou ao Pentágono… Uma coisa porém é certa: americanos têm artes … do cão!
Sempre que possível eu tento fazer contato com os autores e autoras dos causos para que eles, ou elas, façam um comentário sobre as suas participações no Livro II e contem algo sobre si – é uma forma de reverenciar quem topou fazer parte do livro. Neste caso o contato foi feito por telefone e o papo foi muito bom, o Afrânio é uma pessoa interessantíssima, culto e muito conectado no mundo de hoje com seus 78 anos de juventude. Vejam o que ele enviou no dia 1º de julho de 2016:
Caro Alexander
Foi muito agradável participar com a pequena colaboração para a feitura do seu livro “Eu Amo Fusca II”. Assim como receber o seu telefonema, denotando esse inesgotável e imorredouro interesse nessa temática. Tudo isso é muito bom e deveras estimulante. Gosto de ver pessoas dedicadas a uma causa construtiva, sem interesses subsidiários, apenas pelo cultivo de emoções positivas, em comum.
O Fusca, realmente merece essa distinção, pelo sentimento de proximidade e até de primazia, que facilitou, numa época tão carente de meios de locomoção, a comunicação entre pessoas e lugares. Foi um elo de amizade incomum, nesses brasis, desde mais de sessenta anos passados.
Atualmente, sou um militar aposentado como suboficial da Aeronáutica, onde fui técnico de comunicação, operador de radar e radiotelegrafista de voo, no tempo em que existia essa profissão, nos anos 60, quando ainda era visto nos ares o Douglas DC-3, ou C-47, na versão militar, que era considerado uma espécie de “Fusca” da aviação… Depois estive no C-130, conhecido como “Hércules”, também já próximo de ser desativado e substituído por um modelo da Embraer. Encerrei minha carreira aeronáutica em 1986. Já estou com 78 anos, mas a memória ainda parece atual.
Como guardei os arquivos dos “causos” do Fusca, estou enviando para você fazer o uso que for conveniente, ou até adaptar em algum arranjo se, de fato, o contexto permitir.*
Aproveito a oportunidade para desejar-lhe os melhores êxitos em todos os seus objetivos e que essa motivação continue como lembrança perene de algo – o inesquecível Fusca – que foi, e é, muito mais que um mero veículo automotor, mas um vivo componente essencial e familiar de inúmeros, atentos e felizes usuários.
Um grande abraço!
Afrânio B. de Souza
(*) Aguardem novos causos do Afrânio agora na seção READER’S CORNER.
READER’S CORNER
Da coluna “Falando de Fusca”
Neste READER’S CORNER’ reproduzimos a história do WiIlber e do seu dono, o Miguel Pinheiro. Este registro foi escrito em 2008 pelo Túlio Lazzarini que agiu como ghost writer, ambos são amigos e dividem o hobby, são Fuscamaníacos e pertencem ao VW Boxer Clube de Brasília. Sendo assim, a história foi escrita em primeira pessoa, pois o relato, na verdade, é do Miguel e a redação, do Túlio. Conheço os dois há muitos anos e, por sugestão do Túlio, somos confrades…
Minha história e a do meu Willber
Por Túlio Lazzarini
Tudo começou em 1969. Naquele ano, meu pai, militar, foi transferido do Rio de Janeiro para Brasília — e ele, que adorava viajar, resolveu ir de carro. Como a estrada Rio-Brasília não tinha muitos postos de gasolina, muito menos mecânicos de plantão, todos os amigos que já tinham feito a “aventura” recomendavam realizar a viagem de Fusca, já que o carro era econômico e, em caso de problema mecânico, poderia ser consertado muito facilmente. Fizemos a viagem num 1967, azul pastel, marcado na minha lembrança até hoje. Ainda menino, percebi que o Fusca era duro na queda, um carrinho valente, maravilhoso!
Anos depois, logo que a minha filha completou 18 anos, ela me perguntou se eu poderia ensiná-la a dirigir. À época, em casa eu tinha um carro moderno, com câmbio automático, onde ela realmente não iria colocar a “mão na massa”… Então, comentei com um amigo que eu estava à procura de um carrinho com o qual a minha filha pudesse aprender a dirigir. Ele logo me disse “Lembra do meu Fusca, o Trovão Azul? ”
Um parêntese: esse apelido eu mesmo dei para o Besouro, parafraseando a série de época (estrelada por um helicóptero de combate), não porque o Fusca voava, mas sim por ele ter um escapamento Kadron (que à época era muito usado por Pumas e outros VWs esportivos). Esse Fusca fazia tanto barulho que a gente escutava de longe quando ele vinha chegando!
