Justificando a complementação do nome de minha coluna, que agora se chama “Falando de Fusca & Afins”, vamos dar início aos “Afins” através da primeira matéria sobre os arrefecidos a água, no caso uma rara série especial do Passat – a 4M. Com isto a coluna passa a abranger o Mundo Volkswagen de uma maneira mais ampla, atendendo a pedidos de alguns dos leitores.
Um dos grandes apelos publicitários para qualquer produto é divulgar o número de produção ou vendas, quando este atinge marcas importantes ou inéditas. Era bem comum um artista usar a conquista de um “Disco de Ouro” (ou de platina, por exemplo) para mostrar o sucesso de um trabalho. O mesmo não seria diferente na indústria automobilística. As marcas importantes de produção são divulgadas com frequência, para demonstrar o sucesso e solidificar a imagem da fabricante que alcança determinado número de produção.
A Volkswagen é uma das fabricantes que costumava registrar estes marcos de produção. Não apenas para veículos, mas até mesmo para componentes que eram produzidos também para o mercado externo, como motores e caixas de câmbio. Alguns exemplos dos registros destes marcos (acervo A.Gromow):
Um dos primeiros números importantes alcançados pela fabricante alemã foi a do 1º milhão de veículos produzidos no Brasil. Esse número foi alcançado exatamente no dia 8 de julho de 1970, após treze anos de atividades no país e 25 anos da Volkswagen mundial, considerando o ano de 1945 como fundação da empresa uma vez terminada a Segunda Guerra Mundial. Tanto que na medalha em homenagem ao Jubileu de Prata da Volkswagen mundial, emitida por Wolfsburg, na Alemanha, foi inserida uma menor alusiva ao milionésimo carro produzido no Brasil, numa face e o brasão de São Bernardo do Campo, na outra (fotos frente e verso, acervo A.Gromow):
Placa de agradecimento dos funcionários
Funcionários da Volkswagen do Brasil, aproveitando a oportunidade da comemoração do 1º milhão de veículos produzidos no Brasil, fizeram seu agradecimento pela vinda da Volkswagen para cá e pela consequente oportunidade de trabalho que isto propiciou a todos eles:
Esta placa foi descerrada durante a cerimônia pelo então presidente da Volkswagen do Brasil, Rudolf Leiding:
A celebração do 1º milhão de veículos produzidos no Brasil foi uma cerimônia importante e muito concorrida, realizada na Fábrica Anchieta em São Bernardo do Campo:
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O fato foi noticiado pelos jornais já na semana anterior. A solenidade de produção do milionésimo Volkswagen brasileiro contou com a presença do Ministro da Indústria e Comércio, Pratini de Morais, que representou o presidente Emílio Garrastazu Médici, além do governador de São Paulo, Abreu Sodré, e do presidente da VW mundial, Kurt Lotz. E o carro que fez a VW alcançar este feito não poderia ser outro senão um Fusca, que era responsável por mais de 70% da produção da fabricante até então. Durante a solenidade, o Fusca foi dado como prêmio a Uenis Tannuri, o melhor aluno de medicina da Universidade de São Paulo daquele ano. O carro, na cor verde Folha, é guardado com carinho até hoje pelo Dr. Tannuri, que se tornou cirurgião pediátrico e professor da própria USP. A revista O Cruzeiro registrou o evento de entrega deste Fusca:
Em 1972, a Volkswagen alcança outro marco. Se em 1970 a produção total de 1 milhão de veículos Volkswagen no Brasil foi alcançada, desta vez a Volkswagen chegava a 1 milhão de Fuscas. Para a indústria brasileira, a produção deste número de unidades de um mesmo carro era um fato inédito; foi motivo de anúncio com o regozijo da marca pelo feito:
Para comemorar, a Volkswagen organizou a promoção “Nosso milhão vale um Fuscão”, onde seriam distribuídos dez Fuscas. Nove deles seriam presenteados aos participantes que respondessem corretamente algumas perguntas sobre a Volkswagen do Brasil e criassem um slogan sobre os produtos da empresa. O décimo Fusca da promoção, exatamente o de número 1.000.000, seria dado ao proprietário do Fusca mais antigo fabricado no Brasil. Este carro foi entregue para a Srta. Marina Magatti Ferreira, dona de um VW 1200 produzido em 1959.
Mais um importante passo da VW no Brasil foi atingido no ano seguinte. A matéria de 1º de julho de 1970 do jornal O Globo, com o título “Milionésimo Volks vai sair hoje da linha de produção”, a este respeito disse: “Hoje, 23 mil pessoas produzem cerca de mil unidades diárias e o 2o milionésimo Volks será fabricado em menos de quatro anos.
E de fato foram necessários apenas 3 anos para que uma Kombi fosse o 2.000.000º veículo produzido pela VW no Brasil, em 23 de agosto de 1973.
Esta Kombi foi doada ao Projeto Rondon, uma ação do Governo Federal em parceria com instituições de ensino superior que envolve a atividade voluntária de universitários para conhecer a realidade brasileira em regiões carentes e contribuir para o seu desenvolvimento. O veículo em questão foi enviado para uso no campus avançado da cidade de Imperatriz, no Maranhão. O marco dos dois milhões de veículos Volkswagen produzidos no Brasil foi registrado na matéria do jornal O Globo, reproduzida abaixo:
Somado a isso, no contexto desta festividade, o VW 2.000.001º, um VW Brasília, foi sorteado entre os funcionários da fábrica. Para não paralisar a linha de montagem, que implicaria na redução da produção diária em 350 veículos, o ato de entrega foi no Centro de Formação Profissional da fábrica. A solenidade contou com a presença do Ministro do Interior, Costa Cavalcanti, e do presidente da VW, Wolfgang Sauer. Veja as fotos desta solenidade:
Neste contexto foi publicado um anúncio no O Globo, em 23 de agosto de 1973, falando sobre os desafios de se alcançar a marca de 2M de unidades produzidas no Brasil pela Volkswagen. Para permitir a leitura do interessante texto desta propaganda fizemos a montagem abaixo:
Esta propaganda mirava para o futuro e mostra, ao lado do texto, um reticulado onda cada célula registra a produção anual de veículos nacionais, que inicia com a Kombi em 1957. As indicações vão até agosto de 1973 com o registro de ter alcançado o recorde de 2M de veículos, novamente com uma Kombi; seguem muitas células vazias olhando para o futuro:
4M – a vez do Passat festejar um recorde
Para a marca de 4 milhões de veículos produzidos no Brasil, alcançada no fim de 1977, a Volkswagen não apenas fez o registro, como também criou uma série especial comemorativa a este acontecimento importante em sua história no Brasil, como registra a foto abaixo:
O carro escolhido para isso foi o Passat, o modelo mais avançado de sua linha, em um momento em que suas vendas estavam em franco crescimento. O nome da versão era alusivo a isso: Passat 4M. Apesar de sua produção ter sido iniciada em 1977, o Passat 4M foi lançado como modelo 1978, pois esta linha já havia iniciado sua produção em outubro. Não foi a primeira série especial da fabricante no país.
Antes do Passat tivemos o VW 1600 L e o TL Personalizado, ambos comentados nesta coluna anteriormente, porém foi a primeira cujos números de produção eram conhecidos: apenas 1.000 exemplares seriam produzidos.
O Passat 4M era um carro sóbrio, tendo sido idealizado com base na versão LS de 3 portas, mantendo as principais características desta versão. O motor, por exemplo, era o mesmo 1,5 com carburador Solex H35 PDSIT, de corpo simples.
Porém, muitas outras características diferenciavam o 4M das demais versões da linha. A dianteira era a mesma utilizada nas versões TS e a recém-lançada LSE, com seus quatro faróis circulares.
Para os mais fanáticos, podemos dizer também que a caixa de fusíveis utilizada é exclusiva do Passat 4M.
Mas que faróis são estes?
Uma das peculiaridades desta série especial costuma causar discussões acirradas devido a seu ineditismo. Contrariando a tendência de época, as lâmpadas dos quatro faróis eram do tipo bulbo incandescente convencionais e da cor amarela; desconhecemos outro veículo de série da Volkswagen no Brasil que tivesse este tipo de faróis. As lentes e os refletores eram dimensionados para este tipo de lâmpada, sendo, portanto, diferentes dos faróis circulares do Passat TS.
No catálogo de peças o 4M recebeu um tratamento especial, com uma área que tinha o título: “SOMENTE PARA 4M” — o que mostra que ele tinha diferenças em relação aos demais, está na parte inferior da página. Quanto à lâmpada, o catálogo indicava quatro unidades da lâmpada N 017 705 4, Lâmpada amarela – 12 V – 45/40 W DIN 72601 — o que confirma que as quatro lâmpadas eram iguais
Os refletores eram os mesmos do VW Brasília, VW Variant etc. O desenho das lentes era adequado ao uso de lâmpadas de bulbo convencionais e diferiam das lentes usadas nos faróis do TS; aliás no TS se percebe a diferença de desenho das lentes dos faróis internos e externos.
O funcionamento dos faróis do 4M era o mesmo do TS, a saber, os externos com luz alta e baixa e os internos só alta, e o filamento de baixa ficava ocioso.
Além disso, o 4M trazia do TS e LSE os frisos protetores de borracha nos para-choques.
A cor da carroceria era exclusiva: cinza Grafite Metálico, que a partir do ano seguinte começou a ser oferecida também para outras versões do Passat, além de modelos arrefecidos a ar.
A parte superior da tampa traseira era pintada de preto, algo parecido com o que quase 10 anos mais tarde reapareceu discretamente no Escort XR3 e foi mais marcante no Uno 1.5R.
A pintura preta também era utilizada ao redor dos vidros laterais. A partir do ano seguinte, o Passat TS passou a usar recurso semelhante, apenas com uma faixa preta que começava abaixo do quebra-vento e terminava no extremo da parte inferior do vidro lateral traseiro.
Não havia a opção de vidros verdes ou desembaçador traseiro, lançado no mesmo ano para a linha Passat.
O Passat 4M utilizava também frisos laterais de desenho até então exclusivo. Em 1979 o mesmo friso passou a ser opcional no Passat LS e de série no Passat LSE, sendo que a partir de então também foi utilizado na tampa do porta-malas, que não foi utilizado no Passat 4M.
As rodas possuíam tala 5″, as mesmas utilizadas no Passat TS e LSE, chamadas de maneira um tanto otimista de “rodas esportivas” no material publicitário, e eram pintadas na cor da carroceria.
Originalmente o Passat LS, assim como as demais versões com motor 1,5 usavam as rodas de aço com tala 4,5″, que são facilmente diferenciadas por terem o miolo mais saliente.
Para identificar a versão, havia uma plaqueta com o emblema 4M na grade, no lado do motorista, assim como no lado direito da tampa traseira, feitas de material refletivo.
O emblema “Passat LS” também era utilizado na tampa do porta-malas, na posição convencional, deixando claro o modelo que originou a série especial. Alguns Passat 4M conhecidos atualmente trazem emblemas colados também na coluna C de ambos os lados. Apesar de algumas pessoas que conheceram a versão na época do lançamento relatarem que chegaram a ver modelos assim, não existe esse registro no material de divulgação de época. Esse tipo de diferença entre as peças publicitárias e o que era realmente produzido pela VW era relativamente comum e já foi vista, inclusive, em colunas anteriores.
Na parte interna, o Passat 4M era a única versão da época que não possuía acabamento monocromático. Enquanto no restante da linha 1978 era possível escolher, dependendo da cor da carroceria, o interior totalmente preto ou marrom, o interior do 4M mesclava itens das duas cores. O painel, volante, console central e pequenos itens de acabamento eram pretos, e o estofamento dos bancos, teto e forrações laterais vinham em tons de bege e marrom, resultando numa diferente e elegante combinação.
Veja fotos mostrando o interior do Passat 4M, que mesclava tons de bege e marrom do estofamento, carpete e forrações laterais, com o preto do painel, volante, console e demais detalhes (Fotos de Hugo Bueno, André Grigorevski e divulgação Volkswagen)
O rádio Bosch OC-OM-FM estéreo era equipamento de série, com alto-falante no painel e na forração lateral traseira esquerda. Fechando o conjunto, um pequeno emblema 4M era posicionado próximo ao difusor de ar do passageiro, assim como no Passat Surf.
E quem comprasse um Passat 4M não estaria levando para a garagem apenas as características exclusivas da versão. A produção limitada a apenas 1.000 unidades garantia que o consumidor estava comprando um carro diferenciado, difícil de ver nas ruas. Como dizia um dos anúncios da época, “um carro inconfundível para as mil pessoas mais exigentes deste país”.
O material publicitário deixava claro o motivo da série especial, além de exaltar a importância dos 4.000.000 de veículos produzidos, um recorde no Brasil. Além disso, não esquecia de dissertar sobre as qualidades inerentes ao Passat e que dificilmente eram ignoradas nos anúncios, como o duplo circuito de freios em diagonal com servofreio e a direção com raio de rolagem negativo. “Até esta tecnologia vai ser difícil chegar” ou “Quer ver um carro novo ficar 10 anos mais velho? Coloque-o ao lado do Passat e compare” eram frases de efeito utilizadas para salientar as qualidades do Passat, um carro de concepções bastante modernas para o mercado brasileiro.
