Aproveitando minha própria deixa do meu último artigo sobre a história do Corvette Stingray original, e também o iminente aparecimento de um Corvette com motor central-traseiro, resolvi fazer esta lista aqui. Uma lista de todas as tentativas, ainda remotas que fossem, de associar o nome Corvette a algo muito mais avançado e exótico: o motor central-traseiro.
Alguns deles nem se chamam Corvettes; outros usam apenas o nome para ligá-lo ao modelo. O importante aqui é este impulso de se fazer acontecer, avançar a ideia, propagandear as vantagens. Todo engenheiro-chefe do Corvette que se preza tentou colocar essa ideia em produção, e estes carros são a personificação deste impulso.
Vai servir, também, para ilustrar algo que quis mostrar nas entrelinhas daquele texto. Mostrar todo o significado histórico e sentimental que um Corvette com motor central traz para o modelo e a marca. Deixar claro a longa tradição de projetos deste tipo na sua história, mesmo que nenhum até hoje tenha chegado em produção. Uma tentativa de explicar tudo que significará um Corvette com o sufixo “Zora” no nome, e um motor atrás do motorista. Tomara que a Chevrolet esteja nos ouvindo e realmente coloque este nome no carro… Uma grande chance que não pode ser desperdiçada.
Em ordem cronológica:
1) CERV I (1959-1963)
Desde 1957 a GM estava fora de qualquer competição automobilística. A Associação Americana de Fabricantes de Automóvel (AMA) queria arrefecer a corrida por potência e velocidade que assolava o país, e decretou este fim de envolvimento em competições. Então o que Zora faz, em pleno 1959, tirando fotos ao lado de um monoposto de rodas expostas, claramente um carro de fórmula, em foto oficial da GM?
O carro em questão era um laboratório sobre rodas, na verdade. A versão oficial, estranhamente visto do mundo de hoje onde os textos são tão politicamente corretos que não dizem nada, era extremamente claro e verdadeiro. O CERV I (Corvette Experimental Research Vehicle – 1) era “…uma ferramenta de pesquisa para avançar a contínua pesquisa da Chevrolet nos fenômenos de estabilidade e conforto veicular, de uma forma extremamente realista.”
Criado por Zora Arkus-Duntov para avançar a causa do motor central-traseiro no Corvette, e aumentar seu próprio conhecimento sobre a configuração, o CERV I era um monoposto com suspensão independente nas quatro rodas e freios a tambor de alumínio inboard, internos. O motor era um V-8 Chevrolet de bloco pequeno, mas não qualquer um: era o mais avançado já criado até então. Fundido em alumínio com alta porcentagem de silício, dispensava camisas em ferro fundido e pesava 45 kg (!) a menos que um motor normal de produção. Muitos componentes secundários eram em magnésio, tornando o motor realmente leve, quase o mesmo peso de um quatro-cilindros contemporâneo. Com 283 pol³ (4,6 litros) e injeção mecânica Rochester, gerava 358 cv a 6.200 rpm. O câmbio era um transeixo herdado do Q-Corvette (um projeto cancelado), e era manual de quatro marchas.
A carroceria, criada pelos designers entusiastas Larry Shinoda e Tony Lapine (este depois o chefe do design na Porsche), tinha apenas duas camadas de compósito de fibra de vidro, e pesava apenas 40 kg. O peso a seco do carro era de apenas 658 kg.
Zora testou o carro em Pikes Peak, e o resultado foi tão bom que nutriu esperança de inscrevê-lo para a 500 Milhas de Indianápolis. Claro que tal coisa ainda era impossível, mas a mente viaja pensando no que teria acontecido, em como seria este futuro alternativo: dois anos depois da apresentação do CERV I, Jim Clark, em 1965, venceria a famosa corrida com um carro de motor central-traseiro.
O carro continuou a ser usado para pesquisa e eventuais apresentações a imprensa até 1964. Durante este tempo, uma infinidade de motores V-8 de bloco pequeno experimentais foram usados, coisas como o 377-pol³ (6,2 litros) de alumínio. Zora queria pesquisar o comportamento acima de 200 mph (322 km/h), e para isso colocou dois turbocompressores no V-8 de alumínio, para algo acima de 500 cv, e que segundo ele, levantava as rodas dianteiras em aceleração.
O primeiro e mais pessoal Corvette de motor central-traseiro.
2) CERV II (1964)
Quando 1964 chegou, o veto às competições da AMA parecia algo prestes a ruir. A Ford já estava disparando sua política “Total Performance” que nos daria Cobras, GT40, e GT350. Zora, obviamente, estava ansioso para ter algo preparado caso a Chevrolet resolvesse contra-atacar.
Sua resposta para tal coisa era o CERV II. Agora um biposto, era porém obviamente um carro de competição. Equipado com o V-8 de alumínio e 377 pol³, com injeção Hillborn de fluxo contínuo, o carro também contava com um sistema de tração nas quatro rodas permanente, e câmbio automático especial, algo em desenvolvimento secreto com a Chaparral de Jim Hall.
