No mês em que o Rio de Janeiro sediou os Jogos Olímpicos e o país deu adeus definitivo à presidente da República e aos erros grosseiros de sua condução da política econômica, somando o segundo impeachment em pouco mais de 24 anos, as vendas de autos e comerciais leves mantiveram-se praticamente estáveis. Se considerarmos que agosto teve 23 dias úteis, dois a mais que o mês anterior, o ritmo médio de vendas diárias sofreu deterioração de 7,0%.
Nas palavras do presidente da Anfavea, Antônio Megale, durante o encontro mensal com jornalistas no último dia 6, agosto foi o melhor mês para vendas do ano, mas esperavam mais.
O mesmo, porém, não se pode dizer para os comerciais pesados, que seguem enfrentando instabilidade e baixa nas vendas. Em agosto foram vendidas somente 4.399 unidades. As projeções da Anfavea para o ano apontam queda de 25% em comparação com 2015, mas até agora o mercado caiu 33%, e como não há sinais de melhora, talvez a próxima revisão dessa previsão ajuste o número para baixo. o que não é bom para o setor.
Num importante seminário promovido pela publicação Automotive Business, em 22 de agosto último, o mesmo Antônio Megale sinalizou esperar-se retomada de vendas de caminhões de cerca de 7% para 2017. Já contavam com a saída da presidente e com a consolidação das mudanças na economia e política. Considero essa projeção conservadora, o Sindipeças apontava número similar, mas um palestrante mostrou que de suas consultas a diversos empresários do setor de transportes e logística essa recuperação pode atingir 20% em média, nos extrapesados +27%. A despeito da controvérsia dos números da retomada, fato é que muitos estão apostando nela. O Brasil precisa de boas notícias, estão demorando a vir.
Por outro lado, a esfriada no ritmo médio de emplacamentos em agosto, se não preocupa, ao menos confirma o que muitos vêm dizendo, que a recuperação será lenta e sujeita a pequenos revezes. As demissões nos setores industriais e de serviços prosseguem e vão na contramão das expectativas.
Ranking de agosto e dos oito meses do ano
As vendas de agosto foram 1,9% superiores a julho. As marcas que puxaram esse número para cima neste mês foram novamente a Nissan, com +17%, Mitsubishi com +12%, Citroën com +10%, Peugeot e Honda com +6%, Hyundai e Renault com +5%.
A queda de braço da VW com o grupo de investidores bósnios, a Prevent, surpreendeu a todos pela envergadura e reflexos na sua matriz na Alemanha. Lá também suspenderam fornecimento de componentes obrigando a paralisação de diversas fábricas que produzem Golfs e Passats, mas as partes chegaram rapidamente a um acordo e retomaram a produção. Aqui no Brasil a paralisação prossegue e o acordo parece próximo daquele que conhecemos, do pé com as nádegas, ferramentais estão sendo transferidos a outros fornecedores. Enquanto isso, que se consuma o que houver de veículos prontos no estoque.
Os licenciamentos de agosto da marca alemã foram diretamente atingidos e se retraíram em 13%, -10% para a Audi, que desconhece problemas de fornecimento, -6% para a Jeep, -6% para a Mercedes e -5% para a BMW.
Onix na liderança absoluta com 12.422 unidades vendidas, seguido do Hyundai HB20, com 10.263 e do Ford Ka recuperando posições no ranking com 7.043. Fiat Mobi vem ganhando mercado, ainda em detrimento do Uno. Etios hatch mantém seu crescimento desde que lançaram o modelo 2017 e já encosta nos dez mais vendidos.
Nos comerciais leves, Strada segue firme na frente com 6.009 emplacamentos, Toro em 2º com 4.291, Saveiro em 3º com 3.838, Hilux em 4º com 2.876 e S10 em 5º com 2.769.
Há alguma marca imune à crise?
