Paulínia/SP, 14 de agosto de 2016
Exmo. Sr.
Sergio Marchionne
Executivo-Chefe da FCA Fiat Chrysler Automobiles E.V.
Eu, Noel Fasterson, marido da proprietária de uma station wagon (SW) Palio Weekend Adventure (PWA) 2011/2012, venho, por meio desta, externar meu agradecimento pela dedicação de seus comandados em projetar, construir e nos vender um carro que merece o título de utilitário.
Sei que você carrega a responsabilidade de lidar com o legado de grandes marcas como Ferrari e Maserati. Poderia ocupar estas linhas lhe pedindo encarecidamente para considerar o retorno da Alfa Romeo ao mercado brasileiro, pois meu sedã 156 ficaria grato em poder contar novamente com uma rede oficial de concessionárias capaz de lhe fornecer peças para reparos. Mas deixarei isto para outra ocasião, pois sabemos que a base de todo o conglomerado que você comanda está na Fiat.
E a despeito das críticas que andei lendo sobre a PWA — quais sejam: projeto ultrapassado, motor beberrão, poucas estrelas nos testes de segurança e muito plástico na lataria — creio que a Fiat está fazendo um ótimo trabalho com o modelo. Como não sou engenheiro mecânico ou jornalista especializado no assunto, recorro à minha recente experiência como pai de família, célula da sociedade para a qual as SWs ainda servem muito bem.
Há alguns dias pedi a PWA de minha esposa emprestada para resolver assuntos fora da cidade. Logo cedo tinha que levar a documentação de um projeto para a cidade de Jaguariúna, que embora sendo uma cidade vizinha, só pode ser acessada por asfalto via praça de pedágio. Economizar alguns trocados foi a desculpa que arranjei para transitar pela estrada vicinal paralela, que serpenteia junto ao leito da antiga ferrovia Mogiana, na zona rural de Campinas.
Passei por velhas fazendas de café, cruzei com uma estação de trem abandonada, lagos, buracos, caminhos cobertos por copas de eucaliptos, algum cascalho e pouca manutenção. A suspensão reforçada da PWA não reclamou. Saindo de Jaguariúna segui direto para Holambra, onde comprei mudas para o jardim de uma obra que estava administrando. Lotei o interior do carro com plantas e sacos de cascas de troncos de pinheiros. Quem me avistou na pista poderia pensar que se tratava de um vidrado em paisagismo — e isto sequer seria uma metáfora.
Pensa que o dia terminou? Não. Descarreguei as mudas na construção e enchi o bagageiro do veículo com sobras de blocos de cimento e conexões de instalações hidráulicas e elétricas. Os tijolos foram para outra obra e os cotovelos, cruzetas e bocais foram devolvidos na loja, onde ganhei crédito para a compra seguinte. Entreguei o carro para minha esposa todo empoeirado, mas a bronca só veio depois que ela voltou do supermercado. Ao tirar as sacolas do carrinho ela viu que o bagageiro estava com cheiro de Pinus elliottii e o carpete repleto de farelo de concreto, com alguns fiapos de embalagens diversas.
Tinha que limpar minha barra com a patroa, que também queria que eu limpasse o carro dela. Propus que faria isso depois do fim de semana, pois no domingo poderíamos almoçar em Águas de Lindoia e passear de tarde em Monte Sião, onde poderíamos comprar algumas malhas para o inverno.
Voltando do sul de Minas Gerais, inventei de fazer o caminho por Socorro e, antes de chegar à cidade, reparei numa placa que indicava uma rota turística pela Estrada Municipal do Oratório. A curiosidade para explorar a região só foi saciada porque estávamos montados na Palio, cuja versão sedã ganhou o nome de Siena por causa da corrida de cavalos (Palio) realizada na praça medieval da cidade, entre os paredões de um lado e a população ensandecida do outro.
Está certo que não estávamos na Toscana, mas a roça autêntica do interior paulista é igualmente bela. Percorremos o fundo de um vale entre duas cadeias de morros e elevações que intercalavam a luz do sol com sombras encardidas pela poeira da estrada, tingindo as empenas das capelas e igrejinhas pontilhadas a cada dois ou três quilômetros, que dava nome ao trajeto.
Atingimos o cume perto do vilarejo de Sertãozinho e começamos a descer para Agudos, já em outro vale. Cada curva descortinava campos arados e plantações diversas, até que encontramos um pasto. Minha filha, de apenas três anos, viu uma vaca de verdade pela primeira vez. Quando me dei conta da importância do momento e estacionei o carro, baixei a janela e fiz uma foto. O odor do curral estercado me levou de volta para a infância, quando passava férias nas colônias do Paraná e do Rio Grande.
Minha filha verá muitas coisas pela primeira vez e não sei o que isto significa para um executivo do seu porte, salvo que muitas de tais “primeiras vezes” será a bordo de uma PWA da FCA. Talvez, por isso, lhe escrevo esta carta.
Voltamos para o asfalto já perto de Monte Alegre do Sul, depois de desviar de siriemas e galinhas de angola que volta e meia passeavam diante de nós. O súbito contraste do rodar macio após uma sessão de solavancos nos permitiu ligar o som para ouvir um pouco da Rádio Cultura de Amparo. Eles tocam músicas italianas de noitinha, para deixar o clima ainda mais romântico.
O domingo se aproximava do fim, mas a história da PWA ainda teria mais um capítulo. Meu sogro pediu a valente emprestada para buscar telhas francesas numa reforma. Estavam trocando o telhado e as telhas seriam jogadas fora, mas parte delas ficará de estoque para a cobertura da casa da minha sogra, que após trinta anos também pede um conserto.
Já não se fazem mais telhas francesas. Elas são do tempo que as famílias eram grandes e tinham uma SW na garagem. Isso tudo está acabando junto com a era do motor a combustão.
Encerro esta carta comunicando que você tem um grande problema para resolver: estamos tão satisfeitos com nossa PWA, que não pretendemos trocá-la tão cedo. Ela não quebra e não consome muito com a gente, pois não dirigimos como finlandeses num rali — o que nos garante um pouco mais de segurança no trânsito, também.
Entregando carros bons e resistentes para gente como a gente, não sei como a FCA pretende manter-se ativa no mercado por muito tempo. Peço apenas que não tirem a Adventure tão cedo da linha de produção. Mas se o fizerem, reservem um lugar de destaque para ela em algum museu de Turim ou Betim.
Sem mais para o momento, subscrevo-me com votos de renovada estima.
Atenciosamente,
Noel Fasterson