Cada vez assisto menos TV. Ela fica para os bons filmes, já que notícias frescas leio na internet e vídeos vejo no Youtube. Agora ando assistindo as formidáveis corridas do Festival de Velocidade de Goodwood, Inglaterra, onde ferrenhamente competem carros de corrida históricos em perfeito estado, sendo que alguns em até melhores condições do que em suas épocas, já que hoje há melhores materiais, como pastilhas e lonas de freio, pneus, combustível etc. Além dos carros bárbaros, volta e meia há pilotos veteranos descendo a lenha sem dó. Cito só alguns que vi: Stirling Moss, John Surtees, Derek Bell, Damon Hill, Jack Brabham. É mole? E também tem moçada da boa pilotando Ferrari Testarossa, Ford Cobra, Jaguar E-type Lightweight, Lotus Cortina, Mini Cooper, Lotus Eleven, e outros. É legal ver jovens apaixonados por esse tipo de corrida, o que é sinal que manterão essa coisa viva e provavelmente ainda maior.
Um desses moços vinha muito bem num Ferrari barchetta. Vinha disputando o pelotão da frente, até que por algum motivo, numa curva de média velocidade, tipo a do Laranja de Interlagos, o carro começou a rodar, a traseira querendo assumir a frente. Tudo bem, não vinha ninguém atrás, daí ele tinha tranquilidade para consertar a coisa com calma. Mas nessa hora ele fez besteira: foi lento para consertar contraesterçando, e lento de novo para consertar para o outro lado quando assim se fez necessário, já que devido à lentidão de sua primeira reação o carro entrou em pêndulo. Bom, seguiu assim, p’ra lá e p’ra cá, entrou no gramado do lado de fora da curva e foi se amassar um pouquinho nos pneus que beiravam o guard-rail.
Logo saquei que foi lento por não estar acostumado com a relação de direção do carro. Aquele Ferrari, década de 50, precisava de algumas voltas para o grande volante ir de batente a batente — era assim na época, senão ele ficaria muito pesado. Revi a cena — uma das vantagens do Youtube — e confirmei; o cara tinha demorado. Na certa é moço, pensei. Se fosse um bom piloto coroa, ele até teria tirado uma mão do volante para poder virá-la mais e mais rápido, teria consertado a saída de traseira logo de cara e a coisa não passaria disso. O sujeito saiu desconsolado do carro, tirou o capacete, e vi que era moço mesmo. É um bom piloto. Só lhe faltava suficiente experiência com carros de corrida antigos para que sua reação se tornasse instintiva. Na certa, depois dessa, não cometerá o mesmo erro.
Outro dia vi o Lewis Hamilton e o Nico Rosberg pilotando dois Mercedes monopostos do museu da marca. O Rosberg pilotando um W196 da década de 1950, um que foi do Stirling Moss, e o Hamilton um Flecha de Prata da década de 1930. Pista de Nürburgring. Bom, achei que seria legal ver. E vi. Que decepção! Decepção porque foram num banho-maria de embrulhar o estômago, com várias conversinhas pelo rádio, essas coisas, camera-cars na frente, eles comentando a falta de segurança daqueles carros, essas coisas. E, para finalizar, assim que desligou seu Flecha de Prata o Hamilton reclamou do câmbio, dizendo que arranhava muito nos engates: “Rrrrp! Rrrrp!” – disse ele, o que me doeu nas entranhas. Garanto que o alemão Rudolf Caracciola não arranhava nenhuma naquele câmbio bruto e seco, e que na reta dessa pista metia mais de 290 km/h debaixo de chuva, e não reclamava de nada, só, talvez, que queria um pouco mais de potência, além dos 600 cv que ele produzia.
Mas até aí tudo bem, são carros de museu, história da Mercedes, tem que tomar cuidado; só que ao longo do vídeo me lembrei de quando o Emerson Fittipaldi e o Ronnie Peterson foram convidados para fazer o mesmo, isso na época em que pilotavam para a Lotus, e o Emerson relatou que mandou a bota no carro e que o adorou, que era um espetáculo aquele carro, muito bom, estável, que acima de 200 e tantos ele continuava impressionantemente firme, um baita dum motor etc., e contou que quando foi combinado para que parassem, ele parou, mas o Ronnie, não. O endiabrado do Ronnie seguiu, e ainda mais forte, gás total, fazendo todas as curvas de lado, tal qual fazia no seu Lotus 72. Ele era um piloto-show, era o jeito dele, tipo Gilles Villeneuve, tipo Bird Clemente, pilotos que empolgavam a plateia levando-a à loucura — coisa inexistente hoje em dia.
Bom, o pessoal da Mercedes perdeu a paciência e teve que entrar na pista e criar uma barreira para que o sueco maluco parasse. Deu galho, pintou um clima constrangedor, disse o Emerson. Bah! Que se dane! Quem mandou mexerem com um piloto raçudo desses! E garanto que nem um nem outro arranhou marcha alguma.
A luzinha
Outro dia acendeu a luzinha do ABS do carro da minha filha. Testei o carro e vi que os freios estavam bons. São a disco nas quatro rodas, bons freios. Só que o ABS não funcionava. O problema era só um sensor do ABS que pifara, como o mecânico constatou. Ela estava na praia, então após subir para São Paulo comprei o sensor e o mandei pelo correio. Bom, mas nesse ínterim ela faria com o carro uma pequena viagem que totalizaria uns 200 quilômetros. Daí, veja só!, pintou uma certa preocupação, preocupação maior dela que minha. Ela sabe que a maior vantagem do ABS é podermos meter sem dó o pé no freio e mesmo assim desviar da encrenca até mesmo debaixo de chuva, já que com ele as rodas não travam. Então tive que rememorá-la lembrando-lhe para que, caso houvesse necessidade de freada forte, dosasse a freada, sentisse a aderência dos pneus, evitando que as rodas travassem. E como ela aprendeu a dirigir em Fusca, bugue, Belina, Galaxie e Lada Laika em estrada de terra na fazenda, e a ensinei direitinho, ela se lembrou como era, lembrou que sabia dar conta, e se acalmou. Os reflexos certos estão em sua memória e bastava que ela deixasse essa luzinha acesa na própria cachola, o seu próprio ABS.
Por sinal, anos atrás, numa roda de jornalistas, um deles esbravejava irado que tal carro não tinha ABS. O Bob disse na lata do sujeito: “Pessoalmente, para mim tanto faz. Freio tão bem com ou sem ABS. Posso dizer isso. Poucos podem e eu posso.” O assunto morreu ali, porque era verdade mesmo. E daí? Ele tem lá seu próprio ABS e eu cá ainda confio mais no dele e no meu que nos de fábrica. O tal sujeito, não, e sorte dele que tem consciência disso.
Após testar um carro num autódromo, fiquei sabendo que o volante endureceria caso eu o tivesse virado para o lado errado para corrigir, por exemplo, uma escapada de traseira. Um sujeito veio me contar essa, perguntando: “Viu só essa? Viu como ele endurece?”. Não. Não vi, não. Como não o virei para o lado errado, ele não endureceu comigo. Se o sujeito não me falasse, eu não ficaria sabendo dessa útil ajuda. Útil?
Todo pai consciente sabe que não basta proteger nossos filhos. Temos que ensiná-los a se proteger por conta própria, já que não será sempre e para sempre que estaremos ao seu lado.
Quando comecei a surfar, início da década de 70, não havia o leash, a cordinha elástica que ata a prancha ao nosso tornozelo. Então era um tal de ter que vir nadando de lá do fundo que não era moleza. Tinha que saber nadar no mar, o que é algo além de só saber nadar, pois temos que saber para onde nadar, já que é comum haver correntezas. Tem que saber poupar energia, tem que saber “pegar jacaré” (pegar onda de peito) e, o mais importante, tem que saber manter a calma. Bom, inventaram a cordinha na segunda metade dos anos 70 e com ela o surfe se popularizou, já que o camarada deixou de precisar desses predicados para poder surfar.
Mas será que deixou de precisar mesmo? Cordinhas arrebentam, portanto quando ensinei minhas filhas a surfar, volta e meia, quando estávamos atrás da arrebentação, eu lhes pedia a prancha: “Tire aí a cordinha que você vai voltar p’ra praia nadando!”. E toca ela a voltar nadando. É claro que eu ia ao lado, com a prancha dela, ensinando-a a se virar sozinha. Já vi muito “surfista” apavorado quando arrebenta a cordinha e ele perde a prancha. Auxílios, portanto, são bem-vindos, desde que não passemos a depender totalmente deles.
Um amigo é piloto de avião de carreira. Volta e meia ele pilota pequenos monomotores “para não perder o braço”. Hoje, velejadores transoceânicos controlam seus posicionamentos e rotas pelo GPS, porém todos têm que ter cartas náuticas e sextantes bem guardados no armário, e têm que saber usá-los, senão não é um velejador oceânico que se preze. Se também puder levar um índio que saiba ler as estrelas, melhor…
Estou testando um carro importado muito bom. Sua dinâmica tem me agradado bastante. Além disso, ele tem os mais modernos recursos eletrônicos que visam ajudar a evitar acidentes. Por exemplo, vinha eu lá numa pista simples e com um carro lento à frente. Como sempre, mantive boa distância do carro adiante, esperei pelo momento oportuno e seguro para ultrapassar e tratei de acelerar ainda antes de mudar para a faixa da esquerda. O “carro” não sabia de minhas intenções e para ele eu estava acelerando de encontro à traseira do carro adiante, então ele disparou um alarme e uma série de luzes piscaram assustadas no painel para me avisar da sandice que eu estava cometendo. Alarme falso. Sandice nada!
Depois, numa pista tripla, vinha eu na faixa do meio com o controle de velocidade de cruzeiro ligado. Um carro mais lento que ia na faixa da direita entrou na minha frente, então tratei de olhar pelos retrovisores para ver se eu poderia passar para a faixa da esquerda. Ainda não podia, pois outro carro mais veloz vinha nela e logo iria nos ultrapassar. Mas eu ainda não precisava frear nem nada, pois mesmo mantendo minha velocidade haveria tempo de sobra para que esse carro nos ultrapassasse e em seguida eu poderia ir para a esquerda e boa. Bom… meu carro “se assustou” de novo e tratou de frear forte. Aí quem levou um sustinho fui eu, pois apesar de ter sido informado que o carro faria isso, eu não havia o experimentado. Mas tudo bem, houve tempo de sobra para tomar providências e calcar fundo no acelerador para “mostrar ao carro” que era isso mesmo que eu queria fazer e que ele que ficasse na dele e obedecesse.
Afinal, nada contra esses recursos, essas interferências programadas. Na média devem ajudar a evitar acidentes, mas minha preocupação não é com a nossa geração de motoristas, nós aqui acostumados a cuidar de nós mesmos, mas é com as gerações futuras, que aprenderão a dirigir tendo todos esses “anjos da guarda” paparicando seus passos; esses e mais outros “anjos da guarda” que na certa devem surgir para ajudar a zelar por nós.
Não sei onde isso vai parar. Não sei se assim vamos criar uma legião de motoristas bichos-de-goiaba tão dependentes dessa ajuda que não saberão “assumir o manche” na hora “H”. Acho que o jeito é haver dois tipos de carteira de habilitação, uma para motorista normal e outra para motorista de carro autônomo.
O rapaz vai alugar um carro. A moça do balcão lhe pergunta:
— Você tem CNH?
— Tenho sim — responde ele — mas só de carro autônomo.
— Tudo bem, então pegue aquele ali. Há uma mamadeira numa geladeira do console e se você aprontar alguma traquinagem, já sabe, levará umas palmadinhas no popô. OK?
AK