O protótipo nunca foi usado em competição, mas de novo a mente se embaralha em pensar no que poderia ter sido. Em testes, com a ajuda da tração integral, o baixo peso e o feroz V-8, o CERV II fazia o 0-60 mph (96,5 km/h) em 2,8 segundos, a caminho de uma estratosférica velocidade final: 344 km/h.
3) Chevrolet Astro II XP-880 (1968)
Um Corvette em tudo menos o nome, o Astro II tem sua origem, obviamente, no Astro I de 1967. A ideia deste era fazer um carro ultra-aerodinâmico, e para atingir este objetivo seus desenhistas perseguiram a menor área frontal possível. O Astro I se tornou um dos mais baixos carros já criados, medindo impossíveis 900 mm do solo ao seu ponto mais alto. Um carro tão baixo impossibilitava portas na lateral então o acesso era feito por um canopy como o de caças a jato, que basculava na traseira e levantava tudo do para-brisa para trás para que os ocupantes pudessem entrar.
Ajudando a manter o carro baixo, a plataforma escolhida foi a do Chevrolet Corvair de produção normal: com suspensões independentes e um seis-cilindros contrapostos arrefecido a ar na traseira, à 911, a base era perfeita para manter a altura do carro tão baixa. Mas o motor montado no Astro era especial: ao contrário do OHV do Corvair, este tinha comando no cabeçote, válvulas em “V” para câmara de combustão hemisférica e dois carburadores triplos criados pela GM, mas obviamente baseados em Webers. Um motor bem parecido com o do então recém-lançado Porsche 911, mas muito mais potente: chegava a 240 cv, numa época em que nenhum 911 tinha mais de 160 cv. O motor experimental era previsto para a geração seguinte do Corvair, algo que infelizmente não aconteceu.
O Astro II era menos futurista em desenho, mas muito mais importante tecnicamente: o motor estava agora em posição central-traseira, e as bandeirinhas quadriculadas cruzadas do Corvette apareciam no capô. Obviamente mais um estudo para viabilização do Corvette de motor central, é algo que nos deixa imaginando num futuro incrível que não aconteceu, um futuro no qual o Corvette teria motor central de seis cilindros arrefecido a ar. Certamente um concorrente matador, dinamicamente superior e com carisma similar ao do sempre popular 911. Um futuro em que a Chevrolet seria mais Porsche que a própria Porsche.
Mas o Astro II não recebeu o motor Corvair, fruto da má imagem então do carro devido aos ataques do infame Ralph Nader, e a descontinuação iminente do carro. No lugar do leve seis contraposto, um enorme V-8 de bloco grande e 7 litros (427 pol³) foi montado em posição central-traseira, longitudinal em frente a um transeixo de Pontiac Tempest com câmbio Powerglide de duas marchas.
O primeiro carro-conceito Corvette que parecia razoavelmente pronto para ser fabricado em série era uma colaboração de Zora e Mitchell, ali empenhado também em fazer um Corvette com esta configuração.
4) Corvette XP-882 (1969)
Esta foi talvez a mais séria tentativa de Zora, agora com o apoio (mais implícito que explícito) de Mitchell, para fazer um carro de produção com motor central. Usava o transeixo do Oldsmobile Toronado, de tração dianteira, mas montado transversalmente, mais para dentro do carro e mais baixo. Em uma das saídas de semiárvore do Toronado era acoplado o diferencial traseiro. O XP-882 tinha tração traseira apenas, mas o esquema mecânico era perfeito para se adotar a outra inovação tecnológica que Zora tinha em mente desde o CERV II: tração nas quatro rodas.
O motor, é claro, não era um Oldsmobile, e sim um Chevrolet: V-8 de bloco grande e 7,4 litros (454 pol³). Motores de grande cilindrada eram indispensáveis na época, mas isto trazia uma grande desvantagem para o carro: o conjunto do transeixo Oldsmobile e o enorme V-8 faziam o carro muito pesado na traseira. Zora queria usar um de seus V-8 de alumínio para melhorar isso, mas sabia que isso só diminuiria as chances de aprovarem o carro para produção (o alumínio era exponencialmente mais caro), e, portanto, teve que conviver com o problema.
O carro foi mostrado à imprensa automobilística, com direito a voltinha no banco do passageiro com Zora e várias entrevistas e sessões de fotos. O futuro de motor central parecia perto de novo, lendo-se estas reportagens hoje. O sonho de Zora, porém, seria novamente frustrado. Independentemente disso, o bem-bolado XP-882 influenciaria os próximos anos do Corvette como poucos outros carros-conceito o fizeram, e seria a base de mais alguns Corvettes com motor central, como veremos adiante.
5) XP-897 GT “Corvette twin-rotor” (1972)
O sucesso do Corvette C3 de 1968 foi tão grande que colocou panos quentes nos planos de um novo com motor central. Além do sucesso, outras coisas conspirariam para que o C3 ficasse em produção até 1982: legislações de emissões e segurança passiva, e a crise do petróleo dos anos 70. Com a necessidade de recriar a sua linha inteira de carros, os cofres da GM seriam drenados, e tivemos que esperar 14 anos para que o um novo Corvette (C4) aparecesse.