Passados oito meses do ano, nos fizemos essa pergunta. O mercado de automóveis e comerciais leves encolheu 23%, quando comparado com mesmo período de 2015. Algumas marcas apresentaram retração nas vendas em proporção inferior à queda do mercado, o que significa ganharam um naco de participação. É o caso da Hyundai, que decresceu 5%, Nissan -11%, Chevrolet com -17%, Honda com -19%, Renault idem -19%. Estas duas últimas tiveram lançamentos de novos veículos, respectivamente o HR-V e Duster Oroch, o que seguramente lhes amorteceu os efeitos da queda de vendas do ano.
Por outro lado, quando olhamos alguns modelos, seu desempenho de vendas vai na contramão da crise e chega até a surpreender. O Chevrolet Onix, lançado em 2012, não é novidade e só no mês passado que conhecemos os modelos 2017 com importantes mudanças e leve face-lift. Suas vendas nos oito meses do ano, portanto anteriores às mudanças, aumentaram 19%. Um feito e tanto. Os licenciamentos do Hyundai HB20 cresceram 8%. Etios +5% e a sua versão sedã +14%, sempre na comparação do acumulado nos oito meses dos dois anos.
Houve uma clara migração de compradores para as marcas que ganharam participação. Somadas as vendas dos compactos da Fiat, VW e Ford — leia-se Palio, Siena, Uno, Gol, Voyage, Fox, Ka e Ka+ — estas emplacaram 39% menos veículos durante 2016.
Todos os produtos Toyota vêm se destacando em desempenho de mercado, Corolla e Hilux venderam o mesmo volume neste ano que no ano passado, imunes à crise portanto, assim como o Etios. As vendas totais da marca japonesa cresceram 1% no período analisado. O único lançamento foi a renovação da família Hilux no início do ano. Algo que merece estudo.
As marcas francesas da PSA registraram -2% para a Peugeot, enquanto a Citroën -23%, esta última em linha com a queda do mercado. Novamente o lançamento do suve 2008 não só serviu para aumentar a participação da marca como também lhe trouxe novo vigor. A versão aventureira e minivan do C3 deixou de pagar royalties à família Picasso e o modelo pós face-lift foi rebatizado como somente Aircross, enquanto a nova motorização PureTech avaliada pelo AE está dando mostras de acerto de produto com excelentes marcas de consumo, sem comprometer desempenho, aos compactos da PSA.
As marcas de luxo alemãs, Audi, BMW e Mercedes, todas com produção local, registraram quedas respectivas de 27%, 23% e 35% de janeiro a agosto. A crise os atingiu, na Mercedes em maior proporção.
Nas picapes, Toro e Duster Oroch ocuparam seu espaço no segmento, enquanto S10 registrou queda de 32% neste ano, a despeito do face-lift do início de janeiro. Ranger também teve face-lift e vendeu -19% e Amarok sem mudanças no estilo com igualmente -19%. A picape média VW deve apresentar motorização diesel V-6 de 3 litros no Salão. Mitsubishi Triton L200 promete reagir com veículo totalmente remodelado a ser lançado neste mês.
As tradicionais armas de vendas usadas pelos fabricantes, promoções, descontos, feirões, vendas diretas atenuam efeitos da retração econômica num ou noutro mês ou por uns meses, mas são insuficientes para sustentar o longo prazo. Produtos renovados e atraentes se confirmam como a melhor opção, mas como investir centenas de milhões de reais num novo veículo num mercado que está quase à metade de 2014? Para o fabricante, o risco não ter volume suficiente para amortizar investimentos e enterrar um caminhão de dinheiro é grande. E essa equação os atormenta, pois não investir na renovação de produtos e mantê-los longamente inalterados tem-se revelado cruel, com perda de participação e de fidelidade à marca.
Que os bons ventos de mudança sigam soprando. Queremos o Brasil novamente entre os grandes mercados. Os quase quatro milhões anuais de vendas que vimos em 2012 e 2013 são esperados para após 2022.
Até o mês que vem.
MAS