Um dos 1.000 exemplares produzidos foi utilizado no cinema nacional, nas filmagens do longa-metragem “Meu nome não é Johnny”, lançado em 2008. No filme, que conta a história de João Guilherme Estrella, um traficante de drogas que abastecia a elite da zona sul carioca no início dos anos 90, o Passat é usado pelo protagonista, interpretado pelo ator Selton Mello, e aparece em algumas cenas em cenários característicos do Rio de Janeiro, como o Aterro do Flamengo. Diferente do que o filme leva a crer, não há registros, mesmo no livro, de que João Estrella tenha possuído um Passat, ainda mais um 4M.
Mais algumas fotos desta filmagem (Fonte: divulgação):
Atualmente são conhecidos entre 20 a 30 exemplares remanescentes desta rara série especial, sendo que boa parte deles necessita de restauração de diferentes níveis de dificuldade e poucos possuem todas as características marcantes da versão, como as rodas, frisos laterais e lâmpadas amarelas. Alguns destes exemplares também passaram por processo de tuning, tendo seu interior totalmente alterado, assim como a cor da carroceria. Mas outros ainda contam com muita dignidade essa página importante da história da Volkswagen no Brasil.
É o caso do exemplar que esteve em exposição no evento de Águas de Lindoia em 2015 e ajuda a ilustrar essa matéria. O carro, que mantém todas as características da versão que foram aqui listadas surpreendeu pela originalidade e estado de conservação, sendo inclusive premiado como um dos destaques do evento. Outras fotos deste carro foram usadas anteriormente para ilustrar os detalhes desta série especial (Foto Hugo Bueno)
Mais fotos de um outro exemplar de Passat 4M em estado original (fotos de André Grigorevski):
Com isto terminamos esta matéria, e, como de costume, abrimos o fórum para receber material sobre os Passat 4M de maneira a preservar a memória deste raro tipo de carro.
AG
(Atualizado em 18/10/16 às 7h00, inclusão de informações sobre os faróis do modelo)
Minha parceria com Hugo Bueno recebe o reforço de André Grigorevski formando a “Troika do Passat”; aproveito para apresentá-los através de seus minicurrículos:
André Grigorevski é microbiologista, de Niterói e tem 37 anos. Seu gosto por automóveis começou ainda criança e engloba inúmeras marcas e modelos, em especial os antigos. Já a paixão pelo Passat começou em casa, a bordo de um LS 1980 verde Pampa. Em 1996 criou a Home-Page do Passat, um dos primeiros sites sobre automóveis do Brasil, que completou 20 anos em agosto passado. É um dos fundadores e o atual presidente do Passat Clube – RJ, clube criado em 2005 e registrado recentemente, sendo o primeiro dedicado ao modelo filiado à Federação Brasileira de Veículos Antigos. Mesmo possuindo forte ligação com o Passat, sua garagem tem espaço para receber outros modelos, em especial os DKW-Vemag.
Hugo Bueno é carioca e atua na área de projetos industriais. Ganhou sua primeira Quatro Rodas, a qual conserva até hoje, aos oito anos de idade, ainda nos anos 70, e desde então é fascinado por automóveis. Tem predileção pelos nacionais das décadas de 60, 70 e 80, especialmente pelos modelos Volkswagen. Gosta também de pesquisar fatos e curiosidades que marcaram a história da indústria automobilística brasileira. É membro do VW Clube do Rio de Janeiro e diretor do Miura Clube RJ, associação que congrega aficionados pelo esportivo nacional Miura, o qual utilizou a robusta e confiável mecânica Volkswagen ao longo de sua existência.
NOTA: Este trabalho traz um material histórico elaborado com cuidado e atenção, mas que pode ser passível de correções visto que se baseia, na maioria dos casos, em informações de pesquisa tanto em documentos, livros, internet ou até de testemunhos.
Nossos leitores são convidados a dar o seu parecer, fazer suas perguntas, sugerir material e, eventualmente, correções etc. que poderão ser incluídos em eventual revisão deste trabalho.
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REGISTRO: após da mudança de provedor ocorreu a perda parcial de material fotográfico que foi recolocado nesta matéria no dia 05/02/2017. Este procedimento, feito pelo autor, complementou o trabalho feito pelo Staff do AUTOentusiastas na condução da transferência de muitas centenas de matérias para “seu novo lar”. Com isto esta matéria foi reconduzida à sua condição original, respeitando as condições de arquivo existentes, pequenas diferenças podem ter ocorrido.