Mas no início dos anos 70, antes disto tudo, o conceito de motor central no Corvette ganhou algum momento novamente com a famosa invenção do Dr. Felix Wankel na NSU alemã: o motor rotativo. No finzinho dos anos 60 e início dos 70, praticamente todo mundo, da Citroën até a Mercedes, da Mazda até a GM, comprou uma licença para fabricar um Wankel. Ed Cole, na GM, apostou várias fichas naquele minúsculo, potente, suave e girador motor.
O primeiro lugar em que foi mostrado foi neste carro: o XP-897 foi feito a toque de caixa, em seis meses, pela Pininfarina na Itália a partir de um chassi de Porsche 914, um birrotor GM experimental de 180 cv, e um modelo em argila 1:1 criado nos estúdios avançados da GM em Warren. O carro era belíssimo, e pequeno, um dos menores Corvettes já criados. Estranhamente, a Pininfarina o fez em chapa de aço e não compósito de fibra de vidro, como é tradição no Corvette.
6) XP-895 – O protótipo Reynolds de alumínio (1972)
A GM de Ed Cole estava sempre pesquisando novas tecnologias, e assim a Reynolds Metals Company, um dos maiores produtores mundiais de alumínio, é contratada para que se criasse um Corvette totalmente no material.
Baseado no XP-882, esta era uma ótima evolução dele, bem mais leve, inclusive com um V-8 454-pol³ de alumínio também. Mas obviamente, era ainda mais caro que o XP-882 e não passou de uma experiência. Mas a mente viaja em como seria interessante um carro desses a venda…
7) XP-882 – Aerovette (1972)
Mitchell e Zora se reúnem novamente para fazer este, talvez o mais radical de todos os Corvettes. O XP-882 era de novo a base, mas com motor diferente: Zora pegou dois birrotores experimentais e os acoplou em série, para criar o Corvette de quatro rotores e 420 cv. O desenho era futurista, com as extremidades da carroceria em compósito plástico, então grande novidade (e a ser usada nos Corvette de série no futuro próximo). Mas as novas legislações de emissão de poluentes matariam os motores rotativos da GM em seguida, e com ele foi também qualquer ideia de se colocar em produção esta fantástica criação.
8) Corvette GTP (1982-1987)
Um carro de competição para a categoria IMSA-GTP, era baseado num chassis Lola T600 e um motor Chevrolet V-6 “vortec”, turbo e preparado por Ryan Falconer para algo ao redor de 1.100 cv. Foi uma tentativa de colocar o nome Chevrolet de volta às competições de carros esporte, depois de tantos anos ausente de forma oficial. Na temporada de 1986 fez sete pole positions e ganhou duas corridas. Um dos mais velozes e potentes Corvettes já criados pela Chevrolet.
9) Corvette Indy (1986)
No meio dos anos 80, a Chevrolet voltava às competições com toda força. Além do Corvette GTP, na Fórmula Indy aparecia também um sofisticado motor de corrida Chevrolet, encomendado para a Ilmor. Era um pequeno V-8 de 2,65 litros, em alumínio, com duplo comando e quatro válvulas por cilindro e turbo, para mais de 600 cv. Um motor exótico, de competição, dedicado.
Ao mesmo tempo, o grupo de engenharia do Corvette, liderado agora por Dave McLellan, que acabara de lançar o C4, pensava no futuro do carro. Inevitavelmente, o motor central traseiro volta à pauta, e com ele a ideia de se criar um carro-conceito que explorasse a reação do público. E porque não usar o superavançado motor de competição da Fórmula Indy neste Corvette?
Nascia o Corvette Indy, o carro que seria o C5 que nunca existiu, mais um incrível vislumbre de um futuro incrível e possível, mas que morreu antes de acontecer. E uma continuação de uma tradição do modelo, mesmo depois da aposentadoria de Zora.
10) CERV III (1990)
O CERV III é o último de uma longa linhagem de Corvettes com motor central (se descontarmos o carro de competição “Daytona”, de 2012), e talvez o mais tecnologicamente avançado e incrível de todos eles.
O carro tinha estrutura de compósito de fibra de carbono e Kevlar, reforçada com colmeia de alumínio, que fazia um monobloco extremamente rígido e leve. A carroceria tinha um coeficiente de arrasto baixíssimo, de 0,277. O motor era transversal, central-traseiro, o mesmo V-8 do Corvette C4 ZR1: todo em alumínio e desenvolvido pela Lotus, com duplo comando no cabeçote e 5,7 litros. Mas no CERV III contava também com dois turbocompressores Garrett, para conservadores 650 cv, e nada menos que 362 km/h de final.
O câmbio era automático de três marchas acoplado a uma unidade overdrive de duas marchas, fazendo seis marchas no total, obviamente uma solução improvisada. Mas o carro também contava com tração nas quatro rodas, tal qual o CERV II de Zora tanto tempo atrás.
Como pudemos ver, uma longa tradição de vontade, um ímpeto criativo das pessoas que criam Corvettes sempre existiu para que acontecesse o Corvette de motor central. Mal posso esperar para ver toda esta tradição se materializando em breve num carro de produção.
Zora, de onde quer que esteja nos observando, vai estar realmente feliz.
MAO