Parêntese fechado. Disse ao meu amigo que lembrava — e muito bem! — do Trovão Azul. O carrinho estava parado há aproximadamente dois anos, no estacionamento do prédio onde a mãe desse amigo mora. Sem garagem, lá estava o Trovão Azul, jogado ao relento, tomando sol e chuva. “Você não quer ele para você? Eu te dou! Sei que tomará conta dele, e servirá para sua filha aprender a dirigir! ”
Assim fui eu, pensando como o Fusca estaria após todo esse tempo parado. Em lá chegando, abri a porta e me deparei com teias de aranha e formigas para todos os lados. Levei um cobertor para cobrir o banco do carro e outro pano para limpá-lo (na medida do possível). Apesar de coberto de poeira e com bicho para todo lado, dei uma limpadinha “mais ou menos”, cobri o banco, me sentei e tentei colocar o VW para funcionar — eu já sabia que ele não ia pegar de primeira, mas não custava nada tentar.
Como não deu certo, acionei o meu seguro (do outro carro) e logo veio o mecânico da seguradora, para me socorrer:
— O que houve, meu senhor?
— Sabe o que é, eu viajo muito… esse carro ficou parado esses dias, e não quer mais pegar…
O mecânico bateu a chave e condenou imediatamente a bateria. Logo depois, me disse:
– Abre lá atrás, que eu vou aproveitar para ver as velas e o óleo…
Quando ele disse isso, eu gelei! Não tinha pensado nisso! Caramba, o cara vai ver que o óleo já deve ter virado graxa, e as velas, então, devem estar todas enferrujadas!
Assim que o mecânico puxou a vareta, fiquei de olho. O nível do óleo estava baixo, mas com aparência comum, de óleo usado. As velas deram trabalho para sair – foi preciso usar um WD-40 para ajudar – mas também estavam com aspecto normal de uso. Então, ele colocou um carregador rápido, daqueles que dão uma sobrevida à bateria e, assim que deu na chave, saiu um tufo de fumaça branca que mais parecia o Chicabum, do desenho da Penélope Charmosa, hehe! Apesar da fumaceira, o carro pegou — o mecânico até fez um elogio ao Fusca, me perguntando até se eu queria vender, pode? E até ganhei um ânimo a mais para continuar mexendo nele.
Levei o “Trovão Azul” até uma oficina de minha confiança, e lá fiquei o dia inteiro, trocando tudo que tinha direito. Só para vocês terem uma ideia, as lonas de freio, que são feitas de amianto, estavam como se fossem cinza de cigarro! Assim que saí da oficina, fui para casa, fazer uma surpresa para minha filha. Quando ela viu que era um Fusca, logo retrucou: “Eu não vou conseguir dirigir essa carroça!!” Parecia até o Fernando Collor de Mello falando, rs!
Até tentei convencê-la a ficar com o carro, mas foi em vão… e assim lá ficou o pobre Fusca, parado no canto da garagem. Num belo feriadão, estava à toa em casa e me lembrei do Fusquinha; chamei meu filho e perguntei a ele se queria dar uma volta. Ele topou de cara e, depois disso, senti um enorme prazer em dirigir de novo o velho e bom besouro.
Comecei a ir ao trabalho com ele, saía com ele pra lá e pra cá, dei-lhe uma bela cera, troquei algumas coisinhas e ele ficou reluzente de novo!
Certo dia, um conhecido, dono de uma gráfica em Taguatinga, que prestava serviços para a nossa livraria, perguntou se o Fusca era meu, e me convidou para participar de encontros de Fusca. Fui tomando gosto pela coisa e rebatizei meu Fusca, que hoje se chama Willber, um nome mais pomposo para o carro, afinal a ideia era retorná-lo à maior originalidade possível.
Comecei a pesquisar sobre o ano de 1973, e exatamente naquele ano a VW fez várias mudanças: trocou os faróis do modelo “olho de boi” para o redondo reto, os para-choques tipo “poleirinho” deram lugar ao para-choque reto, o motor 1300 passou a ser mais econômico e potente, as janelas traseiras ofereciam a opção de abertura (vidros basculantes) e os frisos laterais, cromados.
E assim, uma peça por vez, uma pessoa por vez, o Willber está retornando ao original, e o VW Boxer Clube vai crescendo junto! Nós fazemos algumas festas e viagens juntos. Numa das idas à Pirenópolis (GO), a Cidade dos Fuscas, Willber aprontou uma grande façanha, que até foi publicada na revista especializada Oficina Brasília, na coluna do Celso Ribas, onde ele conta:
“… no mês de outubro de 2007, fomos convidados para participar com nossos respectivos Fuscas, do aniversário de Pirenópolis. Pois é, convite feito e aceito. Agora era partir rodando para um excelente final de semana. Bom, tudo pronto, partem todos nas velozes e maravilhosas máquinas para a tão esperada viagem. Tudo ia às mil maravilhas quando do nada, vemos no espelho retrovisor aquele ponto azul… era o Willber, que se aproximava a uma velocidade acima do normal para os carros do grupo.
Devia estar a uns 200 km/h, no mínimo, pois na sua cola estava um New Beetle preto, indignado de não conseguir passar um tão pacato fusquinha 1300. Acredite, se quiser! Mas, como tudo tem seu preço, após tal façanha o pequeno Willber pifou e teve que voltar para Brasília de guincho. Mas o dono foi conosco…”
Tá pensando que o Willber só tem essa aventura? Essa é apenas a primeira — mas daí são outras histórias, para outro pôr do sol…
AG