Iniciativa bastante válida do vereador Mário Covas Neto e apoiada pelo deputado federal Floriano Pesaro, a reunião realizada nesta terça-feira, 29, em auditório da Câmara Municipal de São Paulo para discutir a desestatização do Autódromo de Interlagos mostrou que sobra emoção e falta coerência entre os interessados no assunto.
Em meio a colocações que lembravam textos do gênero “esta é a minha história” e outras que tais , porém, porém salvaram-se propostas interessantes, algumas surpreendentes, e ficou clara a forma inadequada como a SPTuris trata do “equipamento”, como o circuito é chamado no jargão urbanístico.
Covas Neto e Pesaro lideram o processo de tombamento de Interlagos como patrimônio imaterial da cidade, algo por si só relevante e consequente frente às reiteradas menções do valor imobiliário do terreno com área aproximada de um milhão de metros quadrados. Cyro Laurenza, que faz parte da equipe que cuida da transição do poder municipal nas gestões Haddad e Dória, justificou sua presença ao mencionar que a área estar inserida em um portal de grande importância turística, mais importante:
“Não podemos privatizar (Interlagos). O terreno não tem dono.”
De maneira mais direta e sucinta, Floriano Pesaro tocou na ferida quando ao justificar o pedido de tombamento afirmou que “Interlagos é pista de corrida”. Covas Neto iluminou ainda mais a forma como a SPTuris administra o autódromo dando números:
“A F-1 cobra uma reforma anual e (nos últimos anos ) foram injetados em Interlagos R$ 316 milhões de dinheiro público, sendo que toda a renda do evento da F-1 vai para o promotor do GP”, que não contribui em nada nas reformas e manutenção.
O vereador lembrou ainda que o custo para construir o autódromo do Bahrein, um dos mais modernos no mundo, é estimado em US$ 150 milhões. Pior: todas as reformas realizadas em Interlagos levam em consideração apenas e tão somente as necessidades da F-1 e raramente contemplam e consultam o universo das equipes, pilotos e imprensa que usam o local nas datas em que são contemplados.
Integrante da mesa que mais se destacou pela maneira como se comportou na reunião, o presidente da SPTuris Alcino Reis Rocha usou do típico discurso de administrador público ao lembrar mais do mesmo. Admitiu que as obras estão atrasadas por causa do Governo Federal, que o deficit da administração do autódromo passou de “muito grande em 2015 para menor em 2016 e que deverá ser zerado em 2017”. Em todas as suas colocações Reis Rocha deixou claro que a F-1 é a principal preocupação da entidade, o que, obviamente, gerou protestos dos presentes. O administrador fechou sua participação no evento saindo apressadamente recusando-se a responder questões da imprensa.
Como era esperado, o público que atendeu ao convite de Covas Neto deixou clara a insatisfação como o automobilismo paulista é tratado pela SPTuris: dificuldade em conseguir datas, impedimento de usar os boxes, instalar as equipes sem prover infraestrutura mínima e, tal como anunciado há semanas, aumentar o aluguel da pista de R$ 16.095,00 para R$ 41.500,00 por dia.
O pior de tudo é o que revela a colocação do empresário Orlando Sgarbi: “Não se sabe qual é a prioridade sobre o uso de Interlagos. Fala-se de privatização mas há cerca de 11 anos o autódromo foi privatizado através do decreto municipal 45.822, de 7 de abril de 2005, pelo prefeito José Serra.”
A concessão, lembra Sgarbi, “é gratuita e precária”, o que deixa margem ao seu cancelamento, algo que se justificaria pela qualidade da gestão desenvolvida: a outorga é gratuita e livre de impostos e, como admitiu Alcino Reis Rocha, mesmo assim dá prejuízo. Boa surpresa David Costa, estudante de arquitetura e morador vizinho ao autódromo, que apresentou um estudo intitulado “Interlagos, polo sócio-cultural da velocidade”. Ainda que a volta do traçado antigo seja discutível e não prioritária, o gesto mostra que a juventude ainda tem olhos para o esporte.
Fazendo contraponto, o veterano piloto Ruy Amaral Jr ao notar um ambiente tenso ponderou que “a união em nosso meio tem que acontecer de baixo para cima, precisamos nos fortalecer para conseguir o que queremos”.
Sem dúvida, a união da comunidade automobilística será uma arma poderosa na luta para devolver Interlagos à razão de sua existência, algo que não exclui a utilização da pista para eventos outros que não sejam vinculados ao esporte a motor. A semente lançada por Mário Covas Neto deixou isso claro, assim como o fato que o novo prefeito não transmitiu claramente o que quer fazer com o autódromo. Deixá-lo nas mãos da SPTuris, que comprovou sua inépcia na gestão da pista e também no Parque Anhembi, outrora centro de exposições dos mais ocupados do Brasil e atualmente praticamente abandonado, está longe de ser uma solução aceitável. Que o tombamento seja a primeira batalha vencida nessa guerra para salvar o primeiro autódromo brasileiro e um dos primeiros do mundo.
WG