Quem sabe o “downsizing” abra os olhos do governo para a burrice tributária que tanto prejudica a indústria automobilística?
O Brasil é um dos campeões mundiais no apetite pelos impostos sobre automóveis. Boa parte (as vezes mais que metade) do que se paga pelo carro não vai para a concessionária nem para a fábrica, mas para os cofres públicos, tamanha a sede do governo. Além de elevada, a classificação tributária é composta de uma série de aberrações.
As principais distorções começaram quando, no início da década de 90, o governo decidiu estimular a indústria automobilística (em crise…) reduzindo impostos para carro de baixa cilindrada. Automóveis com motor de até 1.000 cm³ (ou 1 litro) de cilindrada, passaram a ser chamados de “populares” e tiveram seus impostos reduzidos. Mas, como no Brasil sempre se dá um jeitinho, vingou o lobby da VW e logo se abriu exceção para o Fusca, que tinha motor 1,6.
A ideia do governo, tornar mais acessível o carro simples e econômico, foi logo desvirtuada pelas fábricas que correram para lançar modelos 1,0 cada vez mais sofisticados. E, para conferir um desempenho minimamente razoável, foram “envenenando” os motores que chegaram a receber turbocompressor (VW, foto de abertura) e compressor de deslocamento (Ford). Era carro “popular” com mais de 100 cv de potência e repleto de equipamentos sofisticados.
O incentivo tributário acabou gerando uma grande distorção, pois o motor 1,0 chegou a equipar 70% dos modelos vendidos no mercado doméstico. As engenharias das fábricas se empenhavam em aumentar a cavalaria sob o capô sem se preocupar com a eficiência do motor. Não se importavam com o consumo ou emissões desde que se valessem da redução dos impostos para incrementar vendas. Já que lei é lei, a Fiat chegou a equipar o Siena (1,0) com câmbio de seis marchas para “ajudar” no desempenho. A GM arriscou um Chevette (“Junior”) com direção assistida hidráulica e ar-condicionado que se arrastava por ruas e estradas. Com cinco passageiros e porta-malas carregado ele simplesmente se recusava a arrancar em ladeiras mais íngremes…
Remendos na lei foram contaminando outros modelos. Além da cilindrada, gasolina pagando mais, flex pagando menos. Importado mais taxado que o nacional, picape privilegiada e outras aberrações do gênero. Durante dezenas de anos não se pensou em estimular as alternativas energéticas, tendência mundial que tem no Brasil uma das raras exceções. Aqui, carros híbridos e elétricos foram ligeiramente beneficiados no final do ano passado, mas longe dos subsídios concedidos por outros países.
E assim, de crise em crise, o governo federal foi manipulando impostos para estimular pontualmente o mercado, tirando com uma mão, dando com a outra. Sem jamais imaginar um programa definitivo para estabelecer uma classificação tributária coerente, inteligente, que, além de estimular o mercado, incentive também as fábricas a tornar seus automóveis mais eficientes. Acenou com o Inovar-Auto, outro estímulo também temporário.
A rigor, ao estabelecer esta incoerência de conceder taxação mínima aos carros 1,0, que já perdura quase 30 anos, o governo acabou atirando no que viu e acertando no que não viu, pois a tendência mundial mais recente do “downsizing” resultou em motores de baixa cilindrada supereficientes. Se os antigos 1,0 mal chegavam aos 70 cv de potência, os atuais passam dos 100 cv com a redução de quatro para três cilindros, turbo, injeção direta, comandos variáveis.
Talvez este avanço tecnológico que caiu por acaso no nosso colo e privilegiou — por coincidência — justamente nossos compactos de baixa cilindrada que já pagavam imposto reduzido — abra os olhos do governo para o óbvio: não se estabelece classificação tributária por cilindrada ou combustível, mas pela eficiência térmica. Que pode ser medida tecnicamente em megajoules (MJ), ou km, por litro. E que vale para qualquer veículo, a gasolina, álcool, gás, diesel ou elétrico.
BF