Não é mais importante que a visão, mas divide importância com a audição: o olfato. Há cheiros que nos transportam para outra época. Por exemplo, enfiar o nariz na grade de ventilação dos primeiros Fuscas — falando de 1953 — com motor ainda quente e sentir aquele cheio que nem dá para definir exatamente o que é, mas tinha algo de metálico misturado com óleo e gasolina. Inesquecível.
Recentemente, no HB20, o odor do ar-condicionado nos difusores tinha um quê de adocicado, que me levou à casa de uma família americana vizinha de muro com a nossa na Gávea, no Rio, final dos anos 50, que tinha vários condicionadores de ar — na nossa não tínhamos. Um cheiro muito parecido senti em Bari, na Itália, há um par de anos, o da brisa que vinha do mar Adriático. Cheiro doce.
Um dos cheiros que reputo um dos mais espetaculares, talvez o mais, é o de carro novo. Como é bom! Aquele mistura de plásticos, adesivos, tapeçaria, é um perfume dos melhores!
E o de freios superaquecidos, como parar depois de umas voltas num circuito? É inigualável, que prazer dá!
Mas este cheiro tem um rival, dentro do princípio que toda Gal tem uma Bethânia a disputar espaço e preferência do público: o de borracha dos pneus quentes também depois de andar num autódromo. Ou num carro de elevada potência arrancando.
Pode parecer história de pescador, ou de motorista, no caso, mas consigo perceber óleo na pista numa estrada antes de chegar nele. Aquele cheiro me entra imediatamente. E como ajuda a evitar problemas!
Na última vez que estive em Genebra, na Suíça, eu e um pequeno grupo de jornalistas entramos num restaurante, nos sentamos, e todos logo perceberam um enlouquecedor odor de presunto cru. Vimos que vinha de um balcão muito distante da mesa onde estávamos, mas vinha com uma intensidade incrível. Claro, pedimos duas porções a título de antepasto, devoradas em poucos minutos. Que presunto cru incrível! Desmanchava-se na boca!
Sei que muitos vão refutar o que vou dizer, mas um odor que me agrada muito é de tabaco. Pode ser nos cigarros dentro do maço ou de fumo de cachimbo dentro do invólucro, ou da fumaça resultante da combustão das folhas, nesse caso desde que não seja excessiva — lembre-se até água em excesso mata.
Creio já ter contado aqui no AE que quando menino e andava de ônibus ou lotação (micro-ônibus) e se podia fumar neles, quando alguém acendia um cigarro eu esticava o pescoço para chegar o mais perto possível era um imenso prazer. E olhe que meu pai e minha e mãe não fumavam.
Há cheiros que são mesmo deliciosos:
– batata sendo frita
– carne senda assada, como nos churrascos
– mato ou grama assim que começa a chover
– grama que acabou de ser cortada (sentia isso quando ia de moto ao centro, no Rio, passando pelo Aterro do Flamengo)
– café sendo coado
– gasolina na Europa
– jornais, revistas e livros
– o produzido por motor dois-tempos quando o óleo é à base de rícino, como o antigo Castrol R-4o
– querosene de aviação
– pão francês que acabou de sair do forno
– da pintura do carro que acabou de ser encerada
A essa altura sei que você pode estar se perguntando se não vou falar de cheiro de mulher — não vou, dada a natureza do AE, mas que é uma das melhores coisas da vida, sem nenhuma dúvida